Memória longa - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
05/03/2017 11:00:02
 

Quando Corinthians e Ponte Preta abriram vantagem nas semifinais do Campeonato Paulista, contra São Paulo e Palmeiras, respectivamente, a expectativa pela repetição da histórica final de 1977 se tornou inevitável e dominou o noticiário esportivo nos dias posteriores. Com o reencontro confirmado, manchetes, colunas e torcedores passaram a reviver, relembrar e vislumbrar um novo Corinthians x Ponte Preta valendo taça, exatamente 40 anos depois do fim do jejum de títulos do Timão e com a Macaca ainda em busca de seu primeiro troféu de expressão. Até aí, tudo normal. Mas, um adendo se faz necessário. Afinal, muitos esqueceram, inclusive dentro da própria imprensa, mas a dupla alvinegra também decidiu o Estadual de 1979, quando os campineiros novamente amargaram o vice.

“Se errou até o número de finais que a Ponte disputou. E é bom lembrar que a Ponte continua sendo um grande time até 81, quando faz a final contra o São Paulo. Era time de ponta, assim como era o Guarani. É um campeonato que não podia ser esquecido. Primeiro, porque 79, aí sim, o Corinthians tinha um time melhor, era um time livre dos traumas, já tinha Sócrates e Palhinha fazendo tabelas sensacionais, era o ano do Telê (Santana, técnico) no Palmeiras”, comenta o jornalista, escritor e historiador Celso Unzelte.

“O pessoal está falando dos 40 anos da final de 77, as comemorações, tudo por conta de 77 ser o título, segundo eles, mais importante e tal, por conta de ficarem 22 anos sem título”, diz Wladimir, ídolo corinthiano e um dos poucos presentes nos dois títulos daquela década, tentando entender o motivo de pouco se falar sobre a conquista que veio logo em seguida.

O que ninguém nega é que a grande final do Paulistão desse ano mexeu com todos. “Realmente a gente fez uma viagenzinha até lá atrás”, admite Wladimir. “Deu uma sensação diferente, porque a gente lembra do passado. Espero que aconteça a mesma coisa e que o Corinthians consiga”, afirma Palhinha.

Pressão
Para quem viveu de perto, seja dentro ou fora de campo, o Campeonato Paulista de 1979, não há muitas dúvidas de que o alvinegro da Capital atuou mais leve, sem a pressão que sofrera por pouco mais de duas décadas em função da seca de títulos. E ter um elenco praticamente todo reformulado ajudou em dois sentidos: técnico e de responsabilidade.

“Depois de 77, houve algumas mudanças, jogadores saíram, em 79 chegaram outros profissionais. Veio Sócrates, veio Biro-Biro, houve uma mudança radical. Foi um título muito bonito, porque o nosso time, em 79, equilibrava mais com o time da Ponte”, explica Palhinha, autor de gols nas finais das duas competições. “Aqueles jogadores não viveram o momento de dificuldade que os outros tiveram. Isso facilitou, porque aqueles que chegaram não sofreram a pressão que a gente recebia. Era uma comemoração de fato, sem aquela pressão”, recorda, em discurso compartilhado pelo seu ex-companheiro Wladimir.

“Não tenha dúvida. A atmosfera era outra. A pressão em 77… Tinha que ganhar a qualquer custo. Em 79, não. Foi mais tranquilo, o time era mais técnico. A comemoração foi muito diferente”, cita o jogador de maior número de atuações com a camisa do Corinthians (805).

“Era um sentimento totalmente diferente, o peso tinha saído das costas e o título se deve muito ao Sócrates. Além da técnica, ele cadenciava, ele acalmou as coisas, o Sócrates era cadência, o time passou a jogar na cadência do Sócrates, as tabelas entre Sócrates e Palhinha chegaram a ser comparadas com as de Pelé e Coutinho, guardada as devidas proporções”, explica Celso Unzelte.

O jornalista também chama atenção para dois mantras que marcaram àquela fase e chegaram a virar adesivos de carros depois da segunda final alvinegra, o que evidencia um clima totalmente diferente. “Duas frases marcaram as comemorações: ‘Ano sim ano não, Corinthians campeão’; e ‘Estou de saco de cheio de ser campeão’”.

Comparações
Do elenco campeão em 1977, apenas sete jogadores repetiram o feito dois anos depois. Foram eles: o goleiro Jairo, antes reserva de Tobias; o zagueiro Zé Eduardo, conhecido por sua virilidade; os laterais Zé Maria e Wladimir, titulares absolutos; Palhinha, camisa 10 e talismã; o meia-atacante Romeu; e o lendário Basílio, que de Pé de Anjo se tornou suplente em seguida, muito por causa da contratação de Biro-Biro. Mas, o ponto alto de qualquer comparação entre as duas equipes vitoriosas é Sócrates, o Doutor que chegou para mudar o clube.

“Em 79, o nosso time era um time superior ao da Ponte. E em 77, a Ponte era, no conjunto, melhor que o nosso, o esquema era melhor. Ganhamos na raça e na vontade. Em 79, a gente já tinha um time mais técnico. A gente entrou consciente de que só perderíamos para nós mesmos e se déssemos vacilos”, afirma Wladimir. “A gente já tinha passado um alívio de ter ganho um título depois de tanto tempo. Em 79 era só a consagração de uma fase, de um momento. Nosso time era melhor. O Sócrates deu um toque de categoria, além de ser uma figura única como pessoa e como jogador de futebol”, completa.

E quando o atual time comandado por Fábio Carille entra na discussão, mais uma vez os ídolos aposentados concordam com qual das equipes campeãs nos anos 70 o Corinthians de hoje mais se parece.

“Me lembra mais o time de 77, porque a qualidade técnica de Ponte e Corinthians está nivelada, e hoje há um equilíbrio de forças. Em 79, o Corinthians era melhor tecnicamente, veio uma turma boa. Naquela época, em 77, nossa equipe era muito inferior à da Ponte”, opina Palhinha. “Parecia mais com o time de 77 mesmo”, confirma Wladimir.

Em seguida, porém, o ex-camisa 10 se cala por alguns segundos ao ser questionado se há algum jogador do atual elenco que jogue ao seu velho estilo. “Não, cada jogador tem seu estilo. A dupla que eu formei foi muito boa. Geraldão fez muitos gols. A gente deve muito ao Geraldão por 77. Em 79 eu tive a felicidade de formar dupla com o Sócrates”, comenta, sem arrogância.

O carrasco
Basílio será eternamente lembrado pelo gol da vitória corinthiana por 1 a 0 sobre a Ponte Preta no terceiro e último jogo das finais de 1977. Mas, talvez os ponte-pretanos tenham outro personagem como carrasco: Palhinha.

Prestes a completar 67 em Belo Horizonte, capital mineira, o ex-atacante também brilhou contra a Macaca naquela inesquecível decisão, apesar de ter ficado de fora do jogo do título. Foi com o famoso ‘gol de cara’ que Palhinha colocou o Timão em vantagem nas finais. Dois anos depois, era a chance de revanche para a Ponte. No entanto, Palhinha voltou a ser protagonista, com gols no primeiro e no terceiro confronto.

“Eu sou felizardo, principalmente contra a Ponte. No primeiro (jogo, em 1977) eu fiz aquele (gol) de rosto. Ali quebrou a praga. Na segunda partida eu tive uma distensão. Não pude jogar o terceiro jogo”, comenta, sem esconder sua frustração. “Deu uma tristeza muito grande, porque sempre tive a felicidade de fazer gols em finais, em jogos importantes, não só pelo Corinthians como também pelo Cruzeiro. Deu uma frustração. Queria estar lá de qualquer jeito”.

“Mas, faz parte. Fico feliz porque fomos campeões e porque na primeira final de 79 eu fiz gol no primeiro jogo, e, depois, eu fiz um e o Sócrates fez o outro (no terceiro jogo). Quem não gosta de mim é a torcida da Ponte”, brinca, admitindo de que tem pouco a reclamar.

A polêmica
Rui Rei foi o foco da maior polêmica durante a final entre Corinthians e Ponte Preta, em 1977. E como não podia deixar de ser, o Estadual de 79, que marcou o reencontro dos dois clubes alvinegros na briga pela taça, teve também a sua grande discórdia. Dessa vez, porém, fora de campo. Presidente corinthiano à época, Vicente Matheus se recusou a aceitar uma rodada dupla no Morumbi e levou, por meio da Justiça, as semifinais e as finais da competição para o ano seguinte, 1980.

“O Matheus deu uma sorte danada. Mirou em um lado e acertou do outro. Era fase de grupos, saiam dois times de cada grupo para as semifinais e tinha uma rodada dupla marcada para o Morumbi para 11 de novembro de 79. E aí o Matheus não quis entrar em campo para não dividir a renda. O Corinthians não entrou em campo, a discussão rolou na (a discussão) Justiça e, depois disso, ainda tiveram mais três rodadas. Quando acabou essa fase, ficou esse caso pendurado na Justiça e o campeonato só retomou no fim de janeiro”, explica o historiador Celso Unzelte.

O problema é que o Palmeiras, rival do Corinthians nas semifinais, acabou caindo de rendimento nesse meio tempo. Depois da eliminação no Derby, o assunto voltou à tona com muita reclamação pelo lado alviverde. Muitos acusaram Vicente Matheus de agir premeditadamente.

“Esse negócio de que o Corinthians parou o campeonato por isso é uma lenda muito grande. Não teve nada disso. Aquela rodada da discórdia era dia 11 de novembro de 79 e os grandes jogos do Palmeiras do Telê, que é quando o Palmeiras faz 5 a 1 no Santos, 5 a 1 na Portuguesa, 4 a 1 no Flamengo, no Rio… Toda essa sequência aconteceu entre 17 de novembro e 9 de dezembro, e a rodada dupla foi antes. Ele (Matheus) não queria mesmo era perder o dinheiro da renda e, por coincidência, o Corinthians deu sorte”, conclui Unzelte.

Confira as fichas técnicas das finais do Campeonato Paulista de 1979, que só terminou em 1980:

Corinthians 1 X 0 Ponte Preta

Data: 3 de fevereiro de 1980
Local: Estádio do Morumbi, São Paulo, SP
Horário: 17 horas
Público: 96 441
Renda: Cr$ 9 496 640
Árbitro: José de Assis Aragão
Gol: Palhinha, aos 20 minutos do 2T

Corinthians — Jairo; Zé Maria (Djalma), Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava, Biro-Biro e Palhinha (Basílio); Píter, Sócrates e Romeu Cambalhota. Técnico: Jorge Vieira.

Ponte Preta — Carlos; Toninho Oliveira, Juninho, Nenê e Odirlei; Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Osvaldo e João Paulo. Técnico: Zé Duarte.

Ponte Preta 0 X 0 Corinthians

Data: 6 de fevereiro de 1980
Local: Estádio do Morumbi, São Paulo, SP
Horário: 21 horas
Público: 77 219
Renda: Cr$ 8 764 070
Árbitro: José de Assis Aragão

Corinthians — Jairo; Zé Maria (Luís Cláudio), Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava, Biro-Biro e Sócrates; Píter, Palhinha (Basílio) e Romeu Cambalhota. Técnico: Jorge Vieira.

Ponte Preta — Carlos; Toninho Oliveira, Juninho, Nenê e Odirlei; Humberto, Marco Aurélio e Lola; Lúcio, Osvaldo e João Paulo. Técnico: Zé Duarte.

Ponte Preta 0 X 2 Corinthians

Data: 10 de fevereiro de 1980
Local: Estádio do Morumbi, São Paulo, SP
Horário: 17 horas
Público: 90 578
Renda: Cr$ 8 986 120
Árbitro: Romualdo Arppi Filho
Gols: Sócrates, aos 10, e Palhinha, aos 23 minutos do 2T

Corinthians — Jairo; Luís Cláudio, Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava, Biro-Biro e Palhinha; Píter (Basílio), Sócrates e Romeu Cambalhota (Vaguinho). Técnico: Jorge Vieira.

Ponte Preta — Carlos; Toninho Oliveira, Juninho, Nenê e Odirlei; Vanderlei, Marco Aurélio e Dicá (Humberto); Lúcio (Lola), Osvaldo e João Paulo. Técnico: Zé Duarte.