Os segredos do Fortaleza - Gazeta Esportiva

05/17/2023 04:00:36
 

Por Iúri Medeiros

O Fortaleza vive um momento único em sua história. Consolidado na elite do futebol brasileiro com resultados expressivos, o clube se organizou financeiramente e apostou em um projeto a longo prazo para competir com as grandes potências nacionais. Em contato com a reportagem da Gazeta Esportiva, o presidente Marcelo Paz falou sobre os mais variados assuntos, desde o campo e bola até o resgate financeiro de um time que disputava a terceira divisão em 2017.

Durante a conversa, o dirigente do Leão do Pici falou sobre os desafios de sua gestão. Com o ótimo momento vivido, a expectativa em relação ao clube aumentou, seja por parte da torcida como da imprensa. Nesta quarta-feira, o Fortaleza visita o Palmeiras pelo jogo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil, no Allianz Parque, às 19 horas (de Brasília).

“As demandas crescem, os custos ficam maiores e as expectativas também. O torcedor já não aceita mais determinados resultados, acha que tem que ser campeão sempre, e no futebol nem sempre se consegue”, comentou Marcelo Paz, que tem mandato até final de 2024.

O confronto entre Palmeiras e Fortaleza marca o embate dos dois técnicos que estão há mais tempo em um mesmo clube no futebol brasileiro. Vojvoda e Abel Ferreira, com estilos diferentes, comandam equipes organizadas que prometem fazer uma grande eliminatória no torneio nacional.

Gazeta Esportiva O Fortaleza foi pentacampeão estadual neste ano e defende uma invencibilidade de 13 jogos somando todas as competições. Gostaria que você falasse um pouco sobre o momento da equipe e a projeção do clube para o restante da temporada.

Marcelo Paz- A gente vive um bom momento. Abril foi um mês muito bom para o clube, com uma série de jogos invictos. Tivemos o pentacampeonato estadual histórico, boas partidas na Copa Sul-Americana e vitórias inéditas na história do clube, como o jogo contra o San Lorenzo, no Nuevo Gasómetro, e contra o Coritiba, lá em Curitiba. Tudo isso é fruto de um trabalho, de uma sequência, e de um elenco que se conhece cada vez mais. Nós temos peças de reposição e um modelo de jogo do Vojvoda que tem se consolidado. Os números não são por acaso e nos deixam felizes. Tudo isso nos coloca em um bom momento, mas a gente sabe que no futebol temos que cuidar sempre do próximo jogo, ele é sempre o mais importante. Isso não é retórica, é fato: no futebol, o que sustenta os bons momentos são as vitórias.

Gazeta Esportiva – São poucos nomes tidos como unanimidade no futebol brasileiro e um deles é o de Juan Pablo Vojvoda. Gostaria que você fizesse uma avaliação do trabalho dele, que perdura desde maio de 2021.

Marcelo Paz –  O trabalho do Vojvoda é muito bom. Os números mostram isso, a história mostra. Em dois anos, foram quatro títulos, três estaduais e uma Copa do Nordeste. Tivemos a melhor campanha do Fortaleza na Série A do Campeonato Brasileiro com o quarto lugar em 2021, além da melhor campanha da Copa do Brasil na história, com o terceiro lugar também em 2021. Disputamos duas Libertadores da América, agora uma Sul Americana… Então os números mostram o quanto ele é importante na nossa história. Além de um grande treinador, é um grande ser humano, eu gosto sempre de exaltar isso, e é natural que o nome dele fique em evidência.

Gazeta Esportiva – Sabemos como funcionam as especulações no futebol brasileiro quando clubes vão atrás de um novo técnico. O nome de Vojvoda é constantemente vinculado a outras equipes pelo seu trabalho no Fortaleza. Vocês de fato recebem consultas? Como funciona esse processo para manter ele neste projeto?

Marcelo Paz – Quando nós trouxemos ele (Vojvoda) para o Brasil, ninguém o conhecia, isso é um mérito do Fortaleza. Qualquer grande empresa, organização, clube tem que saber atrair e reter talentos, então nós estamos fazendo isso. Nós atraímos o Vojvoda para o Fortaleza e estamos conseguindo mantê-lo aqui. O assédio é natural, no futebol se tem muita troca de comando e quando isso acontece, se busca alguém que tenha qualidade e perspectiva de entregar algo muito bom. Então a gente entende isso. Acho que às vezes há um exagero, não por parte dos clubes, mas por parte de algumas pessoas da imprensa, que já colocam matérias como se o treinador já tivesse saindo, como se estivesse tudo certo, quando na verdade não há nada. Isso gera uma expectativa no nosso torcedor, até nos jogadores mesmo, quando sai uma matéria assim. Mas a gente vai lidando e sempre muito bem protegido por contrato, por multa e acima de tudo pelo trabalho, pelo dia a dia.

Gazeta Esportiva – O Fortaleza costuma ser certeiro nas janelas de transferências com jogadores pontuais, que logo se adaptam e vestem a camisa. Como é feito esse processo de captação por parte do clube?

Marcelo Paz – Temos o mesmo treinador há mais de dois anos, já completando 153 jogos. O perfil de elenco também se mantém, sempre olhando pelo caráter humano. Claro que a parte técnica é fundamental, a qualidade e saúde do atleta, a possibilidade de fazer muitos jogos, de evitar lesões tendo um jogador saudável e com muita força, mas também o caráter é fundamental. É importante entender qual ambiente esse atleta vai contribuir dentro do clube.

Gazeta Esportiva – O Fortaleza quitou sua dívida trabalhista em 2022 e teve uma receita de R$ 267 milhões ao final do ano, número recorde para equipes do Nordeste. Queria que você falasse sobre as finanças do clube e o trabalho de recuperação da sua gestão para que o Leão do Pici chegasse a esse patamar.

Marcelo Paz – Nos últimos anos, o Fortaleza vem em uma crescente financeira. Gosto sempre de falar que no final de 2017, quando assumimos o clube, o orçamento do Fortaleza era de R$ 24 milhões, e agora, em 2022, a gente chegou a R$ 267 milhões. Ou seja, um crescimento de mais de 1000%. Zeramos as dívidas trabalhistas do clube e isso é muito bom, mas não quer dizer que esteja sobrando dinheiro, quer dizer que o dinheiro é bem gasto, há um equilíbrio. Não temos dívidas, mas estamos sempre ali tendo muito cuidado, na ponta do lápis. Ainda temos investimentos em estruturas para serem feitos. Apesar de já termos investido em outras estruturas, como a sede do Pici e na base (Maracanaú), ainda tem muito por fazer. Temos que seguir nesse caminho, com equilíbrio e cuidado, gerando novas receitas e cuidando das despesas para que o clube esteja sempre superavitário.

Gazeta Esportiva – O clube teve uma evolução esportiva e financeira nos últimos anos, isso é inegável. Como lidar com a alta expectativa da torcida com essa nova realidade apresentada pelo Fortaleza?

Marcelo Paz –  O Fortaleza teve essa crescente esportiva, financeira, estrutural, de ranking, de respeitabilidade e o grande desafio é manter tudo isso porque os desafios vão crescendo. As demandas crescem, os custos ficam maiores e as expectativas também. O torcedor já não aceita mais determinados resultados, acha que tem que ser campeão sempre, e no futebol nem sempre se consegue. Acham que temos sempre que ganhar dos gigantes, mas todo mundo se prepara, tem força e possui suas qualidades também, mas isso é parte do desafio. Não estou aqui reclamando, estou colocando o que é a realidade.

Gazeta Esportiva – Como fazer com que a organização financeira e esportiva se fixe no clube, sem voltar ao que era antes? Esse é seu maior desafio como presidente do Fortaleza?

Marcelo Paz – A gente tem que seguir nessa crescente, mas sem perder os valores que nos trouxeram até aqui: pés no chão, humildade, controle de gastos, sequência de trabalho e comissão técnica. Então são desafios a nível de gestão, o tempo vai passando e é difícil manter todo mundo no mesmo nível de entrega. Eu estou falando no nível de diretoria, não estou nem falando de elenco, então a gente tem que estar sempre motivando todo mundo, deixando todo mundo na primeira página. Precisamos entender que o desejo do torcedor tem que ser saciado a cada quarta e domingo, que a gente não tem o direito de diminuir, que as conquistas que já aconteceram são lindas, são ótimas de se colocar em um quadro, mas não podem servir como muleta para futuras conquistas. Esse é um grande desafio.

Gazeta Esportiva – Falando um pouco do futuro do futebol brasileiro como um todo, por que o Fortaleza aderiu à Liga Forte Futebol?

Marcelo Paz –  O Fortaleza não só aderiu ao Forte Futebol como também é um dos clubes fundadores. Nascemos com o princípio de uma divisão mais igualitária, não tem outro motivo principal que não seja a divisão mais igualitária dos recursos, sobretudo os recursos de direito de transmissão, os comerciais, recursos coletivos. Quando se fala de algo coletivo, a gente entende que a divisão tem que ser mais justa, mais igualitária, mais próxima do modelo inglês ou espanhol, para que se tenha uma competitividade maior e um produto melhor. Quando pensamos nisso, não estamos pensando apenas no nosso clube, dele ganhar mais e ter uma diferença menor para os gigantes. Estamos pensando também no produto ‘futebol brasileiro’. Está mais do que provado que quando há uma divisão justa o produto cresce, a qualidade cresce, a atratividade a nível internacional cresce e consequentemente seremos vendidos para o mundo inteiro, gerando mais recursos.

Gazeta Esportiva – Como está o contato atual com os clubes da Libra?

Marcelo Paz – O contato com os times Libra tem acontecido e tem sido gentil, com o objetivo de dar certo. Ainda temos algumas amarras, mas com cordialidade e o intuito de ter uma liga unificada com 40 clubes.

Gazeta Esportiva – Gostaria que você falasse da importância do Rogério Ceni nesse período de reconstrução do clube. Conquistou títulos, criou uma identificação com o torcedor… Ele foi um pilar para esse momento que o clube vive hoje?

Marcelo Paz – O Rogério é um personagem muito importante na nossa história recente, participou do início de um ciclo em que ele foi fundamental em várias áreas, sobretudo na área esportiva, nas conquistas que ele teve com o Fortaleza. Foram quatro títulos: Série B, Copa do Nordeste e dois Estaduais. Além disso, ele levou o time à Copa Sul Americana, primeira competição internacional da história do clube e realizou uma boa campanha em Série A. Ele nos ajudou muito a nível estrutural. A mentalidade que ele sempre teve de revolução estrutural, de preparação, de tudo que pudesse dar para os atletas performarem melhor…

Gazeta Esportiva – A saída de Ceni em 2020 se deu de forma amigável? Como é a relação do clube com o técnico atualmente?

Marcelo Paz – Então, ele é um cara muito querido no clube, que tem o meu reconhecimento como o presidente da diretoria, dos torcedores do Fortaleza e da imprensa em geral. A gente sempre vai ter ele em bom lugar, com muito carinho. Mantemos um vínculo de amizade com ele, a gente conversa esporadicamente, sempre torcendo um pelo outro e desejamos sempre muito sucesso ao Rogério. Nós entendemos que ele é um treinador de altíssimo nível e que ainda tem muito por fazer no futebol brasileiro.