Recebidos com festa no último domingo, os jogadores do Corinthian-Casuals vivem uma semana histórica em território brasileiro. Em um roteiro com futebol na Praça da Sé, na praia e em Itaquera, com batucada em escola de samba e com “poropopó” na arquibancada, cumprem em perfeita harmonia com os “filhos” do Corinthians Paulista uma visita alegre que lhes foi negada há pouco mais de cem anos.
Em julho de 1914, o Corinthian Football Club – que viria a se fundir ao Casuals Football Club em 1939 – partiu de Southampton para sua terceira excursão ao Brasil. No mar, tiveram de desviar de uma canhoneira alemã; na chegada, souberam que havia eclodido a Primeira Guerra Mundial. Os reservistas do exército britânico pararam em Pernambuco e voltaram imediatamente para lutar. Os demais chegaram a caminhar brevemente pelo Rio de Janeiro, sem tocar em uma bola, antes de retornar e se alistar.
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Desviar dos torpedos em um Oceano Atlântico repleto de submarinos acabou sendo a parte mais simples, em um percurso sem incidentes rumo à Europa. Só um dos 14 jogadores, no entanto, viajaria novamente como membro do Corinthian. No total, foram perdidos na guerra 22 corinthianos, cujos nomes estão gravados em um mural na sede do clube. Reverenciá-los é um dos motivos da viagem de 2015.“Nós viríamos para o Brasil em 1914, mas teve a guerra. Queremos lembrar esses caras, que não tiveram a oportunidade de jogar uma partida no Brasil”, disse à Gazeta Esportiva Chris Watney, diretor comercial da agremiação londrina, atacante nas horas vagas e idealizador da festa atual. “É um tributo àquela geração de ouro, uma celebração à família Corinthian que eles inspiraram antes de morrer tragicamente.”
Um desses inspiradores é Cuthbert Brisley, tido por muitos como o melhor centroavante da Europa no início do século passado. Na viagem que inspirou a fundação do Corinthians Paulista, o atacante começou marcando dois gols na vitória por 10 a 1 sobre o Fluminense. Ele ainda balançaria a rede duas vezes contra uma seleção carioca e somaria mais um tento contra o São Paulo Athletic Club, em match acompanhado por fundadores do “clube mais brasileiro”.Autor de 64 gols em 86 jogos pelo Corinthian, Brisley se tornou piloto do exército e morreu em um acidente de treinamento, no dia 30 de julho de 1918. Não conseguiu, como John Tetley, bater uma bola após o início da guerra. Membro da delegação de 2010 e do frustrado tour de 1914, o zagueiro Tetley atuou em um time de membros corinthianos do exército – “The Corinthians under Arms” – contra outra equipe de oficiais, em fevereiro de 1915. Foi morto na Batalha de Passchendaele, em 9 de outubro de 1917, deixando como herança um relógio quebrado e uma cigarreira.
A lista tem ainda gente como Lancelot Vidal, autor de quatro gols no massacre de 1910 sobre o Fluminense, e outros. São nomes que orgulham a família Corinthian – ou Corinthians, ou Curinthia, ou seja lá qual for a pronúncia adotada, de Cambridge a Itaquera. A família está reunida em São Paulo, e uma das razões é homenagear aqueles amadores que não puderam fazer o que amavam há cem anos.