Inédito título mundial faz pais buscarem novos Medinas em Maresias - Gazeta Esportiva
Helder Júnior e Bruno Ceccon
São Sebastião (SP)
12/22/2014 00:14:58
 

O Brasil demorou 38 anos para vencer o WCT pela primeira vez. Alcançado na noite de sexta-feira, o título de Gabriel Medina foi suficiente para estimular pais a levarem seus filhos a Maresias com o sonho de repetir o feito logrado pelo jovem sob as orientações do padrasto Charles Serrano.

“Tem uns pais muito loucos! Estão se mudando para Maresias com os filhos de oito anos para fazer as crianças virarem surfistas. É algo fora do comum, porque nessa idade ninguém sabe o que quer ainda. É coisa do pai, achando que vai ficar rico em cima do menino”, conta Jeane Pupo.

Ao lado do marido Wagner, ex-profissional, ela chefia um clã de surfistas, formado por Miguel, 23 anos e 19º colocado no WCT, Dominik, 18 anos e campeã brasileira universitária, e Samuel, 14 anos e dono de sete títulos paulistas nas categorias de base. Os herdeiros, relata Jeane, adotaram o esporte de maneira natural.

“Não foi nada planejado. A gente levava os filhos para a praia porque o Wagner competia. Então, cresceram brincando no palanque, mas nunca forçamos nada. Não existia a pretensão de ser um campeão mundial, de participar do Circuito. Eles são talentosos e foram crescendo naturalmente”, diz Jeane.

Em parceria com a Rip Curl, patrocinadora de Samuel, a família Pupo administra uma loja em Boiçucanga, bairro vizinho a Maresias. Na esteira do sucesso de Gabriel Medina no WCT, o clã tem sido procurado pelos pais interessados em transformar seus filhos em surfistas.

“Eles vêm atrás de nós em busca de orientação, mas não temos nem o que falar, é loucura dos pais. Fico com dó, porque tentam usar as crianças. Não é assim que funciona: pega o menino e fala ‘vai lá e seja igual ao Gabriel Medina’”, diz Jeane, em tom de lamentação.

Durante o verão, iniciado neste domingo, as ocorrências nas praias aumentam significativamente. Alguns salva-vidas de Maresias, celeiro de Gabriel Medina, confirmaram que às vezes precisam socorrer surfistas iniciantes, apesar dos avisos de perigo fixados na areia.

Dezenas de crianças treinam em Maresias com o sonho de repetir o feito de Gabriel Medina no Circuito Mundial (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Dezenas de crianças treinam em Maresias com o sonho de repetir o feito de Gabriel Medina no Circuito Mundial (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

“O surfe é um esporte radical, perigoso, praticado no mar. Há uma série de fatores de risco, a começar pela prancha, feita de material cortante. O pessoal vai precisar se reeducar nesse sentido. Quem quer incluir seus filhos na modalidade deve ter cuidado”, alerta o ex-surfista Wagner Pupo.

O Instituto Esporte Educação, liderado por Ana Moser, medalhista olímpica no vôlei, oferece aulas de surfe em Maresias. Wellington Bueno, professor de 70 crianças de seis a 18 anos, já encontrou alguns pais sonhadores pela praia em que Gabriel Medina foi revelado.

“Muitos atletas hoje vivem do surfe com uma renda legal, o que antes era difícil. Por isso, esses pais passaram a ver a modalidade como investimento mesmo. Com cinco ou seis anos, o menino já está sendo empurrado para a água. Às vezes, o garoto não quer, está frio, mas o pai obriga”, afirma.

Durante a visita da reportagem ao litoral norte de São Paulo, o Instituto Esporte Educação promoveu um campeonato entre seus alunos na praia de Maresias. O mar estava pequeno, o que permitiu a inclusão dos estudantes mais novos na disputa.

“A criança precisa querer praticar o esporte e ser acompanhada por um professor. O principal é que a iniciativa parta da criança”, diz Wellington, otimista para o futuro. “Ultimamente, todos estão vindo para as aulas bem mais motivados e alguns que tinham parado retornaram. Temos vários talentos da nova geração em Maresias”, aposta.



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