Quando o Brasil se curvou ao Guarani - Gazeta Esportiva
Luca Castilho*
São Paulo
08/13/2018 09:00:19
 

No dia 13 de agosto de 1978, o Guarani venceu o Palmeiras por 1 a 0, no Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, e conquistou o título do Campeonato Brasileiro da Série A daquele ano. Exatamente 40 anos após a conquista, o time do interior paulista ainda ostenta a marca de ser o primeiro e único campeão do interior do País a vencer a maior competição nacional.

Naquela edição do Brasileiro, o número de participantes foi ampliado para 74. O formato do campeonato era muito diferente do disputado hoje em dia. Para o triunfo, o clube precisou passar por três fases de grupo, além dos mata-matas, que contavam com quartas, semifinais e finais.

Ricardo Chuffi havia acabado de assumir a presidência do Guarani e via a Ponte Preta, rival local, com nomes de peso no elenco, como Dicá e Oscar. Com pouco dinheiro em caixa, o Bugre contratou reforços pontuais e contou com a base para marcar seu nome na história do futebol. Além disso, o então desconhecido Carlos Alberto Silva chegou para assumir o comandado técnico depois de um bom trabalho na Caldense, de Minas Gerais.

“Carlos Alberto veio sabendo o que era o Guarani para a carreira dele como treinador. Ele se encaixou muito bem, inclusive com o preparador Hélio Maffia, que era muito conhecido e experiente. Foi de suma importância para a carreira dele como treinador. No primeiro ano, ele já foi campeão brasileiro”, afirmou Renato Morungaba, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

Aquele, que se tornaria um verdadeiro esquadrão, contava com nomes até então pouco conhecidos no cenário nacional. Apesar de jovem, Renato, então com 21 anos e cria do clube, já tinha status de titular. Zenon, com 24 anos, ia para o seu terceiro ano no Bugre, mas já era muito querido pelos torcedores. Careca, com apenas 17 anos, foi promovido dos juniores ao longo da competição e era um dos atletas mais promissores. Bozó, com 26 anos, veio do Santos como aposta e ganhou a posição no time titular. Além deles, Capitão, Neneca, Zé Carlos, Miranda e Gomes foram essenciais na conquista.

“Eu vim para completar o time do Guarani campeão. Da forma como eu jogava, caí como uma luva no Guarani”, disse Bozó, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

O time de Campinas estava no Grupo D da competição, ao lado de Vasco, Botafogo, Bahia, Ponte Preta, Vitória, CRB, CSA, Confiança, Volta Redonda, Sergipe e Itabuna. Por conta da realização da Copa do Mundo da Argentina, em 1978, o Brasileirão teve início antecipado para março.

Se aquele time tivesse condição de jogar hoje, eu faria tudo outra vez – Bozó

Atuando em casa, no Estádio Brinco de Ouro da Princesa, o Guarani iniciou sua jornada contra o time cruz-maltino. Com três gols de Roberto Dinamite, o Bugre saiu derrotado por 3 a 1. Apesar da estreia com um resultado negativo, o time se recuperou e venceu Bahia, CSA e Confiança, além de ter empatado com Vitória, CRB e Sergipe.

No dia 23 de abril, a Ponte Preta surgiu como grande desafio da primeira fase. Justamente antes do Dérbi Campineiro, um dos atacantes não pôde atuar, mas uma novidade surgiu: Careca. “No sábado, quando nos concentramos, o Adriano teve uma gripe muito forte e não pôde jogar, e o Carlos Alberto Silva falou que ia botar o Careca”, revelou Bozó.

A promessa se mostrou iluminada e marcou os gols da vitória por 2 a 1, no Brinco de Ouro, sobre a Macaca. “Nós tivemos a entrada de um garoto no time, que veio das categorias de base, que foi o Careca, com 17 anos, e que se tornou o grande herói da partida fazendo dois gols. Foi uma vitória muito significativa e que nos deu confiança e tranquilidade para o resto da competição”, ressaltou Zenon, à Gazeta Esportiva.

Com o triunfo, os comandados de Carlos Alberto Silva subiram para a vice-liderança e praticamente garantiram a vaga para a etapa seguinte. Nos outros jogos desta fase, o Bugre ganhou do Itabuna, perdeu para o Volta Redonda e empatou com o Botafogo. Com este resultado, confirmou a classificação.

Momento de vergonha

Na segunda fase, o clube campineiro caiu no Grupo D, com São Paulo, Vasco, Portuguesa, Caxias, Coritiba, Remo, Villa Nova-MG e Brasília. Os dois primeiros jogos foram positivos, empate contra o São Paulo e vitória sobre o Brasília. Entretanto, na terceira partida, o Guarani enfrentou o Remo, em Belém, e sofreu uma goleada por 5 a 1, com os cinco gols feitos pelo mesmo jogador: Bira.

“Tomamos cinco do Remo, do mesmo jogador (Bira), e aquilo causou uma grande vergonha na gente. A partir dali o time tomou consciência e vergonha na cara, e começamos a buscar as vitórias”, salientou Zenon.

Aquele momento abalou o nosso grupo, mas tivemos condição de reverter – Renato

Em seguida, a equipe venceu o Caxias, o Villa Nova-MG, empatou com o Vasco, o Coritiba, e perdeu para a Portuguesa. A série de resultados foi suficiente para avançar à fase seguinte da competição.

Na terceira etapa, o Bugre foi sorteado no Grupo A, ao lado de Internacional, Botafogo-SP, Goiás, Santos, Botafogo-PB, Londrina e Goytacaz. Já na estreia, a equipe teria um gigante desafio: o Colorado, no Beira-Rio.

Recheado de craques como Caçapava, Falcão, Valdomiro, Chico Spina e Batista, o time gaúcho era um dos favoritos ao título e um dos mais temidos pelos rivais. No dia 2 de julho, o Guarani, denominado pela imprensa do Rio Grande de Sul de “time de circo e risos” por conta do apelido dos três atacantes titulares (Bozó, Careca e Capitão), foi até Porto Alegre e surpreendeu pela vitória por 3 a 0.

“No fim do jogo quem deu risada fomos nós. E 3 a 0 ficou de graça, porque era para ser pelo menos uns cinco, mas o importante é que nós ganhamos. Eles sentiram o ataque de risos”, brincou o ex-ponta-esquerda Bozó.

“Eles tiveram que se render ao futebol que apresentamos naquele dia contra o Inter”, frisou o camisa 10, Zenon.

Na volta do jogo do Inter, voltamos de avião, parecia que a gente tinha ganho o título – Renato

Depois deste grande resultado, o Bugre não perdeu mais até o final do Brasileiro. Ainda na terceira fase, venceu Santos, Botafogo-PB, Goytacaz, Botafogo-SP e Londrina, e empatou com o Londrina. Assim, avançou para às quartas na liderança do grupo.

Na primeira fase de mata-mata, o Guarani não enfrentou resistência. venceu o Sport em Recife, por 2 a 0, e goleou o time pernambucano em Campinas, por 4 a 0.

Já nas semifinais, o embalado time do interior paulista enfrentou outro gigante do futebol: o Vasco. Liderado pelo artilheiro Roberto Dinamite, autor dos três gols na estreia da competição sobre o próprio Guarani, a equipe cruz-maltina era favorita no duelo.

Na primeira partida, o Bugre venceu no Brinco por 2 a 0 e foi para o Rio com uma ótima vantagem. Na volta, o time do Índio Guerreiro viu mais de 100 mil pessoas impulsionando o Vasco, no Maracanã. Apesar da enorme festa dos mandantes, quem comemorou no final foi o time paulista, que venceu por 2 a 1, com dois belos gols de Zenon, e carimbou a vaga na grande decisão.

Foi um momento ímpar para mim. Além da exibição de gala do time, fiz dois gols no templo do futebol e em uma semifinal – Zenon

Decisão contra o Palmeiras

Pela primeira vez na história, o Guarani estava em um final de Campeonato Brasileiro. O duelo final seria contra outro paulista: o Palmeiras. A Federação Paulista de Futebol propôs que as duas decisões fossem no Estádio do Morumbi, pela maior capacidade de público, mas a ideia foi rejeitada pelo presidente do Guarani, Ricardo Chuffi, que contava com o apoio da torcida no Brinco de Ouro, e vetada pela Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF.

O primeiro jogo aconteceu no dia 10 de agosto com mando do Alviverde, no Estádio do Morumbi. No início, o time da capital dominou a grande maioria das ações ofensivas, enquanto o Bugre estava nervoso e, quando atacava, o goleiro Leão fechava o gol. Zenon ainda recebeu um cartão amarelo e, por ser o terceiro, estava suspenso para a volta. O momento chave da partida aconteceu próximo aos 30 minutos da segunda etapa: Leão deu uma cotovelada em Careca, após interceptar um lançamento, e foi expulso. Por ser dentro da área, Arnaldo Cezar Coelho assinalou um pênalti, que acabou convertido por Zenon. Este gol decretou a vitória do Bugre fora de casa e uma boa vantagem.

“Eu gostaria de ter participado do segundo jogo, mas senti que minha tarefa já estava cumprida, porque poderíamos perder por até 1 a 0 que seríamos campeões”, relatou Zenon.

Na segunda partida, o Brinco de Ouro transbordava de tantos torcedores. Mesmo com a vantagem construída no primeiro jogo, o Guarani venceu novamente por 1 a 0, com gol de Careca, e levantou o Troféu Copa Brasil, tradicionalmente conhecido como Taça das Bolinhas.

Foi um negócio meio doido. Jamais acreditávamos que poderíamos ser campeões do Brasileiro – Zenon

A campanha do Guarani foi simplesmente magistral naquele Brasileiro. Em 32 partidas disputados, a equipe somou 20 vitórias, 8 empates e apenas quatro derrotas, com um aproveitamento de aproximadamente 75%. Nestas, 17 foram disputados no Brinco de Ouro, com 14 triunfos, dois empates e somente um resultado adverso, um aproveitamento de 88%. Mesmo assim, a campanha fora de casa foi boa também, em 15 partidas: seis vitórias, seis empates e três derrotas, 60% de aproveitamento. O time conseguiu outro feito importante, que foram as 11 vitórias seguidas na reta final da competição.

Os artilheiros da equipe foram, juntamente, Zenon e Careca, com 13 gols. O meia Renato balançou as redes em 10 oportunidades, além de ter sido o único a jogar todas as 32 partidas da campanha do título.

“Nós ganhamos, festejamos, mas demorou para cair a ficha. Na época, foi tranquilo, mas demorou para saber a importância que nós tivemos, principalmente para Campinas”, disse o xodó da torcida, Bozó, comprovando 40 anos depois o tamanho da conquista daquele time.

*Especial para a Gazeta Esportiva