Mestre em Letras se diverte com popularização do verbo “refugar” - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo
07/30/2012 09:00:12
 

Desde que o cavalo Baloubet du Rouet estancou três vezes diante de obstáculos em sua última passagem pela pista olímpica de Sydney-2000, um verbo se tornou bastante popular no Brasil. O animal era montado por Rodrigo Pessoa, considerado favorito na disputa por saltos do hipismo e a última esperança brasileira de conquistar uma medalha de ouro naqueles Jogos. Mas refugou.

“O Baloubet? Você quer falar sobre aquele cavalo que refugava?”, surpreendeu-se o professor de língua portuguesa Leo Ricino, rindo bastante, quando atendeu o seu telefone celular no domingo. “O termo ‘refugar’ se popularizou muito, muito, muito por causa daquele cavalo. Caiu na boca do povo. Até se perdeu um pouco no meio do caminho, mas voltou à tona por causa das Olimpíadas de Londres. Que refugada! Aquela grande refugada!”, gargalhou.

Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Leo é professor há quase quatro décadas e está acostumado a lidar com as dúvidas de curiosos relacionadas ao esporte. Ele se comunica com os ouvintes da Rádio Jovem Pan todos os sábados, no programa No Mundo da Bola, além de ter escrito uma série de artigos para a Revista Língua Portuguesa. Na seção Celebridades da publicação, respondia perguntas de pessoas famosas, como os atores Ana Paula Arósio, Marisa Orth e Tom Cavalcanti.

Nos últimos 12 anos (a partir das famosas refugadas de Baloubet du Rouet), portanto, o professor Leo se acostumou a ouvir o público mencionar palavras como “refugar” e “amarelão”. “Nossa senhora! Foi um tal de Diego Hypolito deu uma refugada aqui, não sei quem também amarelou ali… O ‘amarelão’ também pegou. Muitas coisas faladas pelas pessoas se baseiam em eventos esportivos, principalmente ligados ao futebol”, constatou, lembrando do esporte mais popular do País.

Após "refugar" nas Olimpíadas de Sydney-2000, o campeão Baloubet du Rouet ajudou a popularizar o verbo (Foto: AFP)
Após “refugar” nas Olimpíadas de Sydney-2000, o campeão Baloubet du Rouet ajudou a popularizar o verbo (Foto: AFP)

O que nem tanta gente citou nas conversas com o professor foi a volta por cima de Baloubet du Rouet. O cavalo e Rodrigo Pessoa se redimiram em Atenas-2004, ganhando a medalha de ouro depois da desclassificação do conjunto irlandês Waterford Cristal/Cian O’Connor, por doping. Para resgatar a imagem do único animal campeão olímpico pelo Brasil na memória coletiva dos brasileiros, a Gazeta Esportiva.net o visitou com exclusividade em seu refúgio em um confortável haras de Portugal.

Aposentado das pistas desde 2006, Baloubet du Rouet exerce atualmente a função de reprodutor – já tem cerca de 2.100 filhos espalhados em diferentes países, inclusive no Brasil, em nome de sua reputação como vitorioso. Mas, entre os brasileiros, ainda é mais lembrado por “refugar”. “Não acho que o nosso povo torça contra o seu País. O que acontece é que transformamos tudo em piada. Foi assim até com Ayrton Senna. Lembro que, no Dia dos Namorados, recebi um e-mail com a imagem daquela mulher que esquartejou o marido [Elize Araújo, que confessou o assassinato de Marcos Matsunaga, executivo da Yoki]. Sabe qual era o título da mensagem? Amor aos pedaços”, contou Leo.

“Refugar” não é a única palavra com sentido pejorativo vinculado a animais como Baloubet du Rouet. Entre as definições de “cavalo”, os dicionários brasileiros apresentam: “indivíduo sem educação, grosseiro, alarve”. Até “Bucéfalo”, nome do histórico garanhão montado por Alexandre, o Grande, virou verbete e sinônimo de “estúpido”. “Isso é uma coisa comum. Depois do movimento naturalista, tivemos uma grande zoomorfização – ou seja, passamos a usar animais para fazer comparações com seres humanos. Chamamos os homens de cavalos, e as mulheres de galinha, de vaca… É um fenômeno normal”, minimizou Leo.

O mestre em Comunicação e Letras agora aguarda, à frente da televisão, quais serão as palavras que irão se tornar populares depois dos Jogos Olímpicos de Londres. “Gosto mais dos esportes coletivos”, confessou Leo Ricino, que quer distância das provas disputadas por Rodrigo Pessoa e seus colegas. “Hipismo? Nem pensar! Aquilo é muito chato!”, refugou.



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