Do tamanho do sonho - Gazeta Esportiva
Felipe Leite
São Paulo, SP
02/19/2019 08:25:38
 

Momentos antes da câmera ser ligada e a entrevista estar rolando oficialmente, Bia Haddad começou a conversar com a reportagem da Gazeta Esportiva, no mesmo dia em que participou de ação social ao lado de crianças do Instituto Próxima Geração. Deixando a pressão de ser a número 1 do Brasil no tênis feminino de lado, a jovem de somente 22 anos não tirava o sorriso do rosto ao contar sobre as experiências na Colômbia, onde fez parte do grupo campeão do Zonal Americano da Fed Cup.

Relembrando as sessões de violão e muita conversa nos bastidores da conquista, a paulistana fazia questão de tentar lembrar a letra da música-tema do filme “Nasce uma Estrela“, um de seus favoritos. A leveza ali demonstrada contrapõe com as próprias experiências de Bia como jogadora brasileira de tênis. “A partir do momento que uma pessoa quer criticar, eu acho isso muito legal, desde que seja construtivo. Ao invés dessa pessoa me xingar, podia me ajudar e dizer aonde eu posso melhorar. Isso que vai fazer o Brasil melhor no esporte e evoluir, e não querer que outro perca para que possa falar: ‘ah, eu sabia que ia perder’. Eu acabo nem lendo comentários bons, para não ter que ver os ruins”, afirmou.

No entanto, de acordo com a própria atleta, isso não será problema para o grande futuro à frente. Do tamanho de seu sonho – de ser a número 1 do esporte e vencer ao menos um título de Grand Slam -, Bia Haddad mostrou consciência ímpar ao reconhecer que ainda precisa melhorar muito como tenista e, além disso, analisar o problema estrutural do tênis brasileiro.

Bons resultados recentes do Brasil no tênis

“Eu sempre acreditei muito no nosso talento, temos bons atletas. O Rogerinho é um exemplo de pessoa que sempre se superou muito, que tem certa idade, mas segue no topo do tênis. O Thiago é um cara mais novo, deve jogar por mais 10 anos contra caras de alto nível. E a gente na Fed agora… até aconteceu uma coisa engraçada que, de todas as meninas que jogaram na competição, a mais velha tinha 22 anos, que no caso era eu e a Carol Meligeni (risos). É um time que podemos ver que, pelos próximos 10 anos, pode estar ainda disputando o circuito. É algo que podemos esperar para o futuro.”

Isso evidencia a renovação?

“A maior diferença é nos juvenis. As crianças poderem ter acesso a esses jogadores que estão no topo… quando eu era nova e assistia ao Guga e ao Fernando Meligeni, isso me ajudou muito, me deixou com aquela fome de ser que nem eles.”

Só da gente estar tendo esse contato mais próximo com os mais jovens, dos juvenis verem que nós profissionais somos pessoas normais… acho que esses espacinhos vão somando e deixando a gente mais confiante

Classificação na Fed Cup

“Foi um resultado excelente. A equipe ficou muito unida, sempre estávamos nos apoiando. De todas as Fed Cup’s que eu disputei, eu nunca havia sentido a energia que senti dessa vez. Recebemos mensagens de pessoas que sequer assistiram ao torneio, dizendo que nossa energia estava boa, acompanhando pelo Instagram, Facebook. Acho que isso foi o principal motivo pelo qual conseguimos o título. Na hora que você está vibrando, tem o break-point, é a energia que tá lá no fundo e o coração que faz a diferença. Na Fed, é gritaria, o pessoal canta, vibra… jogamos uma partida duríssima contra a Argentina, de mais de três horas e, depois de vinte minutos, teríamos que jogar pelas duplas. Então tem que ter a cabeça tranquila e pés no chão, pensar que é uma maratona de jogos e ainda assim ficar tranquila. Estávamos o tempo todo juntas: fora da quadra, a gente se unia no final do dia para tocar violão e ficar conversando, dando risada, e isso que fez a diferença.”

Bastidores da conquista

“Normalmente, não é fácil. Você compartilhar o quarto, estar com as pessoas que têm os mesmos hábitos e costumes que você, e dividir isso numa semana, acaba sendo muito intenso. A amizade que existe entre nós quatro, mais toda a equipe técnica e comissão física, fez muita diferença. O lado de fora da quadra, ás vezes, pesa tanto quanto o jogo.”

Percepção dos torcedores brasileiros que o tênis nacional caiu de qualidade

“Da mesma maneira que eu jogo, eu também acompanho o Rogerinho, o Thiago, o Bellucci, enfim, todos os craques que nós temos. Eu sei o quanto é duro a gente estar nesse circuito, e também sei o quanto é fácil as pessoas julgarem. É muito fácil, hoje, ir no Instagram, criar uma página e falar que o Bellucci amarelou em um jogo. Isso não agrega em nada. O povo adora torcer para os brasileiros, mas só gosta mesmo quando está ganhando. Quando está perdendo, nós temos que aceitar, temos que saber o porquê das coisas. A partir do momento que uma pessoa quer criticar, eu acho isso muito legal, desde que seja construtivo. Ao invés dessa pessoa me xingar, podia me ajudar e dizer aonde eu posso melhorar. Isso que vai fazer o Brasil melhor no esporte e evoluir, e não querer que outro perca para que possa falar: ‘ah, eu sabia que ia perder’. Eu acabo nem lendo comentários bons, para não ter que ver os ruins. Foco no meu objetivo e me fecho nisso, mas acho que temos excelentes jogadores. Vou pegar o exemplo do Bellucci: já foi número 20 do mundo, e hoje está passando dificuldade de se soltar e pode estar tendo problemas pessoais que acabam refletindo na quadra. Temos o Thiago, que está melhorando. Nas meninas, temos a Carol (Meligeni), que evoluiu demais o nível de tênis, a Thaisa, que treinou conosco na Fed Cup, a Gabi, Paulinha… e não é fácil, o circuito é muito difícil. O nível de tênis que é jogado no exterior é absurdo. A escola, formação deles, hoje, é um pouco à frente da nossa. Temos que entender que tudo tem seu tempo.”

Não adianta querer que um brasileiro de 18 anos vença um ATP, como aconteceu na Austrália – nós temos que viver o nosso processo. O importante é sempre estar vendo o que podemos melhorar

“Eu acho que o principal, no tênis, é essa parte do foco e da concentração. Você poder aproveitar os momentos de importância do jogo. A parte psicológica, para o atleta, entra por esse lado. O brasileiro já tem uma expectativa de que nós mesmos não temos confiança no nosso jogo. Ás vezes, algum jogador brasileiro vai entrar em quadra e você ouve: ‘ah não, esse daí vai perder o jogo’. Já tem uma coisa formulada na cabeça das pessoas que não leva a nada. Para mim, sempre busquei trabalhar bem a cabeça. Acho que é fundamental pensar mais positivo, no geral.”

Sensação de ser a número 1 do Brasil no ranking da WTA

“Fico muito feliz de poder ser a número 1 do Brasil, de poder representar um país que tem muita gente que sonha estar onde estou hoje. Mas, ao mesmo tempo, tenho um pé atrás que fala: ‘cara, da minha idade e do nível do meu tênis, existem no mínimo 20 lá fora’. Para mim, é normal. Desde os quatro anos eu jogo tênis e meu sonho foi estar entre as melhores do mundo. É um sonho muito maior da onde eu estou hoje. Fico feliz com o trabalho, mas tudo isso é um processo. Independentemente de eu ser a número 1, gosto muito de ver as outras jogadoras para conseguir melhorar o meu jogo estar cada vez melhor. Eu também sempre torço muito para as brasileiras estarem comigo. Quanto mais meninas tivermos, quanto mais Fed Cup’s a gente jogar juntas, quanto mais informação podermos trocar e estar junto, acho que ajuda. É isso que vai fazer as crianças, os jovens, enfim, todo mundo querer mais para o tênis.”

Qual é a sua inspiração?

“Em primeiro lugar, meus avós. Tanto por parte de pai, do basquete, quanto por parte de mãe, do tênis, eles sempre praticaram esporte e é algo que eu faço também desde pequenininha. Quando eu estou em um torneio, ou entrando em uma quadra grande, ou quando sinto que uma semana pode ser boa, eu sempre lembro de onde eu comecei, de quem me inspirou e me fez estar aqui hoje.”

Acho que, dentro de quadra, minha referência desde pequena é o Guga, cresci escutando o nome dele. Maria Esther (Bueno) também, que abriu as portas do tênis para o Brasil

E qual a expectativa para o futuro?

“Para um futuro próximo, nesse ano, quero estar com 100% de saúde e disputando torneios grandes. Estar um pouco melhor para entrar nos Grand Slams, mesmo que seja no qualifying. Para um futuro ‘médio’, quero estar entre as 20 melhores do mundo, dentro dos próximos cinco anos mais ou menos. E, até o final da minha carreira, tenho o sonho de, além de ser número 1 do mundo, ter uma vitória de Grand Slam. Também quero poder ajudar pessoas através do tênis. Poder passar as portas abertas que o tênis abre, estar em quadra com a crianças e passar isso para elas…”