Com disputa jurídica em torno de spray, CBF retoma uso da ferramenta em seus torneios - Gazeta Esportiva
Com disputa jurídica em torno de spray, CBF retoma uso da ferramenta em seus torneios

Com disputa jurídica em torno de spray, CBF retoma uso da ferramenta em seus torneios

Gazeta Esportiva

Por Anuar Sayed e Bruno Ceccon

28/05/2021 às 08:00 • Atualizado: 28/05/2021 às 16:11

São Paulo, SP

Na edição de 2021 do Campeonato Brasileiro, com início programado para sábado, os árbitros poderão utilizar o spray para demarcar espaços em campo nas cobranças de falta. Adotada novamente pela CBF, a ferramenta está no centro de uma disputa jurídica com ares de Davi contra Golias entre o brasileiro Heine Allemagne e a Fifa.

No último dia 20 de maio, a CBF enviou aos árbitros um ofício com orientações para a temporada 2021, assinado pelo ex-juiz Leonardo Gaciba, presidente da Comissão de Arbitragem da entidade. O item 4.9 do documento, obtido pela Gazeta Esportiva, trata sobre a ferramenta.

“A CBF disponibilizará 02 (dois) sprays demarcatórios de barreiras da marca ‘Spuni’ a serem utilizados, obrigatoriamente, nas partidas de competições coordenadas pela CBF, exclusivamente”, diz o documento. A Spuni é a empresa de Heine Allemagne, que luta para ser reconhecido como inventor da ferramenta empregada nas últimas duas Copas do Mundo.

O engenhoso spray de espuma esbranquiçada, não utilizado no Campeonato Brasileiro 2020, já foi empregado pelo árbitro Leandro Vuaden no confronto entre Palmeiras e Flamengo, disputado no último mês de abril, pela Supercopa do Brasil. Na antevéspera da partida realizada em Brasília, Gaciba falou sobre a ferramenta, que, como ex-árbitro, conhece bem.




"Nós estamos voltando ao spray, que sempre se mostrou eficiente, principalmente para a questão da distância da barreira. Agora, voltamos a ter essa possibilidade. Acreditamos que é uma ferramenta interessante para o futebol. Além de agilizar as cobranças de falta, faz os jogadores respeitarem mais a distância", elogiou Gaciba ao site oficial da CBF.

A relação entre Heine Allemagne e a Confederação Brasileira de Futebol já foi de parceria, mas acabou cortada. O mineiro de Ituiutaba que luta para ser reconhecido como inventor do spray soube pela Gazeta Esportiva sobre a adoção da ferramenta na temporada de 2021 e garante que sua empresa não vendeu o produto à entidade.

“Passaram 20 anos, a patente expirou em outubro de 2020 e, hoje, é de domínio público”, constatou Heine. “A CBF tem a missão de desenvolver o futebol brasileiro e o spray foi uma invenção que revolucionou o futebol mundial, mas o presidente passou a cooperar com a Fifa em um processo que ela está totalmente errada”, completou, em alusão a Rogério Caboclo.

Em contato com a Gazeta Esportiva, a assessoria de imprensa da CBF confirmou o uso do spray nas competições da temporada de 2021 e esclareceu que não tem qualquer pendência com Heine Allemagne. A disputa jurídica em torno da ferramenta, de fato, é entre o brasileiro e a Fifa.

Há 21 anos, Heine Allemagne mostrou spray ao jovem Paulo César de Oliveira (Foto: Acervo Pessoal)


Davi x Golias

Em 2000, Heine aproveitou a presença do jovem árbitro Paulo César de Oliveira em Ituiutaba para um jogo oficial e exibiu o spray recém-criado. Em outubro do mesmo ano, iniciou processo de patenteamento no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), aprovado apenas em 2009, quando o uso da ferramenta já era obrigatório nos torneios da CBF.

Durante suas andanças na tentativa de popularizar o spray e acertar a venda da patente, Heine no ano de 2003 conheceu em Paris o argentino Julio Grondona, então presidente da Associação de Futebol Argentino (AFA) e membro da cúpula da Fifa. Entusiasta da ferramenta, ele virou uma espécie de padrinho do projeto na entidade com sede na Suíça.

Apoiado pela CBF, o mineiro de Ituiutaba frequentava os eventos promovidos pela Fifa para promover sua invenção, especialmente na Europa. Em 2012, quando o spray já era utilizado de forma bem-sucedida também pela Conmebol, a International Football Association Board (IFAB), órgão responsável pelas regras, reconheceu a ferramenta.

No começo de 2014, a Fifa fez sua única oferta para adquirir os direitos de utilizar o spray inventado por Heine e ofereceu US$ 500 mil, valor significativamente menor do que os US$ 40 milhões estimados como justos pelo brasileiro. Entusiasta do projeto, Grondona morreu em julho do mesmo ano, e a situação do inventor ficou ainda mais complicada.

E-mail de ex-diretor de marketing da Fifa com proposta de compra da patente (Imagem: Reprodução)


Em 2015, a Fifa promoveu um encontro, aberto a qualquer fabricante, para tratar do programa de qualidade do spray – Heine não foi convidado e compareceu apenas após cobrar a organização. No ano seguinte, já na gestão de Gianni Infantino como presidente, o brasileiro fez contato e a entidade disse considerar o tema concluído, além de avisar que não trataria mais da questão.

Em 2016, a Spuni entrou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contra a entidade que rege o futebol. “A Fifa não só havia se comprometido a comprar (a patente do spray), mas também impediu que eu negociasse com outro mercado. Nosso processo é basicamente isso: a boa-fé objetiva e apropriação indevida de patente”, explicou Heine.

Chancelado pela IFAB em 2012, o spray foi incorporado ao livro de regras oficial apenas na temporada 2016/2017 e seguiu em 2017/2018. A partir de então, porém, não mais apareceu na publicação, mas continuou sendo usado, o que faz Heine Allemagne acusar a Fifa de “profanar a Bíblia do futebol”. A entidade, por sua vez, alega que a ferramenta nunca figurou na versão em inglês, que prevalece em caso de dúvida.

No fim de 2017, uma decisão liminar determinou a suspensão de uso do spray em todas as competições. A Fifa, então, passou a tentar reverter e conseguiu em 2019, no Superior Tribunal de Justiça. No mesmo ano, a entidade ainda pleiteou na Justiça a anulação da patente concedida a Heine em 2009, tese avalizada pelo próprio INPI – a patente foi reconhecida em mais de 40 países.

Heine ao lado do suíço Joseph Blatter, então presidente da Fifa e hoje condenado (Foto: Acervo Pessoal)


Representada por Cristiano Zanin Martins, que também advoga pelo ex-presidente Lula, a Spuni em 2020 recebeu um parecer desfavorável do Comitê de Ética da Fifa, já que o órgão considerou que o tema deve ser resolvido na Justiça brasileira. Procurada pela reportagem, a colombiana Maria Claudia Rojas, responsável pela decisão, alegou não poder dar informações sobre casos específicos.

No ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu em favor da Fifa na primeira instância. Recentemente, no último mês de abril, o Superior Tribunal de Justiça determinou que a entidade que rege o futebol precisará responder apenas pelas eventuais violações de patente ocorridas no Brasil. Heine Allemagne, por sua vez, segue na luta.

“Foram 20 anos de dedicação e não tive benefício algum. A Fifa não mudou: continua sendo uma instituição maléfica e que teve vários membros presos. Não há fair play. Se o caso for julgado de forma isenta, minha chance de perder é zero. Agora, do jeito que a Fifa está atuando, é Davi contra Golias. Com uma pedrinha, tenho que derrubar um gigante”, afirmou, disposto a seguir no combate.

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