Sem dó da Seleção - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
05/03/2019 04:00:29
 

5 de julho de 1982 marca uma das derrotas mais dolorosas da história do futebol brasileiro. A queda de um dos melhores times de todos os tempos é conhecida até hoje como a Tragédia do Sarriá, em alusão ao palco do confronto entre brasileiros e italianos, em Barcelona, pela segunda fase da Copa do Mundo espanhola.

O Brasil era representado por craques como Zico, Sócrates, Falcão e Júnior. Mas, três gols de Paolo Rossi despacharam uma seleção que colecionava admiradores e encantava o mundo jogando por música. As lágrimas de um pequeno torcedor nas arquibancadas imortalizaram um sentimento carregado por muitos até hoje, e servem de sustentação para Casagrande na hora de traçar um paralelo com o atual momento da Seleção Brasileira.

No nono episódio da entrevista exclusiva de Casão à Gazeta Esportiva sobram críticas e referências ao passado.

Casagrandre não se intimida pelas constantes críticas do pai de Neymar (Foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

“Quando a Zagallo falava ‘A amarelinha’, todo mundo tirava um sarro, e agora está precisando. Agora faz sentido. Não adianta forçar, pôr uma mão no coração no Hino ou chorar duvidosamente quando faz um gol ou é eliminado. Não adianta, não é por aí. Não são eles que têm de chorar para mostrar como foi verdadeiro. Você vai ter o termômetro disso igual em 82, aquela foto da Folha (na verdade, foi a capa do Jornal da Tarde na época), aquele garoto chorando”, afirma.

“Aquele garoto chorando é que mostra que lá dentro todo mundo estava jogando para c… e também estava se sentindo igual o garoto. Não adianta chorar no campo e todo mundo que está fora olhar e falar assim: ‘não correu nada, não jogou p… nenhuma, agora vem fingir que está emocionado?’”.

Capa do Jornal da Tarde sobre a eliminação do Brasil na Copa do Mundo de 1982 (Reprodução)

Casagrande era unha e carne com Sócrates, capitão do esquadrão que representou o Brasil na Copa da Espanha. E, em 86, foi convocado por Telê Santana para disputar o mundial no México.

O anseio por um desempenho que honre as tradições futebolísticas do país reflete as referências de alguém que já viveu a experiência dentro de campo e foi protagonista em uma época que sequer era necessário olhar para fora para desfrutar de partidas do mais alto nível.

“Se a gente conseguisse fazer uma Seleção Brasileira que jogasse metade do que a Seleção de 82 jogava, sensacional. Eu não vou falar assim: ‘Putz, em 2022 tem uma Copa do Mundo, nós temos de jogar igual 2014’. P…, em 2014 perdeu e foi um lixo. Em 82, perdeu e foi do c… Alguém reclamou em 82?”.

Hoje comentarista, Casão não esconde sua decepção depois de uma arrancada extraordinária do Brasil nas Eliminatórias para a Copa do Mundo da Rússia. A Era pós-Dunga, comandada por Tite, já é difícil de engolir para o ex-atacante.

“Fora as Eliminatórias para 2018, péssimo. Totalmente fora do conceito da escola que o futebol brasileiro tem”, crava.

“(A Seleção) estava em sexto lugar, estava correndo risco de não ir para a Copa, ia ser o maior desastre, maior vexame do mundo. Ia ser a primeira Seleção, o primeiro treinador a não levar a Seleção para a Copa. Aquilo ali mexeu com os caras. E foi um futebol espetacular”, lembra.

“Depois, essa empolgação acabou, esse risco acabou. O que mexeu com eles foi o risco. Depois disso, eles murcharam, emocionalmente”, avalia, sem tirar a responsabilidade dos atletas.

“O que aparenta é que eles vêm, põe a camisa da Seleção Brasileira e torce pelo final, porque o que eles querem é voltar para Paris, Londres… É isso que aparenta”.

Exposição, redes sociais, entretenimento eletrônico, contratos, empresários, vaidade. É sabido e repetidamente admitido que a capacidade dos técnicos hoje em dia precisa ser equivalente ou até superior ao conhecimento do esporte. E aí está um erro crasso de Tite, na visão de Casagrande.

“Falta pulso para o Tite, sim. O Tite, para mim, é refém dos jogadores”, aponta, antes de entrar no tema Neymar.

Tite deu a braçadeira de capitão a Neymar após o fracasso na Copa do Mundo de 2018 (Foto: AFP)

Longe de deter uma personalidade conservadora, muito pelo contrário, Casagrande entende que agora a rotina dos atletas impõe a necessidade de uma fiscalização, de algumas normativas. A tão criticada atitude de Neymar em colorir o cabelo antes de entrar em campo para o desafio de estreia na Copa do Mundo de 2018 talvez seja o maior exemplo.

“Eu nunca fui proibido de nada, mas nada disso existia. Hoje existe a proibição de algumas coisas porque é importante para que você mantenha o foco do jogador. Se você não colocar limites numa véspera de jogo, eles vão ficar com o celular o dia inteiro, conversando com pessoas que nem têm de conversar, falando de outros assuntos ou jogando video-game pra c… ou pintando o cabelo. Onde está o foco no jogo, cara? ‘Professor, estou pensando em pintar meu cabelo. Tá bom, você pode pintar até dois dias antes. Depois, você não vai pintar p… nenhum, porque você tem de pensar no jogo’”, exemplifica.

Neymar mudou o visual para estrear na Copa da Rússia e logo após desfez o penteado (Foto: AFP)

Nem mesmo o fato do pai de Neymar esbravejar publicamente contra as críticas disparadas por Casagrande na ocasião amedrontam o ex-atacante, que insiste no tom pesado, dessa vez em função da escolha do técnico por passar a braçadeira de capitão da Seleção ao camisa 10.

“Todo mundo estava criticando o Neymar por quê? Era bola ou comportamento? Então, cara, você não tem de dar faixa de capitão para um jogador que está sendo criticado por causa do comportamento. Se você é um grande jogador, como é o Neymar, e está jogando mal e a imprensa criticando e a torcida pegando no pé, dá a faixa de capitão para ele, para ele se sentir mais confiante”.

“Agora, está sendo criticado por causa de redes sociais, por causa que pintou o cabelo, por mil coisas fora de campo, firulas, por se jogar… Você está sendo criticado pelo comportamento. Não é a faixa de capitão que vai resolver. É psicólogo que vai resolver. Uma pessoa para dizer: ‘Olha, se você continuar desse jeito eu vou te tirar do time’. Se você não conseguir dar esse limite para o cara, não vai ter como”.

A expectativa agora é pela Copa América. De novo, a proximidade com o exigente torcedor brasileiro vai ser colocada na balança. Entre junho e julho, o Brasil terá a oportunidade de amenizar os últimos resultados. Resultados estes que nunca foram preponderantes para Casagrande.

“Eu não penso que é obrigação ganhar a Copa América. Mas, o que foi criado… É obrigação ganhar a Copa América. Porque você se colocou nessa situação. Você foi péssimo na Copa do Mundo, os jogadores foram muito mal na Copa do Mundo, já vem da outra Copa do Mundo mal, já foram duas Copas Américas seguidas em que o Brasil foi eliminado, vai para a Copa do Mundo e é um lixo… Cara, é óbvio que alguma coisa de bom você tem de demonstrar”.



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