Vinte anos após briga campal, Capez quer que arenas virem shoppings - Gazeta Esportiva
Vinte anos após briga campal, Capez quer que arenas virem shoppings

Vinte anos após briga campal, Capez quer que arenas virem shoppings

Gazeta Esportiva

Por Olga Bagatini, especial para a GE.net

20/08/2015 às 09:00 • Atualizado: 20/08/2015 às 15:51

São Paulo, SP

Há exatos 20 anos, o Pacaembu foi palco de uma das brigas mais violentas da história do futebol brasileiro. Na final da hoje extinta Supercopa de Juniores, torcedores de Palmeiras e São Paulo, muitos ligados à Mancha Verde e Independente, invadiram o gramado do estádio e protagonizaram uma verdadeira batalha campal. Diante da barbárie, o promotor Fernando Capez atraiu os holofotes ao pedir a extinção das torcidas organizadas. Elas ficaram proibidas de entrar nos estádios durante oito anos (1995 a 2003), mas nunca deixaram de se fazer presentes. Duas décadas depois, a violência continua intimamente ligada ao futebol.

Para que esse problema seja erradicado, Capez, agora deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, defende que os estádios criem espaços de entretenimento em suas dependências a fim de atrair o público. “A arena tem que virar um shopping. Tem que abrir lojas e restaurantes para que o sujeito possa levar sua família. Todos os estádios deveriam ter museu do futebol e sala de troféus do clube”, opinou Capez em entrevista à Gazeta Esportiva. 

O deputado entende que a violência continua acontecendo porque há pessoas propensas a ela dentro da torcida, e não mais porque as organizadas a provocam como costumavam fazer. Com esse pensamento, a Assembleia aprovou um projeto de lei de autoria coletiva (Lei 15.868/2015) com uma série de medidas para combater a violência e trazer as famílias de volta aos estádios. A premissa é transformar o torcedor em cliente, e o futebol, em espetáculo.

Fernando Capez quer transformar as arenas de futebol em shoppings (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Fernando Capez quer transformar as arenas de futebol em shoppings (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)


“A nossa aposta é o respeito ao consumidor. Transformar os jogos de futebol, pelo menos os da primeira divisão, que atraem os clubes de maior torcida, em um espetáculo como a NBA. E isso é possível. A lei caminha nesse sentido”, defendeu o político, referindo-se ao principal torneio de basquete dos Estados Unidos.

As medidas incluem a numeração de todas as cadeiras das arenas para evitar tumultos. Se não cumprirem a determinação, as praças esportivas não terão alvará para receber jogos da Copa do Brasil e das primeiras divisões do Paulista e do Brasileiro. Haverá multas para os torcedores que desrespeitarem a distribuição correta dos assentos e para os organizadores que não a fiscalizarem. O promotor do evento terá a opção de destinar 20% dos ingressos às torcidas uniformizadas, que deverão ficar isoladas atrás dos gols.

“Quem tem que empurrar o time é o torcedor comum. Claro, ninguém desconhece que as torcidas, principalmente as do Corinthians, empurram o time de maneira alucinada. Mas ou a gente organiza o futebol ou arrumamos formas alternativas de fazer festa. A Gaviões da Fiel, por exemplo, tem 50 mil torcedores organizados, enquanto o Corinthians tem 35 milhões de fãs. Se depender desses 50 mil para fazer a festa, aí complica. Com a nova lei, eles poderão fazer a festinha deles atrás do gol, enquanto a grande festa será feita pelo torcedor comum. Pelos menos as organizadas estarão deslocadas dos melhores lugares.”

BATALHA


O dia 20 de agosto de 1995 foi uma mancha na história do futebol brasileiro. Naquela manhã de domingo, Palmeiras e São Paulo foram ao Pacaembu disputar a final da hoje extinta Supercopa de Juniores. Após empate sem gols no tempo regulamentar, o atacante Rogério balançou a rede no início da prorrogação, disputada no sistema gol de ouro, e assegurou o título para o clube alviverde. O futebol, contudo, ficou em segundo plano.

Na comemoração, alguns palmeirenses da Mancha Verde invadiram o gramado e foram até a arquibancada oposta provocar os são-paulinos da Independente, que, reagindo às ofensas, pularam o alambrado e partiram para a briga. Na época, a área do tobogã estava em reforma, e havia muito material de construção espalhado pelo local. Munidos de paus e pedras, os torcedores se enfrentaram no que caracterizou uma verdadeira batalha campal. Por se tratar um jogo da categoria sub-20, o batalhão de policiais estava reduzido e não foi capaz de conter o conflito. Mais de cem pessoas ficaram feridas, e o jovem são-paulino Márcio Gasparini da Silva, de 16 anos, morreu devido às sequelas de uma pancada que recebeu na cabeça.

Com ajuda das fotografias da Gazeta Esportiva, o palmeirense Adalberto Benedito dos Santos foi identificado como o autor da paulada que matou o garoto. Adalberto foi condenado a 12 anos de prisão, mas cumpriu metade da pena e foi solto. “Não quer nem ouvir falar em futebol. Ficou traumatizado, desgraçou a vida dele”, contou o promotor Fernando Capez.


As novas regras passam a valer no Paulistão 2016. O governador Geraldo Alckmin sancionou a lei, que foi assinada por todos os deputados da casa. "Vamos fazer um pacto para que a lei pegue e seja cumprida."

A nova lei também garante juizados especiais em todos as arenas. Aqueles que forem pegos cometendo pequenos delitos serão proibidos de entrar em estádios de futebol e monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Se membros das uniformizadas se envolverem em atos violentos, tanto elas quanto os clubes poderão ser punidos. Nesses casos, a promotoria irá aos diretores das torcidas exigindo a identificação dos membros. Já as equipes estarão sujeitas ao corte de subvenções públicas.

“O clube que der ingresso para torcida organizada estará automaticamente envolvido se houver ato de violência. Não pode se omitir, senão vai sofrer as mesmas penas. Vamos chamar o clube e perguntar: 'Quem são seus torcedores?'. Mostra tudo para mim. Vamos ver as imagens para ver se a pessoa que está aqui é da sua torcida. Vamos trazer a torcida como colaboradora para tirar essa dúvida. Se não vier colaborar, vai ser porque está querendo esconder alguma coisa. Então haverá punição”, explicou.

Muitas das regras que moldam o futebol nacional atualmente são consequências da batalha campal do Pacaembu. É o caso da proibição de bandeiras com mastro, sinalizadores, fogos de artifício e venda de bebidas alcoólicas nas praças esportivas. No início de agosto, o governo de Minas Gerais aprovou a comercialização de cerveja nos estádios, mas Capez crê que ainda não é o momento certo para a liberação.

"Tem que proibir. É a solução? Não, é um paliativo. Torcida única também é paliativo. Já que o Estado é incompetente e não consegue proteger, que vá uma torcida só. Cerveja não deveria ser proibida, mas é porque o torcedor bebe e briga. Em uma etapa futura, no momento em que o espetáculo ficar organizado, será liberada como é nos jogos da NBA e nas principais ligas europeias. Lá, o torcedor toma sua cerveja e não briga porque já se sabe qual é o público que vai aos estádios. No momento, ainda não podemos fazer isso.”




Flávio de Campos, professor da USP e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens), discorda de que uma solução tão simples quanto uma lei seja capaz de resolver o problema. “A violência no futebol é muito mais complexa, e qualquer tipo de solução que apareça como mágica está equivocada desde o princípio. A gente não pode desvincular a violência do futebol da violência presente na sociedade. Faz parte da própria constituição do espaço da multidão. Também é um equívoco criminalizar as torcidas organizadas. É a mesma lógica repressiva de colocar a Rota na rua, de diminuir a maioridade penal ou estabelecer a pena de morte. Não é por aí. A questão passa por entender o que se processa ali, como se montaram as torcidas organizadas e qual sua lógica”, explicou o pesquisador, que propõe o diálogo como remédio.

"É preciso respeitar as organizadas e trazê-las para o diálogo com as direções e lideranças que estão interessadas na paz no estádio. Só assim poderá haver práticas mais festivas, alegres e bacanas no futebol. Algo que contrasta com o processo de criminalização das torcidas, que só amplia ainda mais a intolerância de um país já intolerante."

Embora destoe das ideias do professor, o plano de Capez, teoricamente, serviria para eliminar os conflitos dentro das arenas esportivas. Mas e a violência nos arredores dos estádios, como as emboscadas em dias de clássico? Para resolvê-las, o parlamentar propõe que o Ministério da Justiça firme uma parceria com as Secretarias de Segurança Pública dos Estados com objetivo de infiltrar representantes dentro das uniformizadas.

Capez aposta em trabalho preventivo para brigas de torcedores fora das arenas (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
O deputado apóia medidas para transformar o futebol em um espetáculo a fim de trazer as famílias de volta aos estádios (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)


“As Secretarias teriam recursos para colocar delegados de polícia, investigadores e policiais militares à paisana. Esse grupo vai monitorar o comportamento das torcidas usando os instrumentos da lei do crime organizado: interceptação telefônica, monitoramento permanente de redes sociais e o que é mais eficaz, infiltrar essas pessoas na torcida a fim de acompanhar as conversas e combinados. Se o FBI faz isso com organizações internacionais de narcotraficantes, não é difícil fazer com torcidas organizadas. Saberemos antecipadamente onde eles vão se reunir, e será possível prendê-los em flagrante", explicou o deputado, que pretende investir preventivamente e fazer um trabalho com inteligência e muito mais profundidade do que é feito hoje.

"A torcida vai ficar assustada porque ninguém saberá quem é quem. Poderemos, inclusive, pegar pessoas condenadas, fazer acordos de delação premiada e usá-las como informantes. Isso ainda não está sendo feito, mas, quando for, vai aliviar quase 100% do problema das emboscadas."

Duas décadas depois de uma briga que deveria ter sido um marco para a aplicação de medidas de combate à violência, as autoridades continuam buscando propostas para evitar novas mortes como a do tricolor Márcio. Mesmo que isso signifique transformar um elemento da cultura popular brasileira em espetáculo. "Ou nós adotamos a estratégia dos países organizados e isso aqui funciona como jogo da NBA, ou vamos ficar enterrando filho que o pai e a mãe não conseguiram segurar. Que foi entregue a esses vândalos que estavam ocupando o espaço dos estádios. É o grande ponto que nós temos para fazer a virada da página", finalizou.

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