O fim do pesadelo alvinegro - Gazeta Esportiva
Luca Castilho
São Paulo, SP
06/21/2019 08:00:55
 

“Quando as pessoas me perguntam qual foi a conquista mais importante da minha carreira, o Mundial pelo Grêmio ou o Carioca pelo Botafogo, sempre digo o mesmo. O título Mundial com Grêmio era um sonho que foi realizado. O do Botafogo, era um pesadelo que acabava”, garantiu Valdir Espinosa, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

No dia 21 de junho de 1989, o Botafogo encarou o Flamengo na grande decisão do Campeonato Carioca e conquistou um triunfo por 1 a 0 diante de 68.671 torcedores no Maracanã, no Rio de Janeiro. O resultado garantiu um título de maneira invicta para o Alvinegro e findou uma espera de 21 anos sem levantar uma taça – o último caneco havia sido um estadual mais de duas décadas atrás, em 1968.

Naquela noite, há exatos 30 anos, o elenco comandado por Valdir Espinosa, que contava com Paulinho Criciúma e Mauro Galvão, triunfou sobre a estrelada equipe de Telê Santana de grandes nomes como Zico, Zinho e Bebeto.

Sabíamos que as pessoas estavam no Maracanã para comemorar, acabar com o pesadelo – Valdir Espinosa

Então com 41 anos, o comandante do Fogão relembrou a situação delicada que vivia. “Era um peso muito grande, era uma desconfiança mental normal porque todo mundo dizia que ia ser campeão, mas ninguém conseguia. A chegada tinha um peso muito grande por esse jejum de 21 anos”, disse.

O gol da libertação!

Aos 12 minutos da etapa final, Mazolinha foi lançado em velocidade pelo lado esquerdo do campo por Luisinho, venceu a marcação do lateral Jorginho e cruzou na medida para Maurício, que se esticou todo, deslocou o marcador Leonardo e empurrou a bola com a ponta da chuteira para o fundo das redes.

O atacante, que tinha 26 na época, atuou naquela partida com febre, mas foi bancado por Espinosa. A aposta deu certo e o herói improvável surgiu. O zagueiro e capitão da equipe, Mauro Galvão, falou com muito carinho daquele histórico tento.

“Em uma jogada de roubada de bola e contra-ataque, o Maurício fez o gol. O gol da libertação! Foi bastante emocionante porque tinha muita gente torcendo por nós, além dos próprios botafoguenses”, comentou o defensor.

Atacante do time, Paulinho Criciúma enfatizou a importância do companheiro. “O gol do Maurício foi uma libertação. Libertando o clube de chacotas, piadas e brincadeiras sobre o longo jejum. Fui privilegiado de fazer parte daquela equipe”, reiterou.

O momento do histórico gol (Foto: Botafogo FCR/Flickr)

Mesmo com um time menos estrelado, o Alvinegro foi superior e cravou uma vitória. “Apesar do Flamengo ser uma verdadeira seleção, com vários jogadores convocados pelo Brasil, e sermos inferiores tecnicamente, nós éramos um time muito fechado. A união do nosso grupo fez a diferença na final”, falou Criciúma.

Valdir Espinosa destacou a força do Botafogo na decisão. “O Flamengo tecnicamente era um time muito superior ao nosso, indiscutível, é só olhar quem vestia a camisa 10, que era o Zico. Nós tínhamos consciência disso, mas isso não servia para que nós nos diminuíssemos e nem nos assustássemos. Era ter consciência da realidade e fazer com que nós trabalhássemos”, comentou o técnico.

Era um time muito bom para marcar, tomava poucos gols e tinha qualidade para fazer gols – Mauro Galvão

As dificuldades no caminho

Na Taça Guanabara, o primeiro turno do Campeonato Carioca, apesar da invencibilidade, com sete vitórias e quatro empates em 11 partidas, o Botafogo acabou com o vice-campeonato. O campeão foi o Rubro-Negro com uma vitória a mais.

“Teve um momento de uma certa apreensão, quando nós perdemos a Taça Guanabara. Mesmo sem perder um jogo, não conquistamos a Taça Guanabara, que o Flamengo ganhou. Depois, a Taça Rio, a gente conquistou e acabamos entrando na final com uma vantagem, que é uma coisa importante”, relembrou Mauro Galvão.

Plantel enfrentou dificuldades para conquistar a taça (Foto: Botafogo FCR/Flickr)

Contudo, na Taça Rio, o segundo turno do estadual, o Fogão, com uma campanha idêntica ao turno anterior levantou o caneco e foi para a final contra o Mengão. Ao final da competição regional, o Botafogo terminou líder, com 40 pontos, quatro a mais que o Fla.

Uma coisa eu tinha consciência, ou o Botafogo era campeão invicto ou não seria campeão – Valdir Espinosa

Técnico-psicólogo

Contratado após uma passagem pelo Cerro Porteño, onde foi campeão paraguaio em 1987, Valdir Espinosa chegou ao Botafogo no início de 1989. “Houve um entendimento com o Emil Pinheiro, que era o vice-presidente de futebol, uma pessoa forte dentro do clube, e cheguei ao Rio de Janeiro, onde moro até hoje”, disse o comandante.

O treinador pouco reformulou o elenco e quis manter a mesma base. “Uma das primeiras coisas que eu disse na reunião com o Emil Pinheiro foi para não trazer jogadores. Queria conhecer os que estavam no grupo. Comecei a conhecer um por um nos treinamentos e as únicas contratações que fizemos foi o lateral-esquerdo Marquinhos e o Milton Cruz”, comentou.

Marcado pela conquista da Copa Libertadores e do Mundial de Clubes em 1983 no comando do Grêmio, Valdir Espinosa sabia da responsabilidade em comandar o Alvinegro. “O Botafogo estava há 21 anos sem vencer, não sei quantos treinadores por aqui passaram nesse período e a mesma pergunta persistia: ‘será esse que vai ser o campeão?’. Era um peso muito grande, tinha uma desconfiança mental normal”.

Espinosa foi essencial na conquista do estadual (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Aos poucos, o gaúcho encaixou o time titular, promoveu importantes mudanças e foi um dos principais pilares na memorável conquista.

“O Espinosa foi muito importante porque era um treinador experiente. Ele, mais do que um técnico, usou muito a parte psicológica, que era um elemento fundamental naquele momento que o clube vivia, de incertezas. Ele tinha que saber sempre como levar essa motivação e não deixar cair porque o nosso forte era o conjunto”, enfatizou o zagueiro Galvão.

Outros treinadores com que conversei falavam que eu estava louco em assumir o Botafogo – Valdir Espinosa

Paulinho Criciúma reiterou a afirmação do defensor e elogiou o trabalho do treinador. “O Espinosa foi muito importante na conquista. Hoje estamos acostumados com treinadores chegando com grandes comissões, porém ele veio sozinho. Ele foi o responsável por aglutinar todo o grupo pela sua psicologia. O Espinosa trabalhava muito com a parte mental dos atletas. Além de tudo, ele era muito tranquilo, relaxado, mas no bom sentido. Todo mundo abraçou a ideia dele e, por isso, o elenco foi vitorioso”, destacou o atacante.

O artilheiro 8,5

Paulinho Criciúma foi o artilheiro do Fogão na competição (Foto: Botafogo FCR/Flickr)

O papel do atacante, principalmente de um centroavante, é de balançar as redes. Entretanto, no Botafogo, Paulinho Criciúma era um camisa 9 diferente.

“O meio campo era formado por três volantes e mais o Paulinho Criciúma, que eu sempre dizia ser um camisa 8,5, e não um 9. Era um 8 quando ia para o meio-campo e um 9 quando chega na frente, então era 8,5 (risos)”, destacou Espinosa.

“Eu era realmente uma mistura de um camisa 8 com um 9. O Espinosa soube me usar muito bem e fui muito feliz, tanto é que acabei como artilheiro daquele Botafogo. Minha principal facilidade era saber jogar de costas e de frente. Eu era muito técnico e consegui marcar muitos gols pela forma com que o time era montado”, relembrou Paulinho.

Ao final do Carioca, Paulinho Criciúma foi o principal homem dos tentos do Fogão com 10 bolas no fundo do gol. “Ter sido o artilheiro do clube na competição foi muito significativo. Até hoje os torcedores quando me encontram na rua me agradecem.”