“Uma história dolorosa”: os boxeadores afegãos exilados na Sérvia - Gazeta Esportiva
“Uma história dolorosa”: os boxeadores afegãos exilados na Sérvia

“Uma história dolorosa”: os boxeadores afegãos exilados na Sérvia

Gazeta Esportiva

Por AFP

03/12/2021 às 17:06

São Paulo, SP

Subir no ringue nunca foi fácil, e menos ainda em uma zona de guerra. Mas, hoje, o boxeador afegão Hasib Malikzada enfrenta seu rival mais imprevisível, a incerteza de uma vida em busca de asilo longe de seu lar.

O campeão peso leve do Afeganistão está bloqueado junto de outros compatriotas na Sérvia, que se recusam a retornar depois de participar, no mês passado, do Campeonato Mundial da Associação Internacional de Boxe (AIBA) em Belgrado.

Desde a chegada ao país dos Bálcãs, os 11 pugilistas da seleção nacional afegã, acompanhados de dois dirigentes, pulam de um hotel para o outro e, às vezes, conseguem uma academia para treinar. Mesmo diante dessas dificuldades, a Sérvia parece um oásis de tranquilidade em comparação com o que vivenciaram nos últimos tempos.

Boxeadores afegãos antes de treinamento na Sérvia (Foto: Andrej Isakovic/AFP)


“Quando os talibãs chegaram [...] não pudemos mais praticar o boxe”, conta à AFP Malikzada, de 19 anos, em um hotel da periferia de Belgrado. Pouco depois da queda do governo apoiado pelos Estados Unidos em agosto, sua academia em Cabul fechou as portas.

Para o jovem atleta, a vida no Afeganistão se tornou insustentável. Ele teme, inclusive, represálias contra sua família por suas relações com o governo deposto.

Além disso, explica que seus irmãos participaram da pequena resistência contra os talibãs no vale de Panjshir, a nordeste de Cabul, junto de soldados do governo anterior e milicianos. “Se os talibãs nos encontrarem, eles vão nos matar”, afirma.

De acordo com as estimativas, centenas de milhares de afegãos fugiram nos últimos meses da perseguição e da devastação econômica no país, se juntando às ondas migratórias internacionais.

Fuga do estresse

Para Malikzada e seus companheiros, o boxe era um refúgio durante os piores momentos da ocupação americana do Afeganistão. A academia era o lugar onde a violência se restringia aos rounds e categorias de peso, submetida a regras e equipamentos de proteção.

“O boxe renova o espírito, o corpo e também a saúde”, explica o peso pesado Tawfiqullah Sulaimani, de 20 anos.

O boxeador Tawfiqullah Sulaimani (Foto: Andrej Isakovic/AFP)


Depois da tomada de poder pelos talibãs, a equipe continuou treinando em sigilo. Para chegar a Belgrado, os atletas partiram separadamente, através da fronteira com o Irã, para não chamar a atenção. Mais tarde, em Teerã, conseguiram os vistos para a Sérvia.

Depois de quatro dias de viagem e sem dormir, chegaram justo a tempo de participar dos Mundiais, nos quais tiveram “bons resultados”, apesar do estresse. “Não tínhamos dormido, mas fizemos boas apresentações”, assinala Waheedullah Hameedi, de 24 anos, secretário-geral da Federação Afegã de Boxe.

Sobre Hameedi repousa grande parte do futuro dos boxeadores. Enquanto seus compatriotas treinam, ele se dedica a enviar mensagens para seus contatos por todo o mundo com a esperança de que alguém possa ajudá-los.

O dirigente viveu de perto a brutalidade dos talibãs. Em 2019, seu pai, que também era cartola, foi assassinado por ter admitido boxeadoras, segundo conta à AFP.

“Advertências”

“Recebi muitas advertências”, confessa, ao acrescentar que foi aconselhado a não regressar ao Afeganistão.

Durante o primeiro regime talibã nos anos 1990, o boxe foi proibido por “ser contrário à dignidade humana”. Atualmente, não há qualquer decisão oficial sobre o futuro dos esportes no país.

Afegãos durante treinamento na capital sérvia (Foto: Andrej Isakovic/AFP)


Recentemente, dezenas de atletas afegãos fugiram, em especial as equipes femininas de futebol e basquete, o que suscitou a ira dos talibãs.

“Espero que todos os responsáveis de federações que ainda estão no exterior retornem ao país para viver conosco”, disse Nazar Mohammad Motmaeen, o responsável de esportes nomeado pelos talibãs.

Hameedi, por sua vez, reconhece que a vida no exílio não é fácil: “É uma história dolorosa, ninguém quer deixar seu país”.

Conteúdo Patrocinado