Frango de uma coxa, amizade e superação: conheça o São Paulo campeão da Taça BH - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
07/30/2016 11:00:49
 

Os garotos da equipe Sub-17 do São Paulo Futebol Clube fizeram história no último domingo. A equipe comandada pelo ex-zagueiro Orlando Ribeiro deu ao clube o título da Taça BH depois de 19 anos. Até então, o Tricolor só havia levantado o caneco na importante competição de base do país em 1987 e 1997, quando a disputa ainda era de jovens até 20 anos. Desde 1998, aliás, os meninos de Cotia não passavam das quartas de final. Mas, com uma goleada por 4 a 1 sobre o arquirrival Palmeiras no estádio Independência, no Horto, em Minas Gerais, todos esses números foram enterrados.

O título coroou uma campanha de sete jogos, com cinco vitórias e dois empates. Foram 22 marcados e 10 sofridos. A Gazeta Esportiva foi ao CT de Cotia, onde ficam concentradas todas as equipes de base do São Paulo, para ouvir alguns personagens que, em breve, podem se tornar os verdadeiros protagonistas do futebol brasileiro.

Além de gols e de tudo que já foi mostrado dentro das quatro linhas, chama a atenção as pequenas histórias que construíram a conquista são-paulina. Um exemplo é o fato dos times se concentrarem juntos antes e após os jogos, sem perderem o nível de respeito entre si.

“Nós ficamos a primeira fase no Sesc Muriaé. Ficamos com o Flamengo, que por sinal é uma equipe muito boa, disputamos dois jogos muito duros, e depois nós fomos para Venda Nova, onde estava o Palmeiras. Em Muriaé também chegou o Corinthians, depois. Até foi engraçado , porque no dia do jogo com o Palmeiras, os meninos almoçaram juntos”, conta o treinador Orlando, antes de ouvir os pedidos de seus comandados para explicar “a história do frango”.

“O frango é uma brincadeira dos meninos. Eles falavam que o frango só tinha uma coxa. Mas não era isso. Era só você pedir que eles traziam a outra coxa. Era uma brincadeira deles”, diz, meio sem graça, enquanto os garotos riam.

Esse clima descontraído e o ambiente de amizade são de fácil percepção mesmo depois de poucos minutos com os jovens campeões. Para Marquinhos Cipriano, melhor jogador e vice-artilheiro da Taça BH com cinco gols, esse foi o segredo do São Paulo.

“O que mais me marcou foi a união do grupo. A gente sempre alegre, sempre um incentivando o outro, o que um fazia de errado o outro corrigia pensando na melhora do grupo. E a gente foi sempre se ajudando. Isso foi essencial para começar a Taça BH bem e terminar como campeão”, opina o atacante, que recusou uma proposta do Atlético de Madrid pouco antes de levantar o troféu.

Marquinhos, ao lado do zagueiro Walce e do avante Danilo, passará por um período de testes com a Seleção Brasileira Sub-17 de 6 a 11 de agosto, na Granja Comary, no Rio de Janeiro.

“Eu soube da convocação um dia antes da final. Fiquei muito feliz. Até falei para minha mãe, fiquei mais feliz do que da primeira vez que eu fui, porque é muito importante ser convocado aqui pelo São Paulo Futebol Clube. Espero chegar lá e dar o meu máximo nos treinos”, conta Marquinhos, com cara de moleque, aparelho nos dentes, mas já preparado para sua segunda estadia com a amarelinha.

Voltando ao feito da equipe em Minas Gerais, um caso que envolveu três jogadores e refletiu em momentos individuais bem distintos pode explicar melhor a força do grupo comandado por Orlando Ribeiro. A lesão de um atleta forçou a convocação repentina do zagueiro Miguel, que nem sequer estava com a delegação. Em seguida, o cartão amarelo recebido por Diego, também zagueiro e capitão do time, fez com que Miguel ficasse encarregado de entrar em campo justamente e somente na grande decisão.

O capitão Diego (à dir.) não pôde jogar a final e Miguel (à esq.), que nem estava com o grupo desde o início, acabou atuando só na decisão (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
O capitão Diego (à dir.) não pôde jogar a final e Miguel (à esq.), que nem estava com o grupo desde o início, acabou atuando só na decisão (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Foi difícil, porque a gente chegou na final e ficar fora nunca é bom. Mas, o grupo é bom, tanto que o Miguel, que nem foi convocado entre os 20, foi para lá. Conversei com ele, dei umas dicas, falei que o grupo estava com ele. Ele tinha se preparado, tinha treinado. Entrou e deu conta do recado”, comenta Diego, que mesmo fora de campo terminou ao final rouco.

“Foi muito horrível ficar de fora. Ficar de fora é muito ruim, ainda mais em uma final, em um clássico paulista. Eu tentava orientar, gritava, mas eles não ouviam, porque era muito longe. De toda forma eu tentava ajudar, passar tranquilidade para quem estava em campo. Ficava puto, tentava gritar mais alto. Teve momentos que consegui falar com o Thiago (goleiro)”, completa.

Por outro lado, Miguel teve de encarar a missão mais complicada de sua curta carreira. “Foi, sim, com certeza. Ainda mais porque é uma categoria acima da minha. Foi um dos jogos que eu fiquei mais tendo. Tentei segurar, mas foi difícil”, revela. “Eu estava aqui treinando com o Sub-19 e, assim que acabou o treino, eu tive a notícia pelo preparador físico, o Pedrão, que tinha machucado um atleta nosso, o Eduardo, e eu teria de ir para BH para participar do grupo lá, porque estava faltando um atleta”.

“Eu tenho que abranger não só o grupo. Tenho que abranger Cotia. É interessante porque nós tínhamos 25 inscritos e ficaram cinco aqui, além de mais quatro ou cinco que não foram nem inscritos e também ficaram treinando, justamente para caso acontecesse uma situação dessa. Foi tudo planejado”, diz, orgulhoso, o técnico.

A Taça BH foi mesmo especial para cada são-paulino que participou da edição deste ano. E antes da goleada na final, a equipe passou por verdadeiros testes para cardíacos. O primeiro deles, nas quartas de final, quando, para o treinador, o time provou que estava preparado para crescer na competição.

Ex-zagueiro, o técnico Orlando Ribeiro também levou a equipe Sub-17 do São Paulo ao título Paulista de 2014 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Ex-zagueiro, o técnico Orlando Ribeiro também levou a equipe Sub-17 do São Paulo ao título Paulista de 2014 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Acho que o jogo que nos mostrou que poderíamos chegar foi contra o Paraná Clube. Foi um jogo em que tivemos muitas dificuldades. Nós tivemos de colocar ali, em prova, teste de resistência, alguns itens que nós sabemos que precisamos corrigir para a sequência do ano, da vida deles, e o Paraná nos exigiu muito. Então, quando nós chegamos para encarar o Flamengo, chegamos mais confiantes”, cita Orlando.

O Flamengo, no entanto, trouxe mais dramaticidade ainda à campanha. Depois de um empate por 2 a 2 na primeira fase, os dois times repetiram o placar para definir o finalista. E ai foi a vez do goleiro Thiago Couto brilhar. Ele, que já havia defendido um pênalti no primeiro duelo, pegou mais dois na semifinal e se tornou no grande carrasco dos cariocas.

“Foi espetacular. Foi uma noite muito especial para mim. Dois pênaltis e classificar para a final. Eu tinha treinado bastante. Fiquei muito feliz. O pessoal também me ajudou bastante”, ressalta o arqueiro, lembrando a relação construída fora de campo com os flamenguistas. “Na primeira fase a gente ficou no mesmo grupo que eles. A gente estava no mesmo hotel e estávamos até em um convívio bom ali. Mas, antes do jogo, porque depois do jogo é outra coisa, cada um do seu lado. Fora de campo fizemos uma amizade boa, mas, dentro de campo não dá, né?”, brincou, aos risos.

Em dois jogos contra o Flamengo, o goleiro Thiago Couto defendeu três pênaltis (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Em dois jogos contra o Flamengo, o goleiro Thiago Couto defendeu três pênaltis (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

A rivalidade dentro de campo, no entanto, não se sobrepôs ao espírito esportivo. A prova disso veio após o sacramento do título, quando os jogadores palmeirenses formaram um corredor e aplaudiram os campeões, que se perfilaram para buscar suas medalhas e o tão sonhado troféu. O ato não estava programado e surpreendeu até mesmo ao experiente comandante tricolor.

“Nós não sabíamos disso, não sei se já tinham planejado. Só posso dizer que foi muito bem aceito, o Palmeiras acabou valorizando o nosso título, é uma boa equipe, e isso daí nos deixou lisonjeados. Nós temos de dar os parabéns a eles pela atitude, pelo exemplo. Nós estamos precisando de bons exemplos e o Palmeiras foi sensacional”, valoriza Orlando, enfático quando questionado se enxerga possibilidade de repetição entre os profissionais.

“Acredito que sim. É questão de boa vontade. Nós somos adversários. Nós almoçamos juntos no Sesc. Nós éramos adversários ali, não inimigos. Pelo que eu entendi, eles acharam que nossa equipe foi melhor e aplaudiram os melhores. Como eu havia falado nos vestiários, não adiantava a gente fazer um jogo desorganizado, com pontapé, porque nós tínhamos um adversário. E se eles merecessem ser campeões, não digo para você que eu teria essa mesma ideia, mas, me deixou muito feliz e, se precisar fazer uma outra vez, eu vou fazer a mesma coisa”, garante.

Campanha do São Paulo na Taça BH Sub-17:

7 Jogos
22 gols marcados
10 gols sofridos

Primeira fase
Flamengo 2 x 2 São Paulo
São Paulo 5 x 2 Porto Vitória
Nacional-MG 0 x 3 São Paulo

Oitavas de final
Atlético-PR 2 x 3 São Paulo

Quartas de final
São Paulo 3 x 1 Paraná

Semifinal
Flamengo 2 (3) x (4) 2 São Paulo

Final
São Paulo 4 x 1 Palmeiras