Cesta de três na vida - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva
São Paulo, SP
03/09/2018 09:00:44
 

No dia 5 de agosto de 1996, o jornal A Gazeta Esportiva estampava em letras garrafais: “Essa prata vale ouro”. O pódio, conquistado no dia anterior, não era um qualquer: era um segundo lugar do basquete feminino, conquistado nos Jogos Olímpicos de Atlanta — a primeira medalha coletiva recebida por mulheres brasileiras na competição — e ainda a despedida da estrela Hortência da Seleção. Fechando o placar em 111 a 87, os Estados Unidos dominaram as brasileiras com forte marcação. Para Janeth Arcain, então número 24 do grupo, foi o maior feito de sua carreira. “Chorei, não sabia se era de tristeza ou se era de alegria”.

Na Seleção, Janeth ostenta títulos. Entre outros, ela também tem no currículo os Jogos Pan-Americanos de Havana (Cuba), em 1991, a inesquecível medalha de ouro do Campeonato Mundial de 1994 e um bronze, nos Jogos da Austrália, em 2000. “Realmente tem bastante conquista”, comenta ex-jogadora, em meio a risos. “Mas Atlanta foi especial, subir no pódio olímpico pela primeira vez é o mais relevante da minha carreira”.

Essa conquista fez com que tivéssemos todo esse reconhecimento e ficamos na memória das pessoas

Então com 27 anos, a ala/pivô dividia quadra com grandes nomes da história da modalidade. A equipe unida e entrosada, além de bons resultados, para Janeth, colocou o basquete em outro patamar. “É uma geração muito vencedora, que conquistou bastante coisa. Desempenhamos nosso melhor basquetebol e de maneira conjunta”, lembra. Entre os maiores feitos, entretanto, não estão apenas as medalhas e os troféus: destaca-se também o respeito.

“Essa conquista fez com que tivéssemos todo esse reconhecimento e ficamos na memória das pessoas que nos viram ganhar a prata”, destaca a ex-jogadora na semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. “No começo, o basquete era visto como um esporte para homens. Essa geração conseguiu melhorar muito esse paradigma e mostrar para as pessoas que o esporte é esporte, independentemente do seu gênero”, ressalta.

Vivendo o sonho americano

Depois do pódio, Janeth deu saltos ainda mais altos. O bom desempenho em quadra lhe rendeu o convite para ser a primeira brasileira a defender uma equipe na Liga norte-americana de basquete (WNBA). Além do pessoal, a jogadora destaca o amadurecimento obtido nas quadras do Houston Comets, onde foi obrigada a sair da sua zona de conforto e se descobrir em posições nunca antes exploradas por ela. “Lá vi o quanto cresci como atleta. O basquete é um eterno aprendizado, sem limites e vencer é muito bom”, destaca a então armadora, sobre o período em que foi tetracampeã com a equipe texana e ainda se sagrou jogadora que mais evoluiu na Liga. “Foi mais que uma superação. Estar lá entre as melhores jogadoras, para mim, foi a realização de um sonho”.

Janeth aposentou em 2007 (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Com rotina de treinamentos parecida com a que fazia no Brasil, Janeth não sentiu diferença no basquete norte-americano. Para ela, entretanto, a vontade e a determinação mostradas em quadra são superiores na terra de Michael Jordan. “Esse profissionalismo, determinação de querer ser o melhor, isso sim é diferente. Claro que se você não estiver sempre no alto nível, vai ter outro atleta chegando e querendo tomar essa sua posição”, conta. “O atleta americano entra em quadra para jogar e decidir”.

Com as conquistas, Janeth não foi poupada das homenagens e, em 2015, voltou a ver seu nome ao lado de Magic Paula e Hortência, dessa vez, no Hall da Fama. Na ocasião, lembra, um filme de seus 24 anos de basquete passou pela cabeça. “Quando paramos de jogar, sobra o reconhecimento e esse para mim é o maior ganho”.

Mão Santa do feminino

Atual terceira maior pontuadora pela Seleção com 2.247 pontos em 138 jogos oficiais, Janeth liderou a lista quando o assunto eram Jogos Olímpicos, entre 2004 e 2012, somando 532 pontos. “A cada recorde, eu queria me superar mais e isso me motivava”, destaca a ex-atleta.

Sempre coloquei a equipe em primeiro lugar, então, para mim, quanto mais eu treinasse, estaria muito mais preparada

Apesar do dom para a modalidade, descoberto aos 14 anos por sua professora de educação física em Carapicuíba (SP), ela não deixava de praticar todos os dias. “Era treino, treino e treino”, rememora. “Sempre coloquei a equipe em primeiro lugar, então, para mim, quanto mais eu treinasse, estaria muito mais preparada para situações de decisão”, afirma a ex-atleta, que fazia, pelo menos, 300 arremessos diariamente.

“Por treinar bastante, sempre me cobrei muito. Quando a gente tá preparada e as situações acontecem, as coisas acabam sendo naturais”, relembra. “Para mim, toda essa adversidade acabou sendo natural porque estava preparada para isso”.

Hora de parar

Onze anos depois de sair das quadras, apenas como jogadora, Janeth não esconde o saudosismo, ainda sentido por sua mente. “A cabeça continua, até hoje, se imaginando em algum lance, fazendo alguma bola que fazia e treinava. Continua na mesma velocidade de quando eu tinha meus 23 anos”, brinca a brasileira, hoje aos 48, que se preparava para a aposentadoria desde 2004.

Para deixar de vestir a jersey, não poderia escolher data e lugar melhor: sua casa, o Brasil, durante o Pan-Americano de 2007. “Ao lado dos familiares, amigos, torcedores, foi escolhido o melhor momento e fui feliz mais uma vez”, destaca. “Não mudaria nada, faria tudo de novo, da mesma forma, com muita intensidade, vontade e amor”.

Depois do fim

Quando aposentou, Janeth não deixou o basquete, tampouco a Seleção. Em vez das cestas, acostumou-se com a lateral da quadra. Além de dar sequência ao seu projeto social, que leva seu nome e incentiva o esporte como instrumento de transformação de vida, também se desafiou como assistente técnica e treinadora do time brasileiro. De fora, ela avalia que serão necessários preparação, planejamento e antecedência para alcançar bons resultados, que devem vir, segundo ela, depois de 2024. “Ficamos com uma lacuna muito grande de gerações e a procura de um novo ídolo e de resultados é o maior desafio da Confederação Brasileira de Basquete”.

Atualmente comentarista da TV Gazeta durante as transmissões dos jogos da Liga de Basquete Feminino, Janeth é otimista e vê a modalidade sendo reformulada e ganhando investimento, “O basquete feminino está ganhando um novo espaço. O que depender de mim para que o basquete continue crescendo, estou à disposição”, finalizou.

 



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