Construindo Didi - Gazeta Esportiva
Gabriel Ambrós e Guilherme Goya
São Paulo, SP
07/21/2019 08:00:41
 

A cidade de Cachoeiro do Itapemirim, sul do estado do Espírito Santo, tem cerca de 220 mil habitantes, e há poucas semanas, também conta com um representante na NBA. Aos 19 anos, Marcos Louzada Silva, o Didi, foi o único atleta brasileiro escolhido no draft da principal liga de basquete do mundo, realizado no último dia 20 de junho em Nova York. O ala, que se destacou no vice-campeonato de Franca no NBB, ouviu seu nome chamado pelo Atlanta Hawks, mas após troca, terminou seguindo para o New Orleans Pelicans.

“Foi um momento único na minha vida, vou levar isso comigo pra sempre. Foram segundos, poucos minutos, mas que me fizeram lembrar de muita coisa, de tudo o que aconteceu na minha carreira, para estar lá naquele dia no Draft. Inesquecível e maravilhoso, um dos dias mais felizes da minha vida”, relembra Didi, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

De Cachoeiro do Itapemirim à Nova Orleans (Fotos: Divulgação/LUSB, Newton Nogueira/Franca e Garrett Ellwood/Nbae/Getty Images/AFP)

Após disputar a Summer League, campeonato preparatório dos times da NBA que serve para avaliação de jovens jogadores, Didi será emprestado para o Sydney Kings da Austrália para seguir seu processo de desenvolvimento, podendo retornar no meio de 2020 para os Pelicans caso a equipe de Nova Orleans queira.

Mas para entender como Didi chegou neste estágio, é preciso voltar para Cachoeiro do Itapemirim e para sua passagem em Franca.

Destaque capixaba

Antes da possibilidade de jogar na Summer League, ou na NBA, ou na Austrália, o brasileiro, ainda sem seus 1,95m, fez muitas cestas na cidade capixaba. Com o empurrão do irmão mais velho, João Pedro, Didi, ainda com 11 anos, começou a treinar e jogar na LUSB, a Liga Urbana de Basquete, projeto social que leva o basquete para cerca de 150 crianças por ano, ainda distribuindo 16 bolsas de estudo.

“O projeto foi extremamente importante para mim, foi onde me apaixonei pelo esporte e graças a isso eu cheguei onde cheguei, realizando um sonho que tenho desde pequeno. São projetos assim que fazem a diferença no país, dão oportunidade para os jovens, tiram crianças da rua para que possam se envolver com atividades saudáveis e se tornarem pessoas melhores, seja na vida ou como atleta”, pontuou Didi.

“A equipe sabia do potencial dele e montava jogadas para ele poder fazer o que ele sabia fazer” (Foto: Divulgação/LUSB)

“O irmão dele mais velho já treinava na LUSB e chamou o Didi para vir. Na época ele fazia futebol, tinha uma escolinha perto, e veio para o basquete, acabou gostando e ficou”, lembra Leonardo Macedo, coordenador e idealizador da LUSB, que funciona desde 2007. “Aos 11 anos de idade, a gente viajou para Belo Horizonte com ele para o primeiro campeonato fora do estado que participamos com a equipe de 12 anos e o Didi já se destacou”, conta.

Às vezes a gente ia pedir patrocínio em empresas e falava: ‘Olha, nós temos um menino lá que vai chegar no adulto e provavelmente na Seleção Brasileira’. Isso quando ele tinha 12, 13 anos. E ele não chegou na Seleção né, chegou na NBA. Mais alto ainda

Além de Didi, a LUSB formou outros jogadores que posteriormente se tornaram profissionais, como é o caso de João Victor Mamedes, pivô que saiu do Espírito Santo para jogar no Pinheiros e, no último mês, fechou contrato para jogar no São Paulo, que fará sua estreia na próxima edição do NBB.

“Eu sou um ano mais velho que ele, mas como ele era bom desde sempre, subia e jogava com a gente, e você conseguia notar desde cedo que ele era talentoso para coisa. O nível de habilidade que ele tinha não era normal nem para a idade, nem para a altura dele, porque geralmente quando você pega uma criança muito alta ela não tem essa coordenação motora toda”, explica o pivô. “Acho que todos os prêmios que existem da federação capixaba ele tem. Vão por uma estátua dele no troféu”, brinca.

(Foto: Divulgação/LUSB)

Ex-companheiro de quadra de Didi, Mamedes explica o impacto que a ascensão da estrela capixaba causa: “Hoje em dia ele virou um símbolo para as pessoas próximas deles. Porque se você falar de jogadores como o Joel Embiid, Paskal Siakam, Kawhi Leonard, alguns desses caras até certo ponto da vida eram um ser humano normal, que vivia a vida de boa, que jogava basquete, que todo mundo via que ele era bom, mas era uma pessoa normal. Então, às vezes quando olhamos para caras assim colocamos ele em um status sobre-humano, eles não são naturais, e aí deixa o sonho um pouco mais distante para você; porque se ele são sobrenaturais, você que é normal não vai conseguir, e daí quando você tem alguém perto de você que conseguiu, como o Didi, desconstrói essa ideia da sua cabeça”.

Porque mesmo sendo talentoso, ele estava ali com você e conseguiu chegar lá; então vira uma tocha de esperança para todo mundo que conhece ele

Chegando em Franca

Em 2014, Didi viajou cerca de 900km de Cachoeiro do Itapemirim até Franca, onde começou a treinar nas categorias de base da equipe do interior paulista. “Cheguei em Franca com 15 anos. Era bem tímido, tudo era muito novo pra mim, porque nunca tinha saído de casa e, de repente, estava morando em outra cidade sozinho, longe da minha família”, relembra o ala.

“Quem me descobriu foi o Jamil, técnico das categorias de base do SESI, e aí surgiu o interesse em me levar para Franca, depois de alguns bons campeonatos que fiz, chegando à Seleção Brasileira de base também”, explica.

Não demorou muito para que Didi chamasse atenção e fosse treinar, ainda aos 16 anos, com o time adulto, comandado pelo técnico Helinho. “Desde o primeiro momento que eu assumi o time adulto, vendo os jogadores da base, via um grande potencial nele. Um jogador que não tinha padrão, mas já tinha arremesso, atleticamente era bom, porque saltava, corria bem, bem coordenado”, relembra o treinador.

E o que foi muito bacana é que é um jogador extremamente fácil de ser instruído. A gente fazia um treinamento isolado específico com ele um dia de manhã e ele imediatamente já pegava e para o treino da tarde já fazia melhor

Após o período de treino com a equipe adulta, Didi passou a integrar o time em 2017, quando também fez sua estreia com a camisa de Franca no NBB. Na temporada 2017/2018, ainda aos 18 anos, o ala não teve muito volume de jogo, jogando em média 10,6 minutos por partida, anotando 3,1 pontos, dando 0,6 assistências e pegando 1,5 rebotes.

“Na temporada retrasada ele teve mais tempo de quadra, e em momentos difíceis nossos na temporada, eu tive a oportunidade de colocar ele de titular, e ele correspondeu, só que eu falava ‘cara, não precisa se preocupar em forçar nada, fica mais na sobra’”, relembra Helinho.

Helinho está no comando de Franca desde a temporada 2014/2015 (Foto: Newton Nogueira/Franca)

“Agora, nesta temporada que passou, que ele foi muito bem, eu falei ‘Didi, pelo seu crescimento, pelo seu ganho técnico, agora é a hora, você não é mais jogador da sobra, você é um jogador que vai chegar batendo bola, um na sua frente no contra-ataque é pouco, outro jogador tá pedindo bola, você manda ele embora e chama um pivô no bloqueio, para jogar de dupla, para você ter mais volume de jogo”, explica.

Com as novas orientações e mais tempo de quadra, agora média de 19 minutos por jogo, Didi se destacou com médias de 9,7 pontos, 1 assistência e 2,8 rebotes por partida, ganhando os prêmios de Maior Evolução e Destaque Jovem do Novo Basquete Brasil.

Helinho foi muito importante no meu desenvolvimento, sempre me ajudou nas coisas que eu tinha mais dificuldades e falou para eu me manter focado. Quem sempre parava para conversar comigo era o Lucas Dias. Além da parte técnica, sempre me dava várias dicas, foi um cara que me ajudou muito também

Perguntado sobre quais eram as dificuldades de Didi, Helinho explica: “Ele é um jogador que tinha bom arremesso, mas ele precisava aumentar a velocidade desse arremesso. Era um jogador que, na jogada de dupla, tinha que saber aumentar o leque dele de opções, porque ele precisava aprender de jogar de dupla e passar, aprender a jogar de dupla e atacar o pivô”.

“Nós treinamos muito ele cair de costas para cesta, então ele melhorou muito o jogo dele de costas para a cesta, podendo cair no pivô com um jogador da altura dele ou um pouco mais baixo, enfim, ele foi aumentando o repertório de opções técnicas dele, e os grandes jogadores fazem isso”, completou.

Brasil na NBA

Após duas edições do NBB disputadas pelo Franca, Didi se inscreveu para o Draft da temporada 2019/2020 e foi selecionado na 2ª rodada, com a escolha 35, pelo Atlanta Hawks. Como a seleção foi envolvida em uma troca com o New Orleans Pelicans, o brasileiro terminou na equipe da Louisiana.

Durante a Summer League, o ala foi titular da equipe, jogando em média 27 minutos por partida, com 43,9% de aproveitamento dos arremessos e 44,4% de aproveitamento nas bolas de três. O brasileiro teve médias de 11 pontos, 3 rebotes, 2 assistências,1,5 roubos de bola e 0,5 bloqueios por confronto. Os Pelicans venceram suas três primeiras partidas na competição e foram eliminados nas semifinais, para o Memphis Grizzlies.

Minhas maiores referências são o Anderson Varejão e o Leandrinho. Acho que o meu jogo é parecido com o do Westbrook, por ser bem explosivo, mas também ao Wesley Mathews. Entre os brasileiros, acho mais semelhante com o estilo do Leandrinho pela velocidade que ele imprime em quadra

Rumo a Austrália para a próxima temporada, Didi já pensa no que precisará melhorar para cavar seu espaço na liga norte-americana. “Preciso me desenvolver mais em termos de físicos e de ball handling (drible), buscar fazer os movimentos com mais velocidade, porque sei que o jogo aqui nos Estados Unidos é mais rápido”, explica.

“Sempre converso muito (com os brasileiros que jogaram na NBA), e os conselhos que me deram é que, independente de tudo, para fazer sempre o meu melhor, dar sempre o meu máximo. O mais difícil daqui para frente é me manter na liga e, para isso, preciso me dedicar, ter foco e humildade. Vou batalhar para ter as melhores coisas e melhores resultados”, finalizou o brasileiro.