Canários belgas - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
Araçoiaba da Serra (SP)
07/05/2018 23:00:59
 

Você pode até ficar pistola, mas, goste ou não, a ave que simboliza a Seleção Brasileira de futebol tem forte ligação justamente com a Bélgica, adversária do time de Tite nas quartas de final da Copa do Mundo da Rússia.

“Muitos canários entraram no Brasil porque vinham nos porões de navios belgas. As pessoas diziam: ‘Os belgas chegaram!’. As histórias de alguns dos nossos criadores começaram assim”, explica Antonio Fernando Burani, presidente da Federação Ornitológica do Brasil, contestando o termo que se popularizou. “O tal do canário belga pegou como nome da ave. Mas, para nós, que mexemos com isso, são só canários.”

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Quem mexe com futebol no Brasil espera que os afamados representantes da atual geração belga também sejam só jogadores. O país que já importou um atacante do Brasil – o maranhense Oliveira virou “Oliverrá” e jogou a Copa do Mundo de 1998 – passou a adotar um estilo genuinamente canarinho. Liderado pelos meio-campistas De Bruyne e Hazard, alcançou a artilharia do Mundial duas décadas depois, com 12 gols, quatro deles de Lukaku – centroavante que fala português, come feijoada e é fã de Adriano.

“A Bélgica prima pelo futebol bonito”, respeitou o técnico Tite. Ele tem o amparo de quem entende bastante de canarinhos – belgas ou não – na tentativa de provar que as aves que lá gorjeiam não gorjeiam como cá, como pontuaria o poeta Gonçalves Dias, maranhense como Oliverrá. “O Brasil ainda tem o melhor futebol. Vai passar pela Bélgica e ser campeão”, sentenciou o criador Antonio Fernando Burani.

Vermelho-belga
Na semana do jogo entre Brasil e Bélgica, Burani recebeu a Gazeta Esportiva na fazenda São Bento, em Araçoiaba da Serra, onde cria cerca de 1.000 canários e outras aves. O canto dos animais é ouvido de longe, a ponto de competir com o ronco do motor do automóvel do presidente da Federação Ornitológica do Brasil, um empresário com longa trajetória no setor bancário.

Aos 67 anos, Burani mostrou esbanjar disposição e orgulho para falar sobre o hobby que marca a sua vida. Ele adotou um tom professoral logo que adentrou o canaril. Parou diante das suas gaiolas e avisou que reunia ali apenas algumas das mais de 530 cores de canários contabilizadas. “Esses primeiros, os amarelos, tradicionais, são os que ficaram conhecidos como canários belgas. São os nossos canarinhos. Olhe esse aqui, que lindo!”, sorriu.

Alguns canarinhos chamam a atenção pelo penteado exótico (fotos: divulgação/FOB e André Mourão/Mowa Press)

Havia também os vermelhos, cor da seleção belga, que não são assim naturalmente. Ao mesmo tempo em que a geração de De Bruyne e Hazard tenta se travestir de Brasil no Mundial, esses pássaros recebem uma alimentação diferenciada, com farinhada rica em cantaxantina, utilizada para reforçar o tom da sua plumagem.

Burani aproveitou para ensinar que nem só de cor são os canários. Também existem os de porte, com tamanhos variados, podendo ter plumagem frisada. “E veja esse outro!”, exclamou o especialista, apontando para uma fotografia publicada na revista da Federação Ornitológica do Brasil. “É um gloster. O topete que ele tem chega a cobrir o olho, né? É uma coisa meio Neymar”, comparou.

A espécie para a qual Burani chamou a atenção pode ter um alto valor comercial, segundo ele próprio, que já presenciou uma negociação de fazer inveja aos mais assertivos dirigentes de futebol. “Chegou um cara querendo comprar um gloster de um criador, que não queria vender de jeito nenhum. Ele ofereceu R$ 5 mil, e nada. Então, perguntou: ‘Quanto você quer? R$ 10 mil? Então, é meu’. O sujeito fez esse canário reproduzir e, no ano seguinte, ganhou todos os torneios possíveis”, contou.

A Copa do Mundo dos canários
Não são apenas as Séries B, C e D do Campeonato Brasileiro de futebol que ocorrem paralelamente à Copa do Mundo da Rússia. Neste mês, os principais criadores de pássaros do Brasil dividem as suas preocupações entre a Seleção canarinha e o 67º Campeonato Brasileiro de Ornitologia Amadora, que encaram como um verdadeiro Mundial.

Realizado na sede da Federação Ornitológica do Brasil, em um suntuoso prédio de mais de 15.000 m², com dois pavilhões, o torneio reúne milhares de aves de todo o País, a maioria delas canários. “Imagine a cantoria lá dentro. É uma loucura! Você não consegue falar ao celular nesses dias”, comentou Antonio Fernando Burani, com 36 canários separados para serem avaliados pelos mais de 100 juízes da competição – que não contam com o auxílio do VAR, como na Copa, mas de um laboratório, para identificar eventuais fraudes nas plumagens dos animais. “E eu sempre ganho alguma coisa”, gabou-se.

No domingo de 15 de julho, Burani espera que os competidores, mesmo inaudíveis ao telefone celular, sejam capazes de encobrir o canto dos passarinhos com gritos de “gol”. O campeonato não será interrompido no dia da final da Copa do Mundo – da qual o Brasil só participará se passar pela Bélgica e, depois, por França ou Uruguai –, mas terá o jogo transmitido em dois telões e em mais alguns televisores.

E, enquanto Neymar e os seus companheiros buscarão o bicho oferecido pela Confederação Brasileiro de Futebol, os filiados da Federação Ornitológica do Brasil aproveitarão o seu campeonato de animais para também obter algum dinheiro. A criação de canários demanda alto investimento – Burani, por exemplo, gasta R$ 1.500 por mês apenas para alimentar as suas aves –, uma pequena parte dele recuperada no evento. “Lá, é possível vender um canário por R$ 500, R$ 1.000. Varia muito. Um mais simples pode custar de R$ 50 a R$ 100”, especulou.

Pistolou
Quando se trata de canarinhos, tal qual no futebol, o Brasil pode ser considerado uma potência. Antonio Fernando Burani assegurou que preside “a maior federação do mundo” na sua área, capaz de causar inveja nos estrangeiros que a visitam. A principal fonte de renda da instituição provém da venda dos anéis que identificam cada ave federada, instalados nos canários até os nove dias de vida – só com esse objeto é possível pagar os R$ 16,00 de inscrição e fazer um pássaro disputar o Campeonato Brasileiro.

Ainda assim, há rivais do futebol em vantagem no tema. “Vamos produzir 800.000 anéis neste ano. Em 2015, a Bélgica produziu 6 milhões”, comparou Burani, colocando os canários como o grande foco de qualquer ornitólogo. “Eles são o carro-chefe no mundo todo. São mais fáceis de criar. Você pega um canário na mão, e ele não te faz nada. E esse bicho aqui… (indica um dos seus coloridos agapornis) Está vendo essa marquinha no meu dedo? Foi feita por um passarinho lá de casa. Eu me descuidei, e…”, lamentou.

É por isso que Burani não está entre os muitos fãs do Canarinho Pistola. Às vésperas da Copa do Mundo da Rússia, a CBF remodelou a sua mascote, que ganhou uma fisionomia carrancuda e tornou-se um case de sucesso no marketing. “Não tem nada a ver, certo?”, pistolou o especialista. “Porque o canário é um animal dócil, afetivo. Isso não tem sentido, lógica. Deturparam toda a história do canário”, continuou.

O que faz Burani relevar o Canarinho Pistola é a sua quantidade de admiradores. Um perfil dedicado ao personagem no Twitter, por exemplo, já atraiu quase 60.000 pessoas. “Pela defesa do canário, é algo válido, né? Quando se fala de Seleção, você pensa em um canário amarelo, de porte maior, arrumado. Isso é correto e tem que ser mais difundido, explorado. Devemos passar a ideia de que o canário é um animal doméstico brasileiro”, cobrou.

Voa, canarinho, voa
O fato de o presidente da Federação Ornitológica do Brasil encarar o que cria como “um animal doméstico brasileiro” serve como uma defesa contra as organizações que combatem a criação de aves em cativeiro. Na verdade, os canários têm origem nas Ilhas Canárias, como o nome sugere, não sendo belgas ou brasileiros. “Mas já viraram! Eles são como todos nós. Cada um de nós tem uma origem. Somos uma miscigenação de raças, assim como os canários. Hoje, os canários fazem parte das vidas das pessoas. São brasileiros!”, contrapôs Antonio Fernando Burani.

Seleção Brasileira, que enfrentará a Bélgica, sente-se pronta para bater asas e voar na Rússia (foto: André Mourão/Mowa Press)

O empresário não conseguiu transmitir geneticamente toda essa paixão pelas aves para os seus dois filhos. Um deles, no entanto, gosta de voar – é aviador – e já foi proprietário de uma franquia de uma locadora de automóveis de nome sugestivo, a Avis. Com a ajuda dele, Burani planejou a construção de uma pista de pouso e decolagem na mesma fazenda onde se encontra o seu viveiro.

Hoje, a sexagenária Federação Ornitológica do Brasil também está pronta para decolar. De preferência, embarcando no sucesso da Seleção canarinha, assim batizada pelo locutor Geraldo José de Almeida a partir da adoção do uniforme amarelo após o inesquecível fracasso do branco na Copa do Mundo de 1950.

“Voa, canarinho, voa! Mostra pra esse povo que és um rei!”, já cantava o ex-jogador Júnior, integrante de uma das mais talentosas gerações brasileiras – derrotada em 1982, mesmo destino que os ornitólogos do País desejam para os canários belgas de 2018.

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