Profissional de várzea - Gazeta Esportiva
Bruno Ceccon
Mauá, SP
12/14/2018 09:00:02
 

Fazia muito sol em Mauá no momento em que o Dínamo entrou em campo para enfrentar o Zaíra pelas quartas de final da Copa Lourencini, concorrido torneio de várzea local. A torcida “Ninguém Dorme”, posicionada atrás do gol, recebeu seus jogadores com foguetes e fumaça azul, entre eles Jorge Preá.

Sim, o camisa 9 do time que representa a comunidade do Jardim Maria Eneida já foi campeão com Vanderlei Luxemburgo no Palmeiras. Ganhador do Campeonato Paulista 2008, Preá, hoje sem clube, concilia a atuação no futebol de várzea com o trabalho de limpador de bocas de lobo e galerias em uma empresa contratada pela prefeitura de São Paulo.

“Não fiquei rico como jogador. Deu para comprar o necessário para minha família e estou muito feliz com isso, mas preciso continuar trabalhando. Com cinco filhos, não posso pensar que o esporte vai me dar dinheiro para sempre. Tenho família para cuidar”, explicou Preá, que também dá aulas em uma escolinha de futebol.

O ex-palmeirense disputou sua última partida como profissional no final de fevereiro pelo Real Ariquemes, de Rondônia, na Copa Verde. Aos 34 anos, ele garante que ainda tem condições para atuar profissionalmente, mas nega qualquer tipo de decepção por retornar à várzea.

“Por mais uns dois ou três anos, dá para jogar. O importante é ter a chance”, disse, sobre a possibilidade de retomar a carreira. “Mas eu saí da várzea e é um orgulho estar aqui. Logicamente, o profissional quer atuar em um time com expressão para disputar as Séries A, B, C ou D do Brasileiro, mas não me sinto frustrado”, declarou.

Dono da tarja de capitão do Dínamo, o ex-jogador do Palmeiras foi o responsável por motivar os companheiros na roda antes da vitória por 3 a 1 sobre o Zaíra. Experiente, ele teve atuação decisiva ao participar do lance que resultou em pênalti para sua equipe e converter o segundo gol, comemorado com a torcida no alambrado.

“O cara que já jogou no profissional acaba sendo a base do time. É o que deve resolver e eu ainda uso a camisa 9. Então, eles esperam isso, mas eu gosto da responsabilidade e assumo. Precisa ser um pouco diferente dos amadores mesmo”, descreveu Preá, semifinalista na Copa Lourencini.

O ex-palmeirense não hesita ao assumir o protagonismo no time, mas, para os rivais, prefere passar despercebido. “Para ter um pouco mais de espaço em campo, evito que o adversário saiba que joguei profissionalmente. Às vezes, quando perguntam se sou o Preá, nego e digo que sou só parecido. Mas tem uns que reconhecem mesmo”, sorriu.

Há 10 anos, a realidade de Jorge Arnaldo Pereira era outra. Companheiro dos campeões mundiais Marcos e Denilson, o centroavante integrou o último time capaz de proporcionar o título paulista ao Palmeiras. Após o curto período pelo clube alviverde, ele chegou a passar por equipes como Atlético-PR e ABC-RN, mas não decolou.

“Com um pouco mais de ajuda, minha carreira poderia ter sido melhor. Se não houvesse tanta trairagem no futebol, com pensamento só no interesse financeiro… Mas não me arrependo de nada e dei o máximo em todos os clubes. Deus fez assim e vida que segue”, afirmou.

Jorge Preá viveu uma experiência malsucedida em sua última equipe profissional. Contratado para defender o Real Ariquemes durante o primeiro semestre, o centroavante teve seu vínculo rescindido e precisou entrar na Justiça na tentativa de receber do time de Rondônia.

“Em comparação aos outros Estaduais que participei, o Rondoniense é muito difícil. Os campos e vestiários são ruins, tem viagens de mais de 10 horas de ônibus. Foi um dos piores torneios que disputei. Então, prefiro jogar na várzea de São Paulo e ficar perto de casa”, explicou o morador da Casa Verde.

Bancada por rede de supermercados, Copa Lourencini é disputada em Mauá (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Com a carreira profissional interrompida há quase 10 meses, Preá procura disputar, pelo menos, três partidas de várzea a cada sete dias por times como Vida Loka, Blindados e Dragões da Casa Verde, além do Dínamo. Em uma semana boa, ele estima ganhar aproximadamente R$ 600,00.

“O segundo semestre é sempre difícil para o jogador profissional, ainda mais em ano de Copa do Mundo, porque muitos clubes simplesmente não têm calendário. Quando estou desempregado, volto à várzea para conseguir um dinheirinho e ajudar em casa. Mas não jogo só pelo dinheiro. Eu amo futebol”, explicou.

A pedido da Gazeta Esportiva, Preá posou para fotos com a camisa usada para marcar seu único gol pelo Palmeiras e a medalha de campeão paulista, atraindo olhares curiosos no humilde campo de terra. Neste domingo, com a carreira como profissional ameaçada, ele tenta classificar o Dínamo à decisão da Copa Lourencini, torneio que premia o time campeão com R$ 5 mil.

“Não sei, cara. Eu deixo para Deus”, disse o centroavante, quando questionado sobre o próprio futuro. “O que Ele permitir para mim, vou levando. Não faço muitas projeções. Sei que tem um Deus que está comigo e me protege”, acrescentou o campeão paulista de 2008.

Dez anos após gols decisivo no Paulista, Preá conheceu Allianz Parque com a mãe (Fotos: Arquivo Pessoal)

CAMPEÃO DE 2008 CONHECE ALLIANZ PARQUE

Jorge Preá disputou apenas oito jogos pelo Palmeiras, mas é lembrado por um gol importante rumo ao título do Campeonato Paulista 2008. Responsável por garantir o triunfo por 1 a 0 sobre a Portuguesa nos acréscimos no antigo Palestra Itália, ele recentemente conheceu o Allianz Parque.

“Foi o gol mais importante da minha vida. Até hoje, os torcedores palmeirenses lembram e me reconhecem por isso. Tenho o vídeo do lance no meu telefone celular e gosto de revê-lo. Sempre me emociono com a narração do Zé Silvério”, contou Jorge Preá.

Dez anos depois, ele retornou ao estádio. “Há uma semana, fui ao tour da arena e levei minha mãe. Fiquei muito feliz e arrepiou quando vi o campo. Alguns torcedores que estavam lá lembraram do gol contra a Portuguesa. Foi legal pra caramba”, contou o atual camisa 9 do Dínamo do Jardim Maria Eneida.