Gazeta Esportiva

Por 2016, CBAt mescla know-how socialista e apoio de astro dos EUA

Como costuma fazer desde 1986, Antônio Carlos Gomes viajou a Moscou na última quinta-feira. No posto de superintendente de alto rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), ele acredita que o know-how socialista, aliado à consultoria do ex-velocista norte-americano Michael Johnson, pode recolocar o País no pódio das Olimpíadas no Rio de Janeiro 2016.

O Brasil não conquistou nem sequer uma das 141 medalhas oferecidas pelo atletismo nos Jogos de Londres 2012, algo inédito desde Barcelona 1992. Empossado em 2013 como sucessor de Roberto Gesta de Melo, que presidiu a CBAt por 26 anos, José Antônio Martins Fernandes confiou a Antônio Carlos Gomes a missão de reestruturar a modalidade.

Após encerrar sua carreira como atleta, fascinado com os resultados alcançados pela União Soviética nas principais competições internacionais, Antônio Carlos, já formado em educação física, decidiu investir na carreira acadêmica e foi estudar em Moscou. De 1986 a 1997, fez mestrado no Instituto Estatal da Ordem de Lenin e doutorado na Universidade Nacional de Cultura Física.

“Naquele momento, os soviéticos detinham todo o know-how na área do esporte de alto rendimento e vinham se destacando mundialmente na parte teórica, na metodologia de preparação dos atletas. Queria saber o que esses caras faziam para produzir tantos campeões. Os Estados Unidos possuem mais tecnologia, mas quando se fala em gestão de treinamento, os russos contam até hoje com maior conhecimento teórico”, explicou.

Nos dois primeiros anos, em regime de internato, Antônio Carlos priorizou o estudo do idioma russo, ferramenta básica para absorver o máximo de conhecimento teórico nas áreas de seu interesse. Ele se adaptou sem grande dificuldade à rigidez do cotidiano, assimilou o modelo de vida socialista e, lentamente, passou a tolerar o frio intenso em algumas épocas do ano.

“Precisei me inserir na realidade cheia de regras de um país socialista, em que tudo não podia. Quando vi como funcionavam as coisas, pensei: se tem que seguir determinadas normas, vamos seguir. O que me interessa é o know-how dos caras e o único jeito para ter acesso ao conteúdo secreto da União Soviética era conhecer a língua. Passei grande parte da minha vida concentrado e estudando na Universidade”, explicou.

Na Rússia, Antônio Carlos viu de perto o treinamento de Sergey Bubka, maior nome da história do salto com vara. Um dos poucos estudantes de fora do bloco socialista, ele acompanhou atividades de diferentes modalidades, como hóquei, luta e levantamento de peso. Em seu retorno ao Brasil, no final da década de 1990, trabalhou de forma bem-sucedida na função de consultor científico em clubes de futebol como Atlético-PR e Corinthians.

Com lições de Michael Johnson e Vitaly Petrov, Anderson Henriques e Thiago Braz esperam orgulhar Antônio Carlo Gomes – Credito: Fotomontagem Gazeta Press
Atual superintendente de alto rendimento da CBAt, Antônio Carlos mantém laços estreitos com a Rússia e costuma visitar o país, pelo menos, uma vez por ano. Hoje, por meio de sua empresa, organiza grupos de profissionais brasileiros interessados em fazer cursos na Universidade Nacional de Cultura Física de Moscou e, desta forma, tem acesso constante à bibliografia produzida no país.

Durante o período que viveu na Rússia, Antônio Carlos teve a chance de testemunhar o final da Guerra Fria, conflito indireto que opôs Estados Unidos e União Soviética de 1945 a 1991. A intensa rivalidade no campo esportivo, do xadrez ao hóquei no gelo, levou a consolidação de ambos como potências olímpicas. No ciclo para os Jogos do Rio de Janeiro 206, o Brasil procura tirar proveito dos dois polos.

Hoje, há quatro treinadores a serviço da CBAt, todos com formação em regimes socialistas. De Cuba, antiga parceira da União Soviética, vieram Justo Navarro, Julian Baloy (especialistas em arremessos e lançamentos) e Santiago Antunez, ex-técnico de Dayron Robles, campeão olímpico e recordista mundial nos 110m com barreiras. Nascido na Ucrânia, país que integrou a chamada Cortina de Ferro, Vitaly Petrov, mentor de Sergey Bubka, completa o grupo.

“O projeto da CBAt é reformular o conceito de preparação de atletas. Para você dançar uma música que nunca dançou, precisa aprender com alguém que já sabe. Um dos grandes problemas do esporte brasileiro é na área de recursos humanos. O intercâmbio é um negócio espetacular. Por que eu aprendi? Porque fui lá trocar com eles”, diz Antônio Carlos, citando a própria trajetória.

O maior exemplo de transferência de conhecimento no atletismo brasileiro foi estabelecido por Vitaly Petrov. Ele não apenas possibilitou a ascensão de Fabiana Murer, campeã mundial e bi da Liga de Diamante, como também capacitou o técnico Élson Miranda a lapidar o jovem Thiago Braz, ouro no Mundial Júnior, prata nas Olimpíadas da Juventude e recordista sul-americano.

Nos dois primeiros campings internacionais anunciados pela CBAt na temporada de 2015, Thiago Braz, hoje comandado por Petrov, treinará até o próximo dia 28 na Polônia, mais um país da antiga Cortina de Ferro. Já Darlan Romani, recordista brasileiro do arremesso de peso, fica em Cuba até 8 de fevereiro ao lado do treinador Justo Navarro.

GOMES LEMBRA QUEDA DO MURO

Antônio Carlos Gomes estava em Moscou em 9 de novembro de 1989, dia da queda do Muro de Berlim, símbolo do colapso do bloco socialista. Na época, o então estudante passou por apuros.

“Lembro perfeitamente desse dia. Eu estava em um teatro, quando começou a tocar um alarme para que todos saíssem. Na rua, já havia confronto entre comunistas e democratas”, recordou Antônio Carlos, que passou a ser visto com desconfiança.

“Foi um momento difícil, porque começaram a ir para cima dos estrangeiros. Precisei me esconder na casa de um amigo e fiquei praticamente 60 dias recluso, indo de casa para a Universidade, sem contato com a sociedade”, recordou.

O brasileiro passou a viver em Moscou no ano de 1986 e, portanto, acompanhou os últimos anos do regime socialista. De sua estadia na Rússia, guardou o exemplo de perseverança do povo.

“O que chama a atenção é a raça que eles têm para enfrentar qualquer tipo de adversidade, a começar pelo frio. Não se entregam nunca. Aprendi muito na parte de disciplina, organização e mobilização pessoal. Devo muito a eles”, afirmou.

Em contraste com a polarização dos tempos de Guerra Fria, a CBAt também trabalha com profissionais dos Estados Unidos. Por identificar no revezamento 4x400m uma possibilidade de desenvolvimento, a entidade e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) contrataram para prestar assessoria técnica o norte-americano Michael Johnson, dono de quatro ouros olímpicos, um no 4x400m, dois nos 400m (distância em que ainda é recordista mundial) e outro nos 200m.

Com Anderson Henriques, Hugo Balduíno, Pedro Burmann e Wagner Cardoso, o Brasil foi o sétimo colocado na final do revezamento 4x400m do Mundial de Moscou 2013. Anderson Henriques ainda terminou em oitavo nos 400m. Apontado como principal promessa por Michael Johnson, o atleta da Sogipa, de 22 anos, está entusiasmado com a consultoria do ídolo, confirmada até 2016.

“Esse intercâmbio agrega muito não só para o desempenho da equipe, mas também para o individual. Para melhorar o coletivo, tem que evoluir também o individual. Eles estão passando toda a experiência que possuem em termos de recuperação, tratamento e novas técnicas de exercício. Deram conselhos de postura e de movimentos. Vem sendo bem útil”, explicou.

Em 2014, a equipe do Centro de Treinamento mantido por Michael Johnson em Dallas veio ao Brasil em três ocasiões e os principais atletas dos 400m viajaram uma vez para os Estados Unidos. Em abril, o grupo de competidores deve visitar o local novamente. Nesta temporada, a equipe nacional poderá testar a própria evolução nos Jogos Pan-Americanos de Toronto e no Mundial de Pequim, além do Mundial de Revezamento das Bahamas.

“Antes de conhecê-lo, todo o mundo pensava que seria uma pessoa mais fechada”, conta Anderson sobre Michael Johnson. “É muito profissional e sempre disposto a esclarecer qualquer dúvida, mas ao mesmo tempo faz brincadeiras. Saímos para jantar um dia nos Estados Unidos e ele foi junto. É um cara bacana. Estamos nos preparando bastante e podemos ter bons resultados em 2015”, acrescentou.

Para cumprir a meta do COB de terminar entre os 10 primeiros no quesito número de medalhas no Rio de Janeiro 2016, é fundamental para o Brasil retomar a tradição de subir ao pódio no atletismo. Em Atlanta 1996 e Moscou 1980, a modalidade embalou Estados Unidos (13 ouros, cinco pratas e cinco bronzes) e União Soviética (15-14-12), respectivamente, rumo ao primeiro posto geral.

Exit mobile version