Engenheiro do Mineirão vê 7 a 1 como propaganda e menor do que 1950 - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
03/27/2018 01:00:04
 

Severiano Braga ajudou a erguer o local da maior humilhação da história do futebol nacional. Gestor das obras de modernização do Mineirão, estádio do qual se tornaria gerente de operações, o engenheiro não acredita que a histórica goleada que a Alemanha aplicou na Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2014 represente um bicho de sete cabeças para a sua administração. O que se tornou uma assombração nacional é, para ele, motivo de propaganda.

“Vejo as coisas de outra forma. Na Alemanha, Minas Gerais passou a ser ainda mais famosa. Certamente, um alemão de Hamburgo, Berlim ou Munique que estiver visitando o Estado vai querer conhecer o Mineirão, palco talvez da maior vitória da história da seleção daquele país”, contrapôs Severiano, em conversa com a Gazeta Esportiva.

Segundo a Minas Arena, os alemães constituem parcela significativa do público que pagava R$ 14 para fazer visitas guiadas ao Mineirão e passear pelo museu do estádio em 2015. “Esse número de visitantes da Alemanha cresceu muito após a Copa do Mundo”, celebrou o engenheiro, sobre a romaria europeia à Pampulha.

Ao lado de Tiago Lacerda, secretário estadual de Turismo e Esporte, Severiano vê o 7 a 1 como alavanca para o turismo
Ao lado de Tiago Lacerda, então secretário de Turismo e Esporte, Severiano viu legado turístico (foto: divulgação)

Estádio das duas finais de Copa do Mundo realizadas no Brasil, o Maracanã recebeu o tetracampeonato mundial da Alemanha e também se firmou como importante ponto turístico em 2014. E guarda igualmente uma lembrança bastante negativa para a Seleção – a derrota por 2 a 1 para o Uruguai em 1950, que transformou o goleiro Barbosa em um vilão mais estigmatizado até do que o técnico Luiz Felipe Scolari ou o centroavante Fred.

“São situações diferentes. A tragédia foi maior em 1950 pelo clima de já ganhou que foi criado. Acreditavam que o Brasil já tinha conquistado o título de campeão do mundo. O futebol também era encarado de outra maneira na época”, comentou Severiano Braga, com a propriedade de quem havia se acostumado a frequentar o Mineirão como torcedor do Cruzeiro.

As comparações, no entanto, foram inevitáveis após a Seleção Brasileira sofrer 7 a 1 em uma semifinal de um Mundial disputado em casa. E penderam contra a tragédia do Mineirão. “Parabéns aos vice-campeões mundiais de 1950, que sempre foram acusados de dar o maior vexame do futebol brasileiro. Ontem, conhecemos o que é vexame de verdade”, noticiou, por exemplo, o jornal carioca Extra por ocasião da goleada. O restante das publicações nacionais seguiu a mesma linha.

Transformado em Mineirazo, o estádio foi completamente remodelado para receber a última Copa do Mundo
Transformado em Mineirazo, estádio foi completamente remodelado para a Copa (foto: divulgação)

Mesmo satisfeito com a curiosidade turística que o Mineirão conseguiu despertar nos alemães, Severiano sofreu como quem considerou o drama de 1950 inferior ao de 2014. Naquele fatídico 8 de julho do ano passado, a exemplo do que fez em todos os jogos da Copa disputados no estádio, ele chegou cedo ao seu local de trabalho para realizar uma conferência minuciosa de tudo o que envolveria a partida. Seguiu todo o protocolo combinado com os membros da delegação da Fifa. Até a Alemanha começar a marcar um gol atrás do outro.

“Não estava acreditando no que via, assim como milhares no estádio e milhões mundo afora. O que percebi nos torcedores naquele dia não foi raiva nem desespero. Era uma sensação de incredulidade. Após o segundo gol, observei que alguns foram embora ou para os bares do Mineirão. Outros apoiaram a Alemanha, realmente um time espetacular na Copa do Mundo”, contou.

Ao apito final, houve solidariedade dos dirigentes da Fifa. “Escutei somente lamentações. Eles sabiam que o País estava triste”, relatou Severiano, que se entrosou bem com esses parceiros de organização no Mundial. “Tivemos um contato muito próximo, com uma convivência de parceria e fácil diálogo. Não eram muitas as exigências. O Mineirão foi bastante elogiado por delegações e torcedores, tornando-se um dos principais palcos da competição”, gabou-se.

Alemães se tornaram assíduos nas visitas guiadas ao Mineirão (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Além da humilhação imposta ao Brasil, Belo Horizonte sediou a vitória por 3 a 0 da Colômbia sobre a Grécia, o magro 1 a 0 da Argentina em cima do Irã, o empate sem gols entre Costa Rica e Inglaterra e o 2 a 1 da Bélgica contra a Argélia, na fase de grupos. Ainda ocorreu uma alegria para a Seleção em um mata-mata no Mineirão: a eliminação do Chile, nos pênaltis, depois de 1 a 1 com a bola rolando.

“Mesmo em serviço, os pênaltis mexem com todos, não é mesmo? Não há como não se ambientar com o clima. Do mais frio jornalista aos jogadores, todos estavam tensos. Ficamos ansiosos para comemorar a classificação e a possibilidade de ver a Seleção Brasileira atuar no estádio mais uma vez na Copa do Mundo”, rememorou o engenheiro do Mineirão.

A segunda vez da Seleção foi inesquecível. Se os sete gols alemães não abalaram as estruturas da reforma comandada por Severiano Braga – nem o entusiasmo dele com a “experiência única” de ser atuante em um “evento grandioso” –, mostraram-se suficientemente capazes de fazer o futebol brasileiro desabar às margens da Pampulha. No Mineirazo.

JOGADOR POR CAUSA DE 1950, PELÉ TEVE REDENÇÃO EM 2014

Foi o gol marcado por Ghiggia em Barbosa que inspirou Pelé a ser jogador de futebol. Então com 9 anos, ele se comoveu ao perceber o pai, Dondinho, chorando diante de um rádio após a derrota da Seleção Brasileira para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950.

“Ninguém pensava que poderíamos perder aquela Copa em casa”, lamentou Pelé, no ano passado, então já acostumado a contar a história que o motivou a se dedicar à carreira de atleta. A decepção foi superada por ele com as conquistas dos Mundiais de 1958, 1962 e 1970.

Em 2014, o Brasil teve a chance de apagar de vez o Maracanazo com uma nova Copa do Mundo em seu território. O Uruguai até ficou esquecido, porém porque o País encontrou um algoz ainda mais implacável. A Alemanha, que para sempre será lembrada pela goleada por 7 a 1 sobre a Seleção Brasileira, não surpreendeu Pelé. Muito criticado pelos seus habituais palpites que não se confirmam, o Rei acertou desta vez.

“Vi duas ou três partidas da Alemanha neste ano. É uma das candidatas”, apostou, em uma das diversas ocasiões em que foi solicitado a fazer previsões para a Copa. Em todas elas, Pelé citou a seleção alemã.

Antes desse acerto, já havia até quem sentisse receio dos palpites do ex-jogador brasileiro. Os colombianos, apontados por Pelé como favoritos em 1994, ironizaram as apostas dele antes da Copa. “É, é, é… Está bem arriscado garantir qualquer coisa. Mas espero que a Colômbia também faça um grande Mundial”, brincou o Rei, sem jeito.

A Colômbia acabou eliminada nas quartas de final pela Seleção Brasileira, que esteve longe de encantar. Apesar do mau futebol dos comandados de Luiz Felipe Scolari, a festa da torcida local foi garantida fora dos campos. Com direito até a ovação para Pelé.

Geralmente vítima de sarcasmo no Brasil, o Rei do Futebol alcançou a redenção completa nas arquibancadas. Para responder aos rivais argentinos, que insultavam Pelé ao reverenciar Maradona, os brasileiros passaram a cantar em homenagem ao ídolo forjado para vingar Barbosa: “Mil gols! Mil gols, mil gols, mil gols! Só Pelé, só Pelé! Maradona cheirador!”.



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