“Experiente Uendel” vira tutor e espera títulos para ter imagem de corintiano - Gazeta Esportiva
Helder Júnior e Tomás Rosolino
São Paulo (SP)
06/24/2016 08:06:21
 

Uendel chegou mancando, com uma bolsa de gelo amarrada à coxa direita, para conversar com a Gazeta Esportiva. De acordo com o próprio lateral esquerdo, aquela era uma prova do seu esforço para aumentar a boa sequência de jogos pelo Corinthians em 2016.

Um dos poucos remanescentes do time titular da maior parte da campanha do último Campeonato Brasileiro, Uendel encara com serenidade a concorrência do promissor Guilherme Arana em sua posição. Jovem, aos 27 anos, ele até se sente confortável na função de tutor do novato. Apesar de ainda não ter escutado de nenhum locutor a expressão “o experiente Uendel” em uma transmissão de jogo do Corinthians. “Ainda bem, né?”, sorriu.

Uendel é, sim, experiente. Com passagens por Criciúma, Fluminense, Avaí, Grêmio, Flamengo e Ponte Preta, o lateral esquerdo se encontrou mesmo no clube do Parque São Jorge. Assumiu a titularidade a partir da transferência de Fábio Santos para o Cruz Azul, do México, prorrogou o seu contrato até o fim de 2018 na quinta-feira e passou até a vislumbrar o dia em que será tão identificado com o Corinthians quanto o companheiro Danilo. Nem mesmo a possibilidade de atuar no exterior seduz o atleta.

Para vincular definitivamente a sua imagem à do Corinthians, contudo, Uendel almeja ir além do Campeonato Brasileiro de 2015 e ser importante dentro de campo ao acrescentar novos títulos ao seu currículo. Se o amigo Guilherme Arana permitir.

Uendel se desdobra para não perder espaço no Corinthians (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Uendel se desdobra para não perder espaço no Corinthians (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você foi titular durante quase todo o último Campeonato Brasileiro, mas se lesionou na reta final e cedeu lugar ao Guilherme Arana em alguns jogos importantes. No futuro, quem será escalado como lateral esquerdo daquele Corinthians campeão?
Uendel: É difícil falar. Cada torcedor vai colocar um de nós, até porque foi um título que ganhamos com a força do grupo. Eu joguei, ele jogou…

Gazeta Esportiva: O Arana nos disse que se escalaria (risos).
Uendel: Não sei… Na minha família, vão me escalar (risos). Mas, como eu estava falando, todos foram importantes. Tirando o Renato Augusto, o Jadson e até o Love –um cara que estourou no final da campanha, mesmo demorando a se firmar –, que se sobressaíram um pouco, todos tivemos quase a mesma parcela de contribuição para o título do Corinthians. O que vale é que a gente foi campeão.

Gazeta Esportiva: Como é a sua relação com o Guilherme Arana?
Uendel: Muito boa, bacana. O Arana já treinava com a gente desde a época em que o Fábio Santos estava aqui. O Fábio era um cara que conversava bastante conosco, que a gente via como jogava. Depois que ele saiu, a minha relação de amizade com o Arana prosseguiu nessa mesma linha.

Gazeta Esportiva: Mas essa relação se resume ao ambiente profissional?
Uendel: Conheço a mãe do Arana, que está sempre nos jogos. Ele também conhece a minha esposa, o meu pai, então temos uma relação muito boa. As nossas conversas costumam ser mais sobre situações de jogo. Sei que nunca jogaremos juntos, né (risos)? Mas sempre procuro passar um pouco da minha experiência para ele, que também tem liberdade para comentar sobre um lance ou outro. Falamos ainda sobre outros jogadores, jogos.

Gazeta Esportiva: Já era assim nos primeiros dias do Arana como jogador profissional?
Uendel: Lembro que ele subiu junto com o Malcom, logo após a Copa São Paulo. Naquela época, a gente já via que os dois tinham muita qualidade. Subiram outros jogadores depois, mas não dava para perceber esse mesmo foco do Arana e do Malcom. Entre nós, era possível prever que eles tinham mais futuro.

Gazeta Esportiva: Essa impressão acabou se confirmando. Foram eles dois que conquistaram espaço na campanha do Brasileiro de 2015.
Uendel: O Matheus Pirulão também tinha esse estilo, mas já está saindo do Corinthians (vai para a Juventus, da Itália). Assim, ele, o Malcom e o Arana não estavam com essa marra de quem acaba de subir da base, sabe? Até por serem muitos novos. O Arana tem o quê? Dezenove anos? Então, ele não era aquele cara com relativa experiência, que arrebentou na base e chegou cheio de moral. Para ele e para os outros, sair do time de juniores era algo novo. E o potencial foi comprovado mesmo. O Arana precisou ser utilizado na reta final do ano passado, quando me machuquei, participando de jogos difíceis, cascudos. Enfrentou o Atlético-MG lá, no Independência. Mostrou a sua qualidade, mesmo sendo muito jovem. Se vocês olharem para mim com 19 anos, eu estava saindo do Criciúma para tentar algo no Fluminense. Ele, não. Já construiu algo.

Lateral esquerdo chegou ao Corinthians em janeiro de 2014 ao lado de Wanderson, que nem sequer jogou (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Lateral esquerdo chegou ao Corinthians em janeiro de 2014 ao lado de Wanderson, que nem sequer jogou (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Você ainda é jovem, tem 27 anos. Ao mesmo tempo, é um dos mais experientes da equipe do Corinthians.
Uendel: Não parece que existe toda essa diferença de idade em relação ao Arana, né? Até pela maturidade dele. Também não me vejo como um cara tão experiente assim. Ainda não ouvi nenhum narrador falando “o experiente Uendel”, sabe? Ainda bem, né (risos)? Eu me sinto muito novo ainda. Nesses dois anos e meio de Corinthians, aprendi muitas coisas, mais do que no restante de toda a minha carreira. Até brinco que a melhor escola de zagueiros está no Corinthians. O trabalho defensivo que fazemos aqui é impressionante. Já era assim desde a primeira passagem do Tite.

Gazeta Esportiva: Curiosamente, quando você chegou ao Corinthians, as principais cobranças que enfrentava eram em relação ao seu poder de marcação. Essas críticas diminuíram bastante.
Uendel: É verdade. Fui muito criticado por isso. Até porque eu jogava na Ponte Preta, uma equipe que priorizava os contra-ataques e estava sempre mais protegida, normalmente com três volantes. Lá, eu tinha uma liberdade maior para avançar. Aqui, você está quase sempre exposto, jogando em uma linha de quatro defensores. Tudo sobra para a defesa. Só que a gente vai aprendendo e consegue crescer a todo momento. É também por essa postura que ainda me considero muito novo.

Gazeta Esportiva: Com a sua idade, consegue conversar sobre qualquer assunto com o Arana, por exemplo?
Uendel: Converso normalmente com o Arana. Não tem essa: “Ah, o Arana só fala com alguns”. Nada disso. Ele tem mania de brincar, gosta de pegar no pé dos caras. Ele tinha o grande parceiro dele, que era o Malcom, né? Está mais sozinho agora (risos).

Gazeta Esportiva: Ele respeita “o experiente Uendel” nessas brincadeiras?
Uendel: Respeita, respeita. Comigo, ele não brinca muito, não. A gente prefere se juntar para zoar os outros. Pegamos no pé do Fagner, que não deixa por menos. Quando o Arana chegou, era mais retraído, mas acabou se soltando logo. Com dois meses, já estava falando com todo o mundo. Até porque ele subiu junto com o Malcom. Eles se ajudavam nesse sentido. Não estavam sozinhos. Em pouco tempo, já estávamos tratando os dois como caras do time profissional, e não da base. Eles deram esse passo com muita facilidade. Foram abençoados. Alguns jogadores sobem, voltam e ficam em uma espécie de buraco negro entre a base e a equipe de cima, sem jogar. Eles, não. Tiveram uma chance e agarraram.

Gazeta Esportiva: Qual foi a brincadeira mais marcante envolvendo o Arana ou o Malcom?
Uendel: Olha, eles enchiam muito o saco da galera no ano passado. Tinha muita gente querendo pegá-los, viu? O pessoal iria amarrá-los nas traves. Ainda bem que o Gil, que é muito amigo deles, segurou a onda.

Gazeta Esportiva: Só isso?
Uendel: Ah… É complicado. Muitas coisas são mais internas nossas, impublicáveis. Não posso expor aqui (risos).

Antes criticado defensivamente, Uendel evoluiu sob o comando de Tite (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
Antes criticado defensivamente, Uendel evoluiu sob o comando de Tite (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Mesmo com essas coisas impublicáveis, a amizade ainda não transcendeu o Corinthians?
Uendel: Ainda é dos jogos mesmo. A gente tem o mesmo empresário (Fernando Garcia, que vendeu Malcom para o Bordeaux, da França, e irritou o técnico Tite), o que facilita. Quando acabam os jogos, estamos juntos, no mesmo bolo. A mãe do Arana é uma ótima pessoa, com uma luz incrível, muito esclarecida. Isso até deve ajudá-lo fora de campo. São pessoas do bem. Quando você planta o bem, colhe o bem.

Gazeta Esportiva: A mãe do Arana já pediu para você dar uma brecha para o filho dela jogar?
Uendel: Não, não (risos). Ela brinca um pouco, mas é o que sempre falo: o campeonato é muito longo, e não sabemos o que acontecerá. Estou dando esta entrevista agora com uma bolsa de gelo na perna porque não sei quando a musculatura acusará.

Gazeta Esportiva: Deve estar gostoso, hein?
Uendel: Muito, né? (O lateral esquerdo tira a bolsa de gelo da coxa direita e a entrega para um assessor de imprensa do Corinthians.) Então, no ano passado mesmo, eu fiquei parado muito tempo. Foram dois meses de muitos jogos – quarta e domingo, quarta e domingo –, e tive três lesões seguidas. É por isso que a gente nunca sabe quando precisará de um determinado jogador. É exatamente o que falo para o Arana. Em 2011, o Fábio (Santos) saiu em uma quinta-feira, eu tive que jogar no domingo, e o Arana voltou do Atlético-PR. É tudo muito rápido. Devemos estar preparados. Futebol é difícil. Ninguém tem lugar cativo. Quando você está jogando, não adianta pensar que ficará ali para sempre. Quando está fora, tem que saber aproveitar as suas oportunidades.

Gazeta Esportiva: Nesse período em que você cedeu espaço para o Arana, teve medo de perder a titularidade definitivamente?
Uendel: Ah, medo, não. Falei para o Tite que a única coisa que queria era estar disponível, treinar no campo. Quando voltei, o Arana estava voando. Então, se optassem por mim, seria uma consequência. O problema era estar fora dos treinos, dos jogos. Foi um momento ruim, em que senti uma angústia muito grande. Por exemplo, não estava em Belo Horizonte na vitória por 3 a 0 em cima do Atlético-MG. Deve ter sido uma festa enorme lá. E nem viajar, eu viajei.

Fagner e Uendel são dois dos poucos remanescentes da equipe campeã brasileira em 2015 (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)
Fagner e Uendel são dois dos poucos remanescentes da equipe campeã brasileira em 2015 (foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians)

Gazeta Esportiva: Como foi a sua festa particular por aquela vitória que aproximou o Corinthians do título?
Uendel: Pô, assisti ao jogo com o Fagner, que também estava machucado. A gente até brinca que se concentra junto, no mesmo quarto, e mantém a parceria até na hora de se machucar. Aí, vimos tudo juntos e comemoramos.

Gazeta Esportiva: E não foi em qualquer jogo em que você retornou ao Corinthians.
Uendel: É, eu estava no 6 a 1 em cima do São Paulo! Aquele foi um jogo que ficará marcado na história do clube. Foi sensacional.

Gazeta Esportiva: Você já parou para pensar que, daquele time titular do Corinthians campeão brasileiro, é um dos poucos que ainda estão no clube? Sobraram o Cássio, que chegou a ir para a reserva há pouco tempo, o Fagner e você.
Uendel: É engraçado. Em um jogo do Campeonato Paulista, quando estávamos entrando em campo, comecei a olhar para o time e falei: “Caramba, sou o mais velho!”. E com 27 anos. Sei que isso é normal, até porque quem chega logo pega o conceito do time do Corinthians. Mas, realmente, sobramos eu, o Fagner…

Gazeta Esportiva: Vocês conversam sobre isso?
Uendel: Não cheguei a tocar no assunto com o Fagner, mas a gente sabe que é algo que acontece. Não é legal, mas é inevitável. Brinco com o pessoal que, para ficar seis, sete anos no Corinthians, você precisa ser regular. Porque, se for muito bom, o craque do time, algum clube da Europa virá te buscar. E, se não mostrar resultado, acabará sendo emprestado, perdendo espaço. Então, é preciso ser regular e, claro, ganhar títulos.

Gazeta Esportiva: Você também alimenta esse desejo de jogar na Europa?
Uendel: Hum… Assim, tenho uma vontade pessoal de morar lá fora, de conhecer novas culturas. Mas, esportivamente, não vejo algo melhor no Brasil do que o Corinthians. Lá fora, se for para jogar assim, na…

Gazeta Esportiva: Na China?
Uendel: Ah, a gente sabe que algumas propostas da China são irrecusáveis financeiramente, mas sou consciente de que dificilmente acontecerá para um lateral esquerdo. Existe o limite de estrangeiros e tudo mais. Então, eu sairia para um time pequeno da França? Da Itália? Só se fosse algo muito, muito, muito bom. Porque já estou em um lugar muito bom. Não estou fechando as portas também. Se eu sair amanhã, vocês vão falar: “Mas o Uendel não disse que não sairia?”. Preciso tomar cuidado. Só que estou contente no Corinthians, com mais um ano e meio de contrato pela frente (o lateral prorrogou o vínculo até o fim de 2018 na quinta-feira). Se chegasse uma proposta para me aposentar aqui, aceitaria na hora.

Uendel já aprendeu qual é o perfil de um ídolo do Corinthians (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)
Uendel já aprendeu qual é o perfil de um ídolo do Corinthians (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você comentou que a longevidade no Corinthians está ligada à regularidade. Permanecendo mais alguns anos, a sua imagem inevitavelmente acabará vinculada à do clube mesmo após a aposentadoria.
Uendel: Sei que preciso ganhar títulos para isso acontecer. Vejam o Danilo, por exemplo. Ficou aqui esse tempo todo, mas ganhando sempre, e criou um vínculo eterno com o Corinthians. Não adianta eu achar que vou conseguir o mesmo sem títulos. É isso o que sustenta um jogador, o que o torna uma referência, um ídolo.

Gazeta Esportiva: Pensa nisso? Em ser lembrado como o “Uendel do Corinthians”?
Uendel: Ainda tenho muito a conquistar pelo clube. Devo manter um nível bom nos próximos anos, continuar jogando e ser um cara ganhador, como foram o Marcelinho Carioca, o Danilo e tantos outros.

Gazeta Esportiva: É bom abrir o olho com o Arana, então, hein?
Uendel: (Risos.)



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