Desde que pisaram em solo brasileiro, incrédulos com a festa feita no Aeroporto de Cumbica, os jogadores do Corinthian-Casuals escutaram incontáveis vezes a expressão “Vai, Curinthia!”, na pronúncia que só os torcedores do Corinthians parecem capazes de executar. Reunidos com o clube que inspiraram, os ingleses veem – ou ouvem – a Fiel reparar uma espécie de bela falha centenária.
Foi a impressionante excursão de 1910 do Corinthian Football Club – posteriormente unido ao Casuals Football Club – que levou os fundadores do time do povo a adotar seu nome. Não a equipe, mas os jogadores que atropelaram os adversários enfrentados no Rio de Janeiro e em São Paulo eram chamados de “Corinthians”, no plural. A imprensa fez a confusão, e a formação visitante ficou mesmo conhecida por Corinthians.
Corinthians devolveu encanto com tabelas de Sócrates e Rivellino
Tudo aconteceu em um momento em que um grupo de operários amadurecia a ideia de criar o próprio time. A decisão de colocar o plano em prática foi finalmente tomada quando os ingleses fizeram sua primeira partida em São Paulo, batendo a Associação Athletica das Palmeiras por 2 a 0, em 31 de agosto. No dia seguinte, de pai inglês, nascia “o clube mais brasileiro” à luz de um lampião.
No dia do batismo, Santos Dumont e Carlos Gomes foram os primeiros nomes cogitados. O pintor de parede Joaquim Ambrósio teve outra ideia e, narra o cronista Lourenço Diaféria, “foi direto”.
O também pintor de parede Antônio Pereira, um dos cinco fundadores originais, não gostou. “Eu não queria um nome estrangeiro para a gente. Pensava em um bem brasileiro, assim como Carlos Gomes ou Santos Dumont. Fui voto vencido e hoje estou feliz por isso. Corinthians é um nome de que eu não esqueço. O começo foi difícil, sacrificado. Acho que foi por isso que o Corinthians cresceu e se transformou no que é hoje”, emocionou-se, em entrevista concedida em 1974.
Haverá muita gente arrepiada na tarde de sábado, em Itaquera, no encontro do pai Corinthian com o filho Corinthians. Entre apoiar os inspiradores ingleses e os inspirados brasileiros, o jeito será gritar “Vai, Curinthia!”.
Corinthian teve eterno 11 a 3 e suposto inventor de “soccer”
O Corinthian Football Club surgiu em 1882, formado sobretudo por universitários, e logo tomou as características que sempre seriam sua marca. Eternamente amador, recusou o profissionalismo e, em solo britânico ou em suas viagens pelo mundo, difundiu e difunde ideais de esportividade.
O “Corinthians Spirit” não tirava a competitividade de um time que chegou a representar a seleção inglesa – na década de 1880, a Inglaterra quebrou um longo jejum diante da Escócia com nove corinthianos em campo. A formação londrina foi ainda a responsável pela maior derrota da história do Manchester United: 11 a 3, em 1904.
Não é à toa que a seleção da Inglaterra usa calções azuis escuros e camisas brancas, uniforme original da equipe fundada por N. L. Jackson. A camisa branca do Real Madrid também é uma referência aos ideais defendidos por aqueles que deixariam no futebol brasileiro a sua maior marca.
Até o surgimento da palavra “soccer” é creditada a um corinthiano, Charles Wreford-Brown. Em um café da manhã com um colega da Universidade de Oxford, ele teria ouvido uma pergunta que fazia trocadilhos com “rugby”, transformado em “rugger”, e “breakfast”, que virou “brekker”. Preferindo o futebol ao rúgbi após o café, supostamente trocou “Association” por “soccer”.
