100% brasileño - Gazeta Esportiva
André Sender
São Paulo
07/18/2016 10:00:19
 

Responsável por uma das maiores glórias do basquete argentino, o ouro nas Olimpíadas de Atenas 2004, Rubén Magnano pode se considerar brasileiro. Ele assumiu a Seleção masculina em 2010, vive no Rio de Janeiro, alegrou-se com a Copa do Mundo de 2014 e encara como rotina enfrentar o próprio país na tentativa de retomar a força da tradicional equipe nacional, bicampeã mundial e três vezes medalhista em Jogos Olímpicos.

Magnano nasceu em Córdoba e chegou ao Brasil com a missão de recolocar o País nas Olimpíadas depois de 16 anos de jejum – o time não se classificava ao evento desde Atlanta 1996. A Seleção conseguiu a vaga para Londres 2012 jogando justamente na Argentina do treinador. Meses depois, caiu nas quartas de final dos Jogos da capital inglesa diante dos argentinos.

Ele é um dos integrantes mais importantes do programa de transferência de conhecimento do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que contratou 49 técnicos estrangeiros para tentar levar o país-sede ao top 10 do quadro de medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Este é o último capítulo da série Made for Brasil, em que a Gazeta Esportiva apresenta perfis de dez destes profissionais.

“Eu não sou um estrangeiro dirigindo a Seleção do Brasil. Sou um argentino dirigindo a Seleção do Brasil, o que não é pouca coisa”, diverte-se Magnano, que também já morou na Espanha e na Itália para trabalhar em clubes. “Sempre se brinca com isso, mas encontrei muito respeito aqui”.

Em seis anos ouvindo brincadeiras à frente da Seleção, o treinador foi aprendendo a enfrentar a Argentina. Os dois times se cruzaram nas principais competições internacionais desde que Magnano trocou de lado no confronto sul-americano. Em 7 de setembro de 2010, o Brasil foi eliminado pelo rival nas oitavas de final do Campeonato Mundial, perdendo por quatro pontos.

Dois anos depois, caiu nas quartas de final em sua campanha de retorno aos Jogos Olímpicos para o mesmo algoz. Em Londres, a derrota que tirou as chances de medalha da Seleção foi por cinco pontos. A independência do basquete brasileiro veio em 2014, novamente em 7 de setembro, com vitória da Seleção sobre a Argentina por 85 a 65, nas oitavas do Mundial de 2014.

O duelo se repetirá nas Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016, desta vez na primeira fase. Os times integram o Grupo B do torneio masculino de basquete e têm confronto marcado para 13 de agosto na Arena Carioca 1. À frente da Argentina, estará Sergio Hernandez, que teve sua primeira oportunidade no rival sul-americano em 2005, logo após a saída de Magnano.

“Nas primeiras vezes foi uma coisa muito estranha, muito estranha. Mas já amadureci essa situação. Continuo sendo argentino, só que quando a bola está no ar, no primeiro salto, viro 100% brasileiro”, garante.

Há sinais, porém, de que Magnano aos poucos vira brasileiro também fora das partidas. Os atletas veem um treinador mais simpático e compreensivo do que há seis anos, mas sem abandonar a disciplina. Os bons treinos rendem elogios. As dúvidas são tiradas em conversas particulares, sem a tensão das temporadas anteriores.

Seis anos de convivência melhoraram a relação de Magnano com os atletas (Foto:Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Seis anos de convivência melhoraram a relação de Magnano com os atletas (Foto:Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Além da vivência no País, contribui para tal o trabalho com a psicóloga Sâmia Hallage, que o argentino adicionou à comissão técnica e com quem conversa regularmente. A primeira experiência com a profissional foi nos Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015, em que o Brasil foi campeão e Magnano recebeu de presente dos atletas a medalha que seria de Raulzinho, dispensado do time para assinar com o Utah Jazz da NBA.

A atitude do elenco emocionou o treinador argentino, que repetiu a iniciativa para os Jogos no Rio. Melhorou sua relação com os atletas, que também se consultam com Sâmia às vésperas de um dos momentos de maior pressão de suas carreiras.

“Antes ele era um pouquinho mais difícil de lidar, mas hoje está muito legal. Até fiquei chocado”, ri Leandrinho, campeão da NBA com o Golden State Warriors em 2015. “A gente tinha receio de conversar com ele, está sendo ótimo trocar ideia e ver ele sorrir”, completa.

O técnico só não aprendeu a lidar com as decepções inerentes ao cargo no Brasil. Surpreende-se “a cada dia” com a forma como alguns jogadores tratam a própria Seleção. Acostumado a contar com todas as estrelas em seu período à frente da Argentina, reclama toda vez que um jogador nacional recusa uma convocação ou pede para não ser chamado.

Principalmente quando são atletas jovens, casos de Lucas Bebê, Bruno Caboclo e Cristiano Felício, que abdicaram da chance de disputar as Olimpíadas do Rio 2016 para participar da Liga de Verão da NBA – o torneio é utilizado pelos times da liga norte-americana para testar jogadores que, em sua maioria, ainda não se firmaram nos elencos.

Atletas deveriam olhar Seleção com mais carinho, defende técnico (Foto:Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Atletas deveriam olhar Seleção com mais carinho, defende técnico (Foto:Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

O comportamento causa estranheza a Magnano pela proximidade de atletas, técnicos e torcida com suas seleções na Argentina. Não apenas no futebol. O próprio treinador viveu uma experiência reveladora desta relação, no Pré-Olímpico de Mar del Plata de 2011.

Já como comandante do Brasil, foi saudado pelos torcedores presentes ao ginásio antes do jogo da Seleção com a República Dominicana. O plano do locutor do evento era anunciar o técnico e logo prosseguir à execução dos hinos nacionais, mas teve que esperar os gritos de “olê, olê, olê, Rubén, Rubén”, entoados pelos argentinos.

“Isso não tem preço, supera o valor da medalha olímpica porque a gratidão e o reconhecimento são as coisas que ficam. O outro é puro metal”, diz o técnico. A devoção dos argentinos a Magnano se explica por seu currículo.

O treinador criou a Geração Dourada, como ficou conhecida a seleção argentina do início dos anos 2000 e que tinha nomes como Manu Ginóbili, Fabricio Oberto, Luis Scola, Andrés Nocioni, Carlos Delfino, Walter Herrmann e Pablo Prigioni. O time foi vice-campeão mundial em 2002 e ganhou o ouro olímpico em Atenas 2004, com vitórias sobre os Estados Unidos nas duas ocasiões.

O título na Grécia veio em 28 de agosto, mesmo dia em que a seleção de futebol, com o então jovem Carlitos Tévez, subiu ao lugar mais alto do pódio do torneio olímpico. As duas medalhas quebraram um jejum de 52 anos da Argentina na história dos Jogos. O último ouro do país havia sido em Helsinque 1952, com os remadores Tranquilo Capozzo e Eduardo Guerrero. O time ainda serviu de base para o bronze em Pequim 2008 e o quarto lugar em Londres 2012, neste derrotando o Brasil de Magnano nas quartas de final.

Treinador criou a Geração Dourada da Argentina, campeã olímpica em Atenas 2004 (Foto: AFP)
Treinador criou a Geração Dourada da Argentina, campeã olímpica em Atenas 2004 (Foto: AFP)

Morar no País ajudou o técnico a estreitar sua relação com a seleção argentina. De futebol. Ele aproveitou a oportunidade de viver na sede da Copa do Mundo de 2014 e se juntou aos milhares de compatriotas que cruzaram a fronteira para apoiar o time de Lionel Messi na tentativa de quebrar o jejum que mais incomoda os argentinos.

Frustrou-se com a derrota na final para a Alemanha no Maracanã, onde em 5 de agosto desfilará com o Brasil na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Mas se alegrou pelo folclore criado pela festa dos argentinos que dormiram acampados em praias, no Sambódromo, e em carros para acompanhar sua seleção de futebol.

Magnano estará em casa nas Olimpíadas. Em 2015, trocou o apartamento no bairro do Jardins, em São Paulo, onde passou seus primeiros cinco anos como técnico da Seleção, pela Barra da Tijuca. Sofre com o trânsito, potencializado pelas obras olímpicas, mas gosta das paisagens naturais e da proximidade com o COB e a Confederação Brasileira de Basquete (CBB), entidades com sede no Rio de Janeiro.

Como consequência da mudança, passou a ser procurado por amigos e parentes interessados em acompanhar de perto os Jogos. O treinador chegou a se envolver com a busca por ingressos e hospedagem, mas repassou a responsabilidade à esposa e ao filho para se dedicar à criação de mais uma Geração Dourada.

No Rio de Janeiro, a Seleção buscará sua quarta medalha olímpica – foi bronze em Londres 1948, Roma 1960 e Tóquio 1964. As últimas duas foram conquistadas com um dos times mais famosos do basquete nacional, campeão mundial em 1959 e 1963. Na Itália e no Japão, jogadores como Wlamir Marques e Amaury Passos tiveram um argentino ao lado no pódio: Antonio Sucar, nascido em Lules e naturalizado brasileiro.

Desta vez, o naturalizado na Seleção é o norte-americano Larry Taylor, que obteve cidadania nacional a pedido de Magnano. E o argentino está no banco de reservas, comandando uma geração de brasileiros acostumada a importantes conquistas por seus clubes, mas não pela equipe nacional, e possivelmente em sua última oportunidade de alcançar a glória jogando pelo País. A média de idade do time convocado para o Rio 2016 é de 30 anos. E o contrato de Magnano se encerra junto aos Jogos.

Contrato do argentino com o Brasil acaba junto aos Jogos do Rio 2016 (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Contrato do argentino com o Brasil acaba junto aos Jogos do Rio 2016 (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Por isso, a Seleção traçou um período de 40 dias de preparação – foi a primeira das equipes classificadas às Olimpíadas a se apresentar – e muitos dos jogadores já trabalhavam sob orientações do preparador físico Diego Jeleilate antes mesmo da convocação. No início, eram mais intensamente e às 14h15 (de Brasília), mesmo horário de suas partidas na primeira fase.

O treinador argentino se reúne com os atletas antes e depois de cada atividade para conversas em que ressalta o “privilégio” de disputar os Jogos em casa, esperando que isso se reflita na postura em quadra. E que de alguma forme ajude a estreitar a relação com os torcedores, que se acostumaram a ver os jogadores nacionais pela TV atuando na NBA e na Liga Espanhola.

Dos 14 convocados para brigar por 12 vagas nas Olimpíadas, cinco jogam nos Estados Unidos – Marcelinho Huertas, Raulzinho, Leandrinho, Anderson Varejão e Nenê – e três no país ibérico que tem o segundo melhor campeonato do mundo – Vitor Benite, Augusto Lima e Vitor Faverani (cortado por lesão).

“Eles ficam muito tempo fora, passam por coisas importantes e esta convivência de todos os dias faz muito bem para eles. Pela história de vida, não só pelo basquete. É uma atmosfera muito interessante”, avalia Magnano.

Nas Olimpíadas do Rio, o Brasil está no Grupo B, em que tem como adversários Lituânia (vice-campeã europeia), Espanha (campeã europeia e prata em Londres 2012), Nigéria, Croácia e a Argentina. Os quatro primeiros colocados passam de fase, mas a Seleção almeja ficar entre as três melhores da chave, para evitar possível confronto com os Estados Unidos, favoritos no A, o que poderia abreviar o sonho de Magnano de conquistar mais uma medalha olímpica.

“As perspectivas são boas. Sabemos perfeitamente a qualidade dos rivais que vamos ter, mas eles também vão ter um rival difícil, que somos nós”.

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