Especialista em Direito Esportivo fala sobre nova Lei do Mandante: "Democratiza o acesso aos jogos" - Gazeta Esportiva
Especialista em Direito Esportivo fala sobre nova Lei do Mandante: "Democratiza o acesso aos jogos"

Especialista em Direito Esportivo fala sobre nova Lei do Mandante: "Democratiza o acesso aos jogos"

Gazeta Esportiva

Por Iúri Medeiros

16/07/2021 às 06:00

São Paulo, SP

A Câmara dos Deputados aprovou nesta última quarta-feira o projeto de lei 2336/2021, conhecido como Projeto da Lei do Mandante. A Gazeta Esportiva conversou com o advogado Fred Zürcher, especialista em Direito Esportivo, sobre o tema.

Antes de entender o que esse novo Projeto de Lei visa, é importante ter em vista como os direitos de transmissão dos jogos são divididos desde 1998 no país. "De acordo com a Lei Pelé, os direitos de arena (direitos de transmissão) são compartilhados entre a equipe mandante da partida e a visitante, de forma que pra poder ser permitida a transmissão na TV, os clubes mandantes e visitantes precisam de um acordo com a empresa que televisiona o jogo", disse Fred. "O mundo inteiro tem como lei que é o mandante que é o detentor desses direitos. O Brasil está adequando sua legislação ao que o mundo inteiro faz", completou.

"Esse projeto de lei é simples, ele diz que a partir de agora o direito de arena é somente do clube mandante e não mais do visitante. Quais as consequências práticas disso? A TV só vai poder negociar com o time mandante e isso em termos de legislação moderna é um passo enorme para o Brasil, porque além de adequar nossa legislação com o que é feito lá fora, a gente facilita em muito a disseminação do esporte como um todo, já que somos muito focados no futebol. Essa lei serve para outros esportes também, então o incentivo a outras modalidades vai ser uma coisa muito mais fácil."

No entanto, o advogado explicou que o novo Projeto de Lei, que ainda precisa ser aprovado no Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, não interfere nos atuais contratos entre clubes e as emissoras de televisão (especialmente a TV Globo).

O contrato dos clubes com a TV Globo vai até 2024. (Foto: Staff Images /CONMEBOL)


"O Bolsonaro editou em 2020 a MP 984 que previa basicamente as mesmas coisas que esse Projeto de Lei prevê, só que não previa essa hipótese de manutenção dos contratos já firmados, e dessa forma, criou-se uma insegurança jurídica enorme, tanto que o Flamengo fez umas transmissões na FLA TV e a Globo desistiu da transmissão do Campeonato Carioca... Dessa vez colocaram a cláusula que mantém os direitos para a Globo, o que é correto e perfeito do ponto de vista jurídico. Os contratos devem seguir", afirmou o advogado. O contrato em vigor entre clubes da Série A e Globo é válido até 2024.

A Lei do Mandante chegaria para dar mais alternativas aos clubes brasileiros, que passariam a ter maior independência em negociações que envolvem direitos de transmissões. "Esse projeto facilita a negociação entre TV e clubes, você amplia o leque de opções para os times. Antes, os clubes se viam de certa forma obrigados a fechar o mesmo contrato. Por muitos anos foi só com a Globo e há um tempo atrás a Turner entrou. Agora, dá para o clube fazer contratos até para jogos específicos, a forma de negociar vai mudar", garantiu Fred.

"Como você não precisa mais de um outro clube para negociar, acaba se tornando uma vantagem, especialmente para os cubes grandes. Eles passam a poder pedir uma fatia maior do bolo. Um exemplo é o caso do Flamengo e o Campeonato Carioca, na qual o clube bateu o pé e não cedeu o valor que a Globo propôs, os clubes vão poder fazer isso", completou.

Para o especialista em Direito Esportivo, além dos clubes passarem a ter maior autonomia, o torcedor passará a ter acesso aos jogos do seu time de forma mais democrática, resultando em uma maior visibilidade para as equipes. "Vai ser uma democratização em termos de acesso ao conteúdo dos clubes. Eles poderão, por exemplo, colocar no contrato que estarão vendendo os direitos para a Globo e transmitir os jogos no canal deles do Youtube. A democratização em termos de público vai ser enorme."

No entanto, uma consequência desse novo formato de direitos de transmissão no país seria uma desigual distribuição de renda entre os clubes grandes e os ditos médios/pequenos. "Só aconteceria (distribuição igualitária) em uma negociação coletiva, ou seja, se todos os clubes negociassem juntos. Os clubes teriam mais força, ganhariam mais... Isso pode acontecer? Pode, mas não vai. Os clubes grandes vão pensar neles e não no todo. Até tentaram incluir no Projeto de Lei um artigo que obrigava os clubes a negociarem de forma conjunta, mas ele foi vetado. Então os clubes vão negociar individualmente e é óbvio que o preço de um Flamengo, Corinthians, São Paulo é diferente de um Juventude. Nesse sentido, eles vão ter uma desvantagem. Há uma democratização do acesso aos jogos, ao conteúdo, mas também há uma elitização na distribuição do dinheiro. Os clubes maiores vão ganhar mais", alegou Fred.

Além da questão principal do Projeto de Lei, o advogado Fred Zürcher abordou outros dois tópicos relevantes que fizeram parte do plano que teve aprovação na Câmara dos Deputados. "No projeto original, apresentado na Câmara, os deputados previam que esse direito de arena pertenceria também aos árbitros e técnicos. Eles aparecem, suas imagens são utilizadas, entendo isso como correto. Mas essa parte foi vetada e apenas os jogadores ficarão com 5% dessa receita, que será entregue ao sindicato."

"Outra regra interessante é que as empresas que transmitem os eventos esportivos são proibidas de patrocinar uma equipe ou mesmo de vincular suas marcas no uniforme, nos painéis... Isso permanece proibido, uma empresa de TV não pode patrocinar o clube, até por uma questão de isonomia", garantiu o advogado.

Uma renda importante nos caixas dos clubes é a do Pay-per-view. Com a aprovação da Lei do Mandante, um questionamento feito pelo público foi como esse dinheiro seria impactado com o novo Projeto de Lei. "Não acho que os clubes saiam perdendo porque essa negociação direta vai facilitar muitas coisas. O Premiere vai adquirir os pacotes e muito provavelmente vai comprar os direitos de um Palmeiras e Corinthians. Agora, para a Globo, muita vezes um Cuiabá e Juventude não tem muito interesse. Eventualmente, a Globo pode focar no Flamengo, Corinthians, Palmeiras, Vasco, São Paulo e os clubes menores podem ser comprados por uma Rede TV, uma TV Aparecida... outros canais. O valor de um Cuiabá para Globo é X, para uma Rede Vida é 10x. Se esses canais passarem um Cuiabá e Flamengo vai ser maravilhoso para eles."

"A oferta de dinheiro da Globo para poder comprar os direitos de arena de um clube pequeno será menor em relação a uma Rede TV e nisso a gente começa a inserir o futebol em mais de um meio de comunicação, conseguimos tirar esse estereótipo de que o futebol é da Globo. Se a gente pensar que a Amazon, serviços de streaming, ESPN e DAZN estão começando a comprar cada vez mais eventos esportivos, a tendência é que o valor dessas ofertas só suba. Eventualmente, uma Amazon da vida fica com o Flamengo e a Globo tem que comprar o Cuiabá. Então, do ponto de vista geral, do futebol, o dinheiro que entra deve aumentar. O problema é a distribuição dessa renda, que deve entrar mais nos clubes grandes e não nos menores", disse o especialista em Direito Esportivo.

A Lei do Mandante ainda precisa passar pelo Senado e ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)


Outro tema abordado foi uma possível "espanholização" do futebol no Brasil, tendo em vista essa desigualdade da distribuição na renda dos direitos entre os clubes. Para Fred, é muito difícil que esse fenômeno ocorra no Brasil. "Não acredito em 'espanholização', porque quando a gente usa esse termo estamos falando de uma dualidade entre Real Madrid e Barcelona, ainda que o Atlético de Madrid vez ou outra apareça. Acho que isso não vai acontecer no Brasil, porque o Brasil tem um povo, que além de apaixonado por futebol, é regionalizado. A torcida do Flamengo vai ser enorme, mas a do Corinthians também será, assim como a do Palmeiras, do São Paulo... A gente pode viver uma 'espanholização' em termos de sempre dois times disputarem os títulos, como por exemplo recentemente tivemos com Flamengo e Palmeiras. Mas não vai acontecer de só esses clubes ganharem por 10 anos, o São Paulo quase ganhou ano passado, o Internacional também... Esse ano o Atlético-MG tem chances...".

"Para acontecer a 'espanholização', os clubes precisariam ser muito organizados e eles não são. Então você pega um Corinthians que é cheio de dívidas, um São Paulo que está na mesma situação...O Vasco... O cenário como um todo é de uma entrada maior de dinheiro nos clubes para eles passarem a ter uma capacidade de organização melhor. Os clubes que possuem organização vão saltar muito na frente, vão negociar melhor os valores. Tem mais 'players' no mercado para o clube ir atrás do dinheiro que ele acha que merece, há uma menor dependência em relação à Globo", afirmou Fred.

Por fim, o advogado entrou na questão de como a tabela dos jogos seria impactada no país, já que cada detentor dos direitos de transmissão define qual o horário que determinada partida será disputada. "Aí entramos no campo da especulação, já que a CBF ainda não decidiu exatamente como será. Mas quem compra o direito de transmissão de fato tem o direito de escolher se quer botar o jogo às 20 ou 21 horas. A tendência é que os direitos sejam comprados por no máximo quatro emissoras ou empresas de streaming, não deve ser mais do que isso até porque você tem que fazer um investimento, mobilizar uma equipe de esporte... As empresas vão fazer uma reunião com a CBF e nessa reunião vai ficar estabelecido o calendário. O campeonato não pode ficar zoneado e a organização ainda é da CBF. Ela deve chamar os representantes dos clubes e das emissoras e vai fazer um calendário para ajustar isso. Serão definidos as data e horários de forma conjunta", finalizou.

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