Dorival se arrepende de postura contra Audax e vislumbra Seleção de base - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
Santos - SP
05/14/2016 09:00:12
 

É difícil entender o que se passa na cabeça de um treinador de futebol que precisa antever um jogo, uma situação controversa, pensar na sua equipe, tudo sobre imensa pressão pelo resultado, que se não vir terá reflexos imediatos sobre este profissional tão valorizado e também tão injustiçado. No último domingo, Dorival Júnior se viu em uma situação talvez inédita em sua carreira e sua cabeça nunca se preencheu de tantas incertezas.

Em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva, o treinador, que é chamado de Pep Guardiola pelos próprios comandados, explica a postura passiva do Santos diante do Osasco Audax na grande final do Campeonato Paulista e, apesar de curtir os louros de mais uma conquista, admite que doeu ir contra sua filosofia de trabalho em razão de um objetivo maior.

“Se você me colocar assim: Faria de novo? Eu sou sincero com você. Não sei se faria”, revela. “Eu dificilmente farei novamente, porque eu não sei ver a minha equipe sendo atacada com tanta frequência como foi. Eu poderia ter tido até um outro resultado, mas estando com a equipe dentro de uma normalidade”, complementa, com ar intrigado e confuso.

Mas, nem mesmo os 67% de posse de bola da equipe de Fernando Diniz podem apagar o trabalho do técnico de 54 anos a frente do Peixe. Depois de erguer as taças do Paulista e da Copa do Brasil em 2010, ele voltou ano passado para arrancar o clube da zona do rebaixamento e leva-lo à briga pelo G4 no Brasileirão, sentir a dor do vice na Copa do Brasil, até chegar ao Bi-Estadual no último fim de semana.

“Essa equipe não é uma equipe campeã. Ela é uma equipe vencedora. Porque uma equipe campeã ganha uma competição e ela se perde com o tempo”, afirma, sem esconder que o elenco deve sofrer mudanças em breve. “Nós temos que dar uma enxugada no nosso grupo. É natural que isso venha a acontecer, até para que possamos abrir possibilidades para que novos valores possam chegar”.

Dorival Júnior reconheceu a superioridade do Audax nas finais do Campeonato Paulista (Foto: Gazeta Press)
Dorival Júnior reconheceu a superioridade do Audax nas finais do Campeonato Paulista (Foto: Gazeta Press)

Neste sábado, às 18h30 (horário de Brasília), Dorival Júnior vira a página e dá início a missão de colocar o Santos, após oitos anos, na briga pelo título da principal competição do país. Nem por isso, ele faz projeções. “Você tem 12, 13 equipes em condições teóricas de ser a equipe campeã. Porém, dentro dessas 12 ou 13, você pode ter uma das possíveis rebaixadas”, exemplifica.

Volante nas décadas de 80 e 90, Júnior, como era conhecido quando calçava chuteiras, quer “de três a quatro reforços” para ter um elenco capaz de vislumbrar voos altos ainda nesta temporada e já se preocupa com o fato de perder suas principais estrelas para a Seleção Brasileira.

No entanto, a CBF, que hoje traz problemas ao treinador, é também o seu grande sonho, sem qualquer tipo de obsessão, como ordena as características de Dorival. Trabalhar com as promessas do futebol brasileiro na base da Seleção tem se tornado um objetivo cada vez mais palpável. “Para mim seria um trabalho prazeroso. Tem uma identificação com a minha maneira de trabalhar. Eu gosto disso e acho que estaria preparado”, avisa.

Nem mesmo a situação conflituosa de dirigentes e ex-membros da cúpula que comanda o esporte mais popular do Brasil faria Dorival declinar a um convite. Isso não quer dizer que o técnico santista esteja alheio aos acontecimentos. Aliás, Dorival não fala apenas de futebol e dá seu pitaco sobre um momento conturbado, e não menos histórica, no qual passa a política do país.

“Eu enalteço o trabalho da Polícia Federal, na figura do juiz Sérgio Moro, por tudo que tem feito pelo país. Acho que é uma equipe maravilhosa por trás de um grande homem que está nos dando condições de iniciar uma limpeza geral em um país que vem sendo muito mal dirigido e castigado nos últimos anos”, opina.

Leia entrevista completa com o técnico do Santos Futebol Clube, Dorival Júnior:

Você está mais leve com o título do Campeonato Paulista?

Dorival:Olha, não sei se mais leve assim. Logicamente que feliz, não no sentido da conquista, mas muito mais pelo trabalho que começa a encontrar um caminho. Pelos jogadores que estão percebendo que essas mudanças que eles mesmos tiveram começa a confirmar uma condição de uma equipe como o Santos, que em um ano e quatro meses pôde estar brigando por títulos. Essa equipe não é uma equipe campeã. Ela é uma equipe vencedora. Porque uma equipe campeã ganha uma competição e ela se perde com o tempo. E uma equipe vencedora disputando três finais em um ano e quatro meses, como nós. Já se mostra com uma outra cara. Nesse sentido sim é uma satisfação muito grande para nós. Eu me sinto muito mais motivado.

Muito se falou sobre a postura do Santos na final. Diante da sua filosofia de trabalho, te doeu dar aquele tipo de orientação ao seu time?

Dorival:O grande problema é que nós perdemos um pouco a nossa transição de jogo. Por quê? Na nossa retomada de bola nós teríamos de ter a mesma condição que nós tivemos no momento do gol. Aquilo sim foi trabalhado, foi treinado. Nós fomos treinados para aquela situação. E, de repente, ao longo do período de 90 minutos nós exploramos muito pouco esse tipo de situação. Então, isso sim marcou muito, porque já era um jogo desenhado com essa característica. Se você me colocar assim: Faria de novo? Eu sou sincero com você. Não sei se faria. Porque o tempo de treinamento é mínimo, você não consegue uma readaptação da equipe e foi um risco de, de repente, você ver tudo aquilo que havia trabalhado ao longo do tempo. Uma mudança brusca assim você tem de repensar para ver se você repete esse tipo de situação. Eu dificilmente farei novamente, porque eu não sei ver a minha equipe sendo atacada com tanta frequência como foi. Eu poderia ter tido até um outro resultado, mas estando com a equipe dentro de uma normalidade.
Ainda que eu entenda, principalmente na segunda partida, que nós estávamos com dois jogadores (Lucas Lima e Ricardo Oliveira) que ficaram a semana toda em tratamento e foram apenas para o jogo. E é natural que isso tirou um pouco a nossa condição de poder estar a todo momento pressionando, jogando com a linha alta, sempre no campo do adversário, como nós fizemos em todo o campeonato e no ano passado.

O Paulistão desse ano foi o terceiro título que Dorival Júnior ganhou a frente da equipe santista (Foto: Gazeta Press)
O Paulistão desse ano foi o terceiro título que Dorival Júnior ganhou a frente da equipe santista (Foto: Gazeta Press)

Você acredita que uma derrota poderia colocar seu cargo em risco?

Dorival:Isso eu não sei. Futebol brasileiro você convive com resultados da quarta e do domingo. Não sei se um dia nós vamos mudar essa concepção. A grande realidade é que no Brasil a segunda colocação é pior do que a penúltima e a última do mesmo campeonato. E é natural que muita coisa possa vir a acontecer a partir de um resultado como esse (derrota).

Falando de Brasileirão, o Santos não tem iniciado bem as últimas edições. Você já identificou o motivo disso?

Dorival:É difícil falar qualquer coisa nesse sentido. Até porque eu vi um dado hoje também de que nesses últimos anos o campeão Brasileiro não necessariamente tenha sido o campeão Estadual. Isso é um fato que chama a atenção. Então, é difícil explicar algumas coisas. Eu prefiro esperar começar o campeonato para que observemos até o nível da competição e, a partir daí, analisar o rendimento da nossa equipe.

Renato e David Braz admitiram que os atletas conversam sobre quem deve sair do clube. Essas conversas chegam a você no vestiário?

Dorival:Nós temos que dar uma enxugada no nosso grupo. É natural que isso venha a acontecer, até para que possamos abrir possibilidades para que novos valores possam chegar. Eu confio muito nesse grupo que eu tenho. Natural que teremos uma perda considerável. Se por um lado é prazeroso e importante para um clube ter três atletas em uma seleção brasileira, no dia a dia aqui nós vamos sentir muito a ausência desses jogadores. E até que tenhamos uma reposição rápida dificilmente encontraremos um caminho de equilíbrio tão curto assim em razão deles estarem como titulares da equipe há muito tempo. Segundo, eu acho que o próprio jogador sente algumas situações. Não chega à comissão técnica. Até porque são conversas entre eles e que às vezes a gente procura ficar um pouco de lado. Mas, é normal que isso venha a acontecer. Cabe até ao próprio elenco saber que um grupo muitas vezes precisa ser enxertado, mudado, uma oxigenação aconteça para que alguns resultados, lá na frente, possam ser alcançados.

Está claro que o Santos precisa de reforços. Mas, de quantos?

Dorival:Nós temos dois jogadores confirmados, que é o (Fabian) Noguera e o Rodrigão. Aguardamos pela definição de outros nomes. Eu espero entre três ou quatro jogadores que venham e possam melhorar as qualidades e condições do nosso grupo.

Entre os reforços confirmados, Fabian Noguera e Rodrigão, e os que podem chegar, Yuri, Jonathan Copete e Marlos Moreno, quais são indicações suas?

Dorival:Apenas o Noguera foi aquela condição inicial. Foi contratado no começo do ano e me foi comunicada a contratação. Em relação ao demais, todos eles nós estamos conversando, levantando dados, possibilidades, estreitando relações, logicamente sempre adequando as negociações. Pode acontecer, não acontecer, mas a minha obrigação é ir apresentando nomes ao presidente para que ele possa ter um leque aberto de opções.

Qual foi o teor de sua conversa com ao pé do ouvido do Yuri, volante do Audax, na final do Paulistão?

Dorival:Eu falei que agradava muito a maneira como ele jogava. Eu o acompanhei ao longo do campeonato. Disse que ele é um jogador que apresenta qualidades que eu gosto em um profissional, mas que eu não conversaria nada até o momento que finalizássemos o campeonato. Caso ele não tivesse nenhum clube interessado, eu disse que o Santos provavelmente, após a competição, faria um contato com ele. Não sei como andam as negociações, até porque ai é uma área que eu não gostaria de entrar.

O presidente Modesto Roma Jr garante que Dorival será o técnico do Santos até o fim de seu mandato (Foto: Ivan Storti)
O presidente Modesto Roma Jr garante que Dorival será o técnico do Santos até o fim de seu mandato (Foto: Ivan Storti)

É muito difícil falar em favoritismo no Brasileirão. Mas, existe alguma meta traçada para o Santos esse ano?

Dorival:Eu nunca faço previsão. Eu nunca faço contas. Eu prefiro trabalhar com rodada a rodada, sentindo a evolução da equipe dentro do campeonato, porque acho que não tem como você fazer isso em um campeonato que, na abertura dele, você tem 12, 13 equipes em condições teóricas de ser a equipe campeã. Porém, dentro dessas 12 ou 13 você pode ter uma das possíveis rebaixadas. Então, você não tem como fazer previsão nenhuma. Você tem que tomar muito cuidado porque esse campeonato é muito traiçoeiro.

O Santos tem um aproveitamento de 89% dos pontos disputados na Vila Belmiro sob seu comando. A que se deve número absurdo positivamente?

Dorival:Era um dado que nem passava na minha cabeça. Eu nem sabia. Fico feliz com isso. Não sei. Está tendo uma sintonia gostosa (risos). Mas é legal saber desse detalhe, porque dificilmente uma marca como essa é alcançada, é atingida, enfim, mas eu fico contente porque é um número que significa muito para mim hoje, analisando friamente. Não que ele tenha tanta importância, mas é importante. É um dado que mostra a evolução de um trabalho de uma equipe e acima de tudo uma regularidade alcançada dentro do nosso campo. Vamos ver se fechamos isso com os resultados também fora dele.

Seu nome começa a ganhar força quando o assunto é Seleção Brasileira, principalmente para as equipes de base, por causa de seu histórico de trabalho com garotos. Já chegou algo a você? Como você recebe isso?

Dorival:Olha, recebo com muita tranquilidade. Porque, assim, eu acho que tu vai acontecer no momento certo. Eu respeito muito os profissionais que estão a minha frente e que momentaneamente sejam os profissionais ligados a, no caso específico da pergunta, Seleção. Eu sempre olhei por esse lado. Na minha carreira, eu nunca atropelei ninguém, nunca tentei tirar o espaço de ninguém. Fico feliz, sim. Seria um objetivo meu de carreira um dia poder ter a possibilidade de um trabalho como esse, desde que um trabalho que me desse tempo para maturar uma equipe. Do contrário, não.
Eu tenho uma ligação, desde a minha primeira equipe no profissional, que foi o Figueirense, onde nós demos uma oportunidade ali para cinco ou seis jogadores que se destacaram dentro do país e do mundo. É um trabalho que marca muito porque você dá oportunidade a um garoto que tem uma ligação com o clube. Eu não vejo por que de ter trabalhos tão fortes nas categorias de base se você não valoriza aquilo.
Agora, se você me perguntar: teria como objetivo? Eu teria, sim, de um dia poder estar a frente de Seleções de base. Para mim seria um trabalho prazeroso. Tem uma identificação com a minha maneira de trabalhar. Eu gosto disso e acho que estaria preparado e poderia ser importante contribuir para o meu país dessa forma. Mas, tudo vai acontecer no momento certo, sem que se atropele ninguém.

Você é um técnico antenado e politizado. A situação caótica dos dirigentes da CBF poderia fazer com que você declinasse a um convite?

Dorival:Eu não tenho como avaliar situações políticas dentro de um clube nem tão pouco dentro da CBF. Logicamente que eu respeito toda e qualquer situação. A minha preocupação será sempre com o trabalho de campo e de bastidores. Fora isso, eu pouco me importaria com qualquer tipo de situação. Até porque meu trabalho estaria condicionado a um cargo de confiança daquele que seria o presidente, porém, alheio a qualquer lado político da entidade que fosse, da equipe que fosse. Eu procuro ter o menor envolvimento possível nesse tipo de situação. Nada me importaria. Eu não vejo uma ligação direta: cargo e representatividade de uma figura. Para mim o que seria importante é eu poder ter condições de trabalho. Sendo assim, eu estaria alheio a esse tipo de situação, mesmo entendo que, pelo momento que o país está vivendo, acho que todas as possibilidades possíveis de nós passarmos o Brasil a limpo seriam fundamentais que acontecessem.
E eu enalteço o trabalho da Polícia Federal, na figura do juiz Sérgio Moro, por tudo que tem feito pelo país. Acho que é uma equipe maravilhosa por trás de um grande homem que está nos dando condições de iniciar uma limpeza geral em um país que vem sendo muito mal dirigido e castigado nos últimos anos.

E você acredita que os desdobramentos recentes na política nacional, principalmente em Brasília, pode ter algum reflexo no futebol?

Dorival:É uma limpeza necessária em todas as áreas, em todo campo de atuação. E o futebol não pode deixar de ser visto dessa forma. Nós precisamos de pessoas de bem, que estejam interessadas em dirigir e trabalhar pelo futebol. E não que o futebol trabalhe para essas pessoas. Do contrário acho que perderíamos essa condição. O futebol vem sendo muito castigado com clubes, com federações, com o próprio pessoal que ficou a frente da CBF. Esse grupo de trabalho que está lá dentro está querendo fazer alguma coisa nova. Isso daí tem que ser mostrado também. Alguma coisa está sendo apresentada e estão tendo interesse em querer mudar. Estão chamando muitas pessoas para serem ouvidas para que, daqui a pouco, algumas posições sejam tomadas para uma melhora do futebol brasileiro. Eu acho que é um fato importante. É um acontecimento novo em um país que vive de uma mesmice há muito tempo.