Gazeta Esportiva

Passado e presente do Corinthians, Fábio Santos passeia pela história sem fugir da realidade

Foto: Rodrigo Coca/ Ag. Corinthians

“Futebol é uma coisa que eu sempre sonhei em fazer. Nada é sacrificante pra mim. Adoro treinar, adoro jogar, adoro viajar. Não tenho um objetivo certo. Quero jogar, me divertir e ser campeão. É isso que é legal. Eu converso com os moleques da base, todo dia, e falo: ‘eu já ganhei tudo. Eu não posso ter mais fome que vocês, mais vontade de treinar e de querer conquistar'”.

A declaração é de Fábio Santos, 35 anos, bicampeão da Libertadores, bicampeão do Mundo, tricampeão Brasileiro, bicampeão Paulista, bicampeão Mineiro e campeão Gaúcho e da Recopa Sul-Americana.

Nas palavras de Vagner Mancini, o lateral é o maior responsável, dentro de campo, pela recuperação do sistema defensivo do Corinthians. Não chega a surpreender, mas, quem diria que uma contratação tão importante como esta seria tão simples de ser concretizada? Pois é. Foi “simples”, como conta o próprio Fábio Santos nesta entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

“A gente (ele e Duílio Monteiro Alves) já tinha se falado no meu aniversário. Ele me ligou, a gente tinha conversado sobre família, amigos e eu brinquei: ‘E ai, quando a gente vai trabalhar junto de novo?’. Ele disse: ‘você não tem coragem de voltar’. E eu falei para ele que era só o Corinthians querer. Depois de um tempo, ele me disse: ‘chegou o momento’. E eu logo falei: ‘vou voltar!’. Ele até se assuntou: ‘Está falando sério? Não é tão simples assim’. Mas, eu falei para ele: ‘Você não quer que eu volte? Então, vou voltar’. No mesmo dia, falei com o (Alexandre) Mattos, com o Sampaoli, com meu empresário, falei que queria voltar, e foi muito simples” (risos).

 

Salários atrasados, elenco longe da qualidade de outrora e realidade distante da ambição por títulos. Cenário que levaria qualquer profissional a, no mínimo, refletir com calma sobre a oportunidade, certo? Nem sempre.

“Realmente, jogador se fala, sabe quem está pagando, quem não está pagando, quem vai brigar para cair, quem vai brigar por título, mas a minha situação é diferente. Eu já tenho história no clube. Não teve um dia que não pensei em voltar. Quando apareceu a oportunidade, o que eu menos pensei foi nessas coisas. Eu só queria retornar, sempre gostei daqui, até como gratidão também. Seria impossível recusar”.

Também nunca houve vontade de sair. Em 2015, em meio a uma campanha história no Campeonato Brasileiro com a camisa alvinegra, o paulistano se mudou para o México.

“A gente estava na metade de 2015 e meu contrato se encerrava no final do anos. Eles deixaram claro que não sabiam se ia renovar por problemas financeiros, e me deixaram à vontade. Apareceu uma proposta do México e me deixaram à vontade. Não teve nenhuma proposta ou esforço para que eu continuasse, eles não podiam prometer nada, a crise era grande, e aconteceu. Eu não podia esperar seis meses para saber se ia dar para ficar ou não”.

Tite e o melhor time

Os três primeiros anos de Fábio Santos com a camisa 6 do Timão foram preenchidos com cinco títulos. Entre estes momentos, dois dos mais importantes da história de 110 anos do clube. Nenhum deles, entretanto, com a capacidade coletiva da equipe de 2015, como explica um dos personagens daqueles esquadrões.

“Tecnicamente, o de 2015 era melhor. Na questão da competitividade, vontade de vencer, a equipe de 2012 era mais fria, sabia bem o que fazia. Em 2015, era qualidade técnica pura. Aquele era o melhor Corinthians. Acabou não ganhando a Libertadores, mas era o melhor”.

Diferenças e evolução que caminharam paralelamente ao desenvolvimento de Tite como técnico de futebol.

“No dia-a-dia não mudou em nada. Mas, em 2014, ele estudou, tentou evoluir. Ele sempre foi conhecido pela parte defensiva sólida, mas faltava repertório na parte ofensiva. Ele ele evoluiu nesse sentido. A característica dos jogadores também mudou, mérito dele saber colocar. Nosso time, em 2015, era Renato (Augusto) e Lodeiro. O Lodeiro foi embora e abriu a possibilidade de Renato e Jadson, que em 2014 o Mano tinha resistência em colocar juntos. Mérito do Tite”.

O atual contrato de Fábio Santos com o Corinthians vai até dezembro de 2021 (Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians)

Mancini de ontem e de hoje

Ponderado, sem deixar de ser vibrante. Profissional. Dono de uma capacidade intelectual acima da média no gramado, seja durante treinos, jogos ou na hora de ouvir uma orientação, ou até mesmo para assumir uma decisão. Virtudes que ajudam Fábio Santos a compensar qualquer limitação técnica. E olha que isso também não é algo que lhe falte tanto.

A síntese de quem é o atual lateral esquerdo do Corinthians é baseada em relatos de pessoas que com ele estiveram em algum momento nestes 15 anos de carreira.

Liberto daquele receio com as palavras, tão comum em atletas novatos, convicto e claro nas respostas às indagações de qualquer jornalista, Fábio Santos garante que consegue enxergar mudança em Vagner Mancini, com quem trabalhou no Atlético-MG, há poucos meses.

“O Mancini, do final do ano passado para agora, já tem outras coisas. Hoje em dia, o pessoal estuda, assiste a muitos jogos, tem auxiliar, analista, estão sempre se reinventando, e o Mancini, do ano passado para cá, já evoluiu bastante nesse sentido. Ele tem tudo para crescer cada vez mais e aproveitar essa oportunidade no Corinthians como a chance de ouro da carreira dele”.

Cássio e o alívio

Moral para analisar o técnico e também para acalmar o capitão. Fábio Santos se apresentou no CT Joaquim Grava em meio a ressaca da dolorosa goleada sofrida perante ao Flamengo, em Itaquera. Cássio, sob forte pressão externa, cogitou deixar o Corinthians.

“Eu chego numa segunda, logo após o 5 a 1. Eu vim preparado para ter essa conversa com ele”.

A preocupação, porém, foi substituída por tranquilidade depois do encontro, que teve um diagnóstico fácil de se compreender.

“Na segunda, já vi ele totalmente mudado, focado. E você vê que aquilo é uma entrevista de um cara chateado, um cara que nunca foi cobrado assim outras vezes. Pelo contrário, sempre foi muito exaltado. Essa cobrança é natural para todos. Pare ele, foi mais complicado de entender. Mas, na segunda, ele já sabia que não era aquilo que ele sentia”.

Contra o Chelsea, as dobradinhas com Danilo jamais serão esquecidas (Foto: © Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians)

Pênaltis e a bronca do chefe

Desde que voltou a defender o Corinthians, Fábio Santos ainda não sentiu o gosto amargo da derrota.

Nesta segunda-feira, contra o Goiás, às 18h15, na Neo Química Arena, ele deve fazer seu 222º pelo time do Parque São Jorge. E, claro, se tiver um pênalti para bater, o lateral estará pronto.

No Galo, Fábio Santos, pela primeira vez, se tornou “batedor oficial”. De lá para cá, foram 28 arremates da marca da cal e a impressionante marca de 26 gols.

“Eu já tinha batido um pênalti na categoria de base. Em 2006, no Kashima, também bati um. Quando voltei para o Brasil, eu treinava, mas não tinha oportunidade, os times já tinham batedores”.

Existia dedicação, talvez uma intenção. Mas, a opção por assumir tal responsabilidade surgiu mesmo é da própria pressão.

“Contra o Santos (em 2011, no Pacaembu), após a derrota para o Tolima, muitos jogadores saindo, aquela situação difícil, e meu empresário falou: ‘cara, a gente precisa fazer algo diferente. A gente não vai mais jogar aqui, se continuar tudo como está. Vão querer contratar outro'”.

O plano traçado só não foi combinado com o chefe. É verdade que funcionou melhor do que se imaginava à época, mas não passou batido por Tite.

“Eu faço o gol de falta e o juiz dá um pênalti no segundo tempo. Eu pego a bola e bato, contra a vontade do Tite. No vestiário, ele vem em mim e briga comigo (risos). Eu falei: ‘pô, acabei de fazer dois gols e você está brigando comigo?’. Ele falou que eu tinha de cumprir as ordens (risos). A partir daí, virei opção para bater os pênaltis, e no Atlético-MG eu virei cobrador oficial”.

Daquelas coincidências que só o futebol reserva há o fato de que os dois pênaltis desperdiçados ocorreram em embates com o Fluminense. Um pelo Timão e outro pelo Galo. Seria o Tricolor Carioca a kriptonita de Fábio Santos?

“O pessoal até brinca, fala para eu não bater contra o Fluminense. Mas, eu já avisei. Se tiver e quiser que eu bata, eu bato. Se eu perder de novo, f…, mas eu bato. Se eu perder, vou ficar com três pênaltis perdidos contra o Fluminense, paciência (risos)’.

Em 2015, a saída já era com reverência a um ídolo do clube (Foto: © Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians)

Logo em um Derby?

O que não se tornou uma especialidade e ficou marcado na memória, tanto de Fábio Santos quanto dos corintianos, foi o chocante drible, que sequer tem nome próprio, uma espécie de caneta com letra, em cima do então palmeirense Charles, durante um Derby no Pacaembu, em 2013.

“Aquilo ali eu fazia em rachão, no bobinho, sempre fazia e nunca tinha tido oportunidade em um jogo. Nunca passou na minha cabeça fazer num jogo. Mas, ali a bola ficou certinha. E o jogo estava empatado, não dava para dizer que a gente estava menosprezando, porque a gente nem estava ganhando (risos). Depois, tentei uma vez no Campeonato Mineiro, mas não deu muito certo” (risos).

Tudo ou nada para agora

Fábio Santos muda o semblante sempre que a entrevista larga o tom nostálgico e resgata os temas atuais. Sereno, e sem risadinha, ele ativa o modo ‘sincerão’ ao projetar o que deve ser do Corinthians até o fim da temporada, desta vez esticada até março.

“As duas próximas rodadas vão dizer bastante coisa, contra o Goiás e Botafogo. Elas vão mostrar pra gente onde a gente vai ficar. Se vai ficar na zona intermediária, se vamos ficar lá embaixo ou se vamos brigar pelo G6. Temos de focar nesses dois jogos para focarmos no G6”.

Enquanto isso, os principais rivais do Corinthians estão posicionados em condições de almejar títulos, tanto no Brasileirão, como também na Copa do Brasil e até mesmo na Libertadores da América.

“Eu não sei se aumenta pressão para nós. O time está muito focado no nosso trabalho, a gente quer terminar o ano bem para ter um 2021 diferente. São grandes equipes, não vou secar, não, porque tenho amigo em todas as equipes. Até porque, nos últimos anos, a gente ganhou bastante coisa. Deixa eles se divertirem um pouquinho também (risos)”.

A Fé em Nossa senhora de Aparecida, inabalável (Foto: © Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians)

A hora está chegando. E o que ela dirá?

Apesar de não haver pressa por parte deste jornalista, a aposentadoria de Fábio Santos não deve demorar tanto para acontecer. Com maturidade, e sem previsão, o jogador encara o fato de “não ser mais um menino”.

“Às vezes eu até penso, sim, mas não dá para se programar muito. Obviamente, se eu puder escolher, escolheria terminar aqui no Corinthians. Mas, difícil prever o que vai acontecer. Vamos aguardar”.

Independente do que o futuro reserva, Fábio Santos tem garantido o seu lugar nas páginas de qualquer livro que contar a história corintiana. Qual o posto do lateral em meio a esta honraria? Difícil dizer, ainda mais para ele. E é prudente aguardar, afinal, não se sabe ainda como tudo terminará.

“Cara, eu sou de São Paulo, tenho muitos amigos aqui, e eles falam sobre isso direto, mas não dá, a ficha ainda não caiu, até por eu estar em atividade”.

“Mas, você entra no CT e tem fotos das conquistas nas paredes. Isso faz com que você entenda um pouco dos feitos que conquistamos. Mas, só de ser cogitado, estar perto desses caras, como Wladimir, Kléber e Silvinho, já fico lisonjeado”.

Tite, o grande mestre (Foto: © Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians)

 

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