Carnaval em junho - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva
São Paulo, SP
06/28/2018 08:00:48
 

Era o momento de ascensão. O Brasil já era apaixonado por futebol, mas acabou condecorado mesmo em junho de 1958. Já era também o país do carnaval, só que não era fevereiro. Mas ali, no início de julho, tudo era exceção. Os jogadores da Seleção voltavam da Suécia depois de um mês em solo europeu. Na mala, o clichê: havia muito mais que roupas e lembranças. Eles traziam para casa a Taça Jules Rimet, de campeões mundiais.

A festa era quase premeditada. A semifinal contra a França foi no dia de São João. Naturalmente, os fogos soariam Brasil a fora. Mas foi um bonito 5 a 2 sobre os franceses no Estádio de Rasunda, com gols de Didi, Vavá e três de Pelé, que transformou o premeditado em inevitável. Foi festa. Ela seguiu até o dia da final. “Os dez gols que o Brasil marcou nesses dois jogos esgotaram os estoques de fogos marca Caramuru nas lojas”, conta Max Gehringer, autor do livro “Almanaque dos Mundiais”.

Talvez tenha sido a intercessão de Nossa Senhora Aparecida, homenageada na cor do uniforme dos brasileiros na decisão. Talvez tenha sido São Pedro, o santo do dia da final, 29 de junho. Não dá para saber. Mas foi grandioso. Era decisão, na casa dos rivais. E o resultado não poderia ter sido melhor. A Seleção repetiu o placar que fez contra a França e faturou a taça. E foi carnaval em junho.

Fim de Campeonato: Brasil Campeão ! (Foto: Acervo/ Gazeta Press)

“Quando o sr. Maurice Guiguê assinalou o término do prelio Brasil e Suécia, com a espetacular vitória do time nacional, registrou-se um extraordinário bombardeio, com os cariocas festejando de modo incomum a grande conquista”, escreveu o jornal A Gazeta Esportiva, na ocasião.

A Gazeta Esportiva estampou a comemorações dos brasileiros (Foto: Acervo/Gazeta Press)

“Os jogadores passaram dois dias sendo homenageados, festejados, fotografados, paparicados e recebendo prêmios de empresas e lojas. Só conseguiram ir dormir 40 horas depois de ter embarcado na Suécia, e sem ter trocado de roupa nenhuma vez”, relata Gehringher.

Em São Paulo, torcedores comemoravam os gols da Seleção (Foto: Acervo/Gazeta Press)

De longe, a mais de 10 mil km de distância, os campeões sabiam que em solos brasileiros a farra estava boa. Antes de chegar às terras tupiniquins, entretanto, precisaram fazer escalas em Londres (na Inglaterra), Paris (na França) e Lisboa (em Portugal). “Primeiro, descemos na Inglaterra e já havia alguns torcedores ali. Na última, tinha uma festa incrível dos portugueses recebendo os brasileiros, que eram os campeões mundiais”, relembra Pepe, um dos donos do título.

A primeira parada em casa foi em Recife (PE). Depois do desembarque alvoroçado, a chegada foi marcada pela chuva e por um desfile pela cidade. As pessoas nas ruas, o sorriso no rosto. Tudo era frevo. “A nossa chegada foi uma grande festa. E o mais importante é que o Brasil ficou conhecido no mundo inteiro. Antes ninguém conhecia o Brasil”, relembra Pelé, em entrevista exclusiva.

“Não havia os recursos que existem hoje, então os jogadores até se surpreenderam com tanto oba oba na recepção. Onde íamos, era uma festa sensacional”, recorda Pepe. Para completar o carnaval, além da tomada das ruas e dos desfiles em carros abertos, era preciso uma marchinha. Reuniram-se então Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô e nasceu a tradicional “A Taça do Mundo é Nossa”, para embalar as comemorações.

A ascensão

Em 1950, o Brasil tinha sido derrotado, em sua própria casa, pelo Uruguai, na final da competição. Um Maracanã mais do que lotado assistiu silencioso ao gol de Edegardo Ghiggia. O feito foi difícil de engolir. “Foi um trauma. As pessoas saíram desacreditadas”, conta Daniela Alfonsi, diretora de Conteúdo do Museu do Futebol e co-curadora da exposição A Primeira Estrela. Pepe, que oito anos mais tarde vestiria a camisa da Seleção, na ocasião, tinha apenas 15 anos. “Lembro como se fosse hoje. Chorei muito, muita gente chorou. O Brasil passou por todo mundo mundo e, no final, perdeu. Foi um drama”, conta o Canhão da Vila.

Foi um trauma. As pessoas saíram desacreditadas

Na Copa do Mundo seguinte, o algoz brasileiro foi a Hungria. “O time não seguiu para as fases finais e criou-se uma história de que o Brasil tinha time bom, jogadores bons, futebol bonito, mas que não conseguiu ter forças suficientes para ir até a final”, destaca Alfonsi. Quatro anos mais tarde, finalmente, tinha chegado a vez de os brasileiros mostrarem sua malemolência. E quando o fizeram, sem perder nenhuma partida, recuperaram no povo o que precisava: a fé.

O Ufanismo

Chegada da Seleção no Brasil (Foto: Acervo/Gazeta Press)

O otimismo da sociedade brasileira em 1958 foi refletido no futebol – ou vice-versa. Depois de chegarem ao Rio de Janeiro, na noite do dia 2 de julho, os jogadores não tiveram descanso. Foram jantar com o então presidente Juscelino Kubitschek. Acontece que o jantar começou quase meia-noite. Ainda assim, o título coroava um momento de ufanismo. Naquele ano, parte do projeto 50 anos em cinco tinha sido concluída e a fachada do palácio da Alvorada, em Brasília, já se encontrava pronta.

“Naquela época, começa-se a valorizar o que é produção artística, cultural e intelectual brasileira de um outro jeito. Você tem uma fase de otimismo com relação a ser brasileiro. Isso é o espírito daquele momento”, destaca Daniela Alfonsi. A euforia conseguia, até, compensar os elevados índices de inflação e, assim, o clima de entusiasmo com a Seleção Brasileira começou ainda na preparação.

Essa foi a primeira vez que a Confederação Brasileira de Desportos, que antecedeu a CBF, contou com o apoio do Governo Federal, traduzido em verbas.

Dono do mundo

Depois das escalas, de encontrar os torcedores, políticos e jornalistas, chegou a hora de ir para casa. Pepe pegou suas malas e desceu a serra, rumo a São Vicente, no litoral paulista, para encontrar sua família e amigos no mesmo bar onde, meses antes, ficou sabendo da convocação para disputar a Copa do Mundo com a Seleção. “Eu me senti o dono do mundo. Eu era campeão mundial e todos tinham o Pepe como um bom jogador de futebol”, lembra. “Eu tinha 23 anos e era considerado um dos melhores do Brasil. Mas ser campeão do mundo tinha um gostinho diferente, melhor que tudo”.

Eu me senti o dono do mundo

Com o medalha, veio o reconhecimento. Foram dezenas, centenas, milhares de presentes. Roupas, comidas, utensílios domésticos. Todos queriam presentear os heróis da nação. “Mobiliamos a casa quase toda com os prêmios”, brinca Pepe. “A gente tinha um prêmio por jogo, mas não estávamos preocupados com bonificação. Ninguém ficaria rico com o prêmio. A gente só queria ganhar a Copa”, recorda Pepe. Além disso, os jogadores que foram à Copa passaram a ser mais bem remunerados”, lembra. “Onde o Santos ia jogar, falavam: ‘Zito, Pelé e Pepe vão jogar’. O povo queria nos conhecer, pedir autógrafo, fotografia”, recorda. “Nasceram novos e grandes ídolos. A partir daí, os clubes passaram a exigir cotas maiores quando tinham excursões”.

A torcida santista também fez bonito na chega de seus idolos na baixada (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Na Copa do Mundo, o Brasil marcou 16 gols, contra apenas quatro de seus rivais.

Áustria: 3 a 0
Inglaterra: 0 a 0
URSS: 2 a 0
País de Gales: 1 a 0
França: 5 a 2
Suécia: 5 a 2



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