Igualdade no futebol: sonho ainda distante - Gazeta Esportiva
Marina Bufon
São Paulo, SP
03/07/2018 10:00:14
 

2018 é um grande ano para os amantes de futebol. Além da Copa do Mundo, com início em 14 de junho, um pouco antes acontecerá a Copa América feminina, no Chile. A menos de um mês da competição, as atletas estão desde início de janeiro na Granja Comary, em Teresópolis, sendo acompanhadas por profissionais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

A Seleção Brasileira tentará manter a soberania: em sete edições do torneio sul-americano, a amarelinha foi campeã seis vezes, a última delas em 2014. Neste ano, a Copa acontece entre os dias 4 e 22 de abril e, além da taça, quem vencer será a primeira modalidade a ter o passaporte carimbado diretamente para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020. No entanto, além do título, o grande sonho das meninas brasileiras na semana do Dia da Mulher é receber o reconhecimento dentro da modalidade.

O nosso maior inimigo é a proposta do investimento com retorno imediato

“Um dos meus maiores sonhos é que o Brasil se torne o país onde o futebol seja considerado esporte de homem e mulher, como já acontece em algumas culturas, principalmente a americana. O nosso maior inimigo é a proposta do investimento com retorno imediato”, afirmou a goleira Aline Reis, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

 

A polêmica

A Seleção Brasileira de futebol feminino viu a primeira técnica mulher de sua história, Emily Lima, ser demitida após apenas 13 partidas, em outubro de 2017, culminando em uma crise sem precedentes.

No cenário de instabilidade da profissão de técnico no país, não seria de se estranhar este posicionamento, mas o afastamento de Emily causou desconforto por parte das atletas, que acusaram o episódio como machismo e indicaram, ainda, falta de estrutura e divulgação, além de boicote. Cristiane, Maurine, Andreia Rosa, Rosana e Fran anunciaram o fim de sua carreira na Seleção após o anúncio.

 

Granja Comary e futebol feminino

Aline Reis, de 29 anos, nasceu em Aguaí, no interior de São Paulo e viu em clubes como Guarani e Ferroviária suas chances de conseguir chegar à Seleção. Além de ter sido jogadora, treinou goleiras na Liga Universitária dos Estados Unidos. Depois, voltou para o Brasil, conquistou sua convocação em 2016, participou das Olimpíadas e, em 2017, vestiu a camisa do ETO FC, da Hungria.

Em janeiro deste ano, se apresentou a Vadão e vem lutando para estar em alto rendimento junto à equipe. Os treinamentos da Seleção Brasileira, assim como a masculina, acontecem na Granja Comary, complexo localizado em Teresópolis (RJ), com 150 mil m² e infraestrutura adequada para receber os atletas.

“A Granja Comary é um centro de treinamento que oferece do bom e do melhor para os atletas. Aqui temos todo o apoio e estrutura para que possamos realizar nosso trabalho de maneira eficaz”, relatou. “As instalações são muito confortáveis, a alimentação é saudável e regrada, os campos de excelente qualidade, assim também como o vestiário, academia, fisioterapia etc. Eu gosto muito de estar aqui, pois muitas vezes os clubes do futebol feminino não oferecem esse tipo de estrutura”.

Sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no esporte, a arqueira se mostra bastante engajada. “Vivemos em um país onde por quase 40 anos a prática do futebol por mulheres era proibida. Ou seja, hoje, o futebol feminino foi proibido por mais tempo do que foi praticado”, disse. “A primeira Copa do Mundo masculina aconteceu em 1930, enquanto a primeira Copa feminina foi em 1991, mais de 60 anos depois. Faz sentido esperar a mesma popularidade do futebol feminino e do masculino? A nossa cultura não está totalmente acostumada com isso”, desabafou.

O futebol foi um dos esportes proibidos no país durante a era Vargas e que se estendeu até a ditadura. A modalidade só foi liberada para a prática das mulheres em 1979 e Aline Reis enxerga aí um dos grandes motivos para a falta de incentivo, apoio financeiro e divulgação do futebol feminino.

Ainda escuto que ‘futebol não é coisa de mulher’

“A falta de investimento na modalidade gera muitas dificuldades e acaba culminando na rara profissionalização das atletas, infrequente estrutura das categorias de base dos times, salários baixos, enfim. Todas essas barreiras começariam a ser solucionadas se os meios de comunicação dessem mais importância e as marcas decidissem nos apoiar”, desabafou a arqueira. “Por que isso não acontece? Em parte porque não há interesse das pessoas, confesso, mas por que não apoiamos, não acompanhamos e temos pouco interesse na modalidade? Sei que existe um fator cultural que pesa bastante, afinal, ainda escuto que ‘futebol não é coisa pra mulher’”, finalizou.

Treinos e alimentação

Aline Reis, além de ter comentado sobre a estrutura do complexo, explicou o cotidiano de treinamentos. Num primeiro momento, que durou de 11 de janeiro a 9 de fevereiro, o foco foi condicionamento físico. No dia 16 de janeiro, as jogadoras se reapresentaram e o treino passou para um segundo nível.

“Temos um excelente treino específico para goleiras. Além disso, as atividades em grupo são muito intensas, com trabalho de força e condicionamento com preparador físico. Também possuímos acesso aos recursos de recuperação com médico e fisioterapeutas presentes durante toda a convocação”, revelou a goleira. “Para completar, temos inúmeros benefícios com os trabalhos do analista de desempenho e fisiologista”.

Temos uma equipe inteira preparada para nossa evolução

Todo esse preparo é acompanhado de uma alimentação regrada e balanceada, oferecida pela Confederação. “Um dia típico aqui se resume ao café da manhã até às 8 horas, sessão de treino às 9, almoço ao meio-dia e um intervalo. Às 16 horas retornamos ao treino, às 19 jantamos e antes de dormir, por volta das 22, o lanche da noite”. Aline ainda elogiou muito o plantel de profissionais… Da cozinha!

“Os chefs de cozinha da Granja mandam muito bem! As refeições são deliciosas e de muita qualidade. Quando tem vitamina de abacate à noite é um sucesso e às vezes cai um pote de Nutella do céu”, ri a goleira, que ainda disse que, quando sobra um tempo na rotina, gosta de passear no centro de Teresópolis ou jogar Teqball, mistura de tênis de mesa com futebol. “É o momento mais esperado do dia e quando percebemos as mais competitivas do grupo!”, completou.

Copa América 2018

Para a competição em 2018, com início em abril, o técnico Vadão convocou atletas renomadas, como a camisa 10 Marta, e algumas novatas, como Aline Milene e Daiane Limeira. No último dia 24 de fevereiro, anunciou a volta da então aposentada Formiga, atleta que mais jogou com a camisa amarelinha, e Cristiane cunhou seu retorno à Seleção após ter pendurado as chuteiras no episódio da demissão de Emily Lima.

Confira a lista completa de convocadas para a competição:

Goleiras

Bárbara – Kindermann
Aline – CBF
Letícia Izidoro – Corinthians/Audax
Tainá – Corinthians/Audax

Laterais

Fabiana – Barcelona (Espanha)
Letícia Santos – Sportclub Sand (Alemanha)
Tamires – Fortuna Hjorring (Dinamarca)
Joyce – Valência CFF (Espanha)
Daiane Rodrigues – CBF
Poliana – Orlando Pride (EUA)
Rilany – CBF

Zagueiras

Érika – PSG (França)
Mônica – Orlando Pride (EUA)
Rafaelle – Changchun FC (China)
Daiane Limeira – Avaldsnes Idrettslag (Noruega)
Bruna Benites – Meizhou Huijun FC (China)

Meio-campo

Formiga – PSG (França)
Gabi Zanotti – Corinthians
Andressa – Portland (EUA)
Thaisa – Sky Blue FC (EUA)

Atacantes

Raquel – Ferroviária
Adriana – Corinthians
Millene – Corinthians
Aline Milene – Baylor University (EUA)
Bia – Incheon Hyundai Steel Red Angels (Coreia do Sul)
Thaisinha – Incheon Hyundai Steel Red Angels (Coreia do Sul)
Debinha – North Carolina Courage (EUA)
Marta – Orlando Pride (EUA)
Jennifer – Notre Dame University (EUA)
Cristiane – Changchun Yatai (China)

Saiba mais

O time principal de futebol feminino brasileiro participou de todas as edições da Copa do Mundo e do Torneio de Futebol dos Jogos Olímpicos e é considerado o melhor da América do Sul. Atualmente, está na oitava posição no ranking da FIFA e possui diversos títulos desde o início das competições oficiais. Confira abaixo os principais deles.

– Jogos Pan Americanos: Santo Domingo (2003), Rio (2007) e Toronto (2015)

– Universíada de Verão: Pequim (2001) e Esmirna (2005)

– Jogos Mundiais Militares: Rio (2011) e Mungyeong (2015)

– Copa América: 1991, 1995, 1998, 2003, 2010 e 2014

Para alcançar todos esses resultados importantes, a equipe contou com inúmeras atletas de renome, como Formiga, a jogadora que mais atuou pela Seleção, com 151 partidas; Cristiane, Rosana, Fabiana, Maurine e, claro, a camisa 10 Marta, finalista doze vezes do prêmio de Melhor do Mundo da FIFA, saindo vencedora em cinco e vice em outras cinco.