Semente plantada - Gazeta Esportiva
Felipe Leite
São Paulo, SP
06/02/2023 08:00:04
 

Por Felipe Leite

Alexandre Mattos tem uma vasta carreira como dirigente no mundo do futebol. As passagens por América-MG (2005-2011), Cruzeiro (2012-2014), Palmeiras (2015-2019), Atlético-MG (2020), Boston City (2021) e Athletico Paranaense (2022 até os dias de hoje) não deixam mentir.

Títulos? São muitos também. Quatro vezes campeão do Brasileirão (2013 e 2014 com o Cruzeiro, 2016 e 2018 com o Palmeiras), da Copa do Brasil (2015, com o Verdão), diversas conquistas estaduais e nas categorias de base — sem contar o fato de ter sido eleito, por quatro anos seguidos, o melhor diretor executivo do futebol brasileiro (entre 2013 e 2016).

Nem tudo são flores, entretanto. A complexidade de análise de qualquer carreira no mundo do futebol não fugiu à regra para Alexandre Mattos. O fato de contratar muito — e, consequentemente, errar muito — de certa maneira ‘persegue’ o dirigente. Famas são difíceis de apagar.

No lançamento de seu segundo livro, ‘Muito mais que um jogo’, em uma livraria na zona oeste de São Paulo, Alexandre Mattos conversou com exclusividade com a reportagem da Gazeta Esportiva. Na entrevista, falou sobre a própria obra, o atual clube — o Furacão —, sua passagem pelo Palmeiras, o legado deixado no Verdão e a relação com o atual diretor de futebol do clube alviverde, Alexandre Barros.

Gazeta Esportiva — O que o público pode esperar de seu segundo livro?

Alexandre Mattos — É um livro mais técnico, sobre gestão. Os debates estão cada vez mais aflorados e mais impulsionados pelas gestões dos clubes — que vem desempenhando com excelência questões de governança, gestão de categorias de base, pessoas, processos, finanças, enfim. Isso vem, cada vez mais, sendo solidificado.

Gazeta Esportiva — Qual é a ideia por trás da obra? Como clubes que pensaram em melhorias de gestão no passado se beneficiaram?

Alexandre Mattos — Os clubes que saíram na frente, que se preocuparam com isso e batalharam anos por isso, estão colhendo frutos: Palmeiras, Flamengo, enfim. Por outro lado, clubes que não se preocuparam com o tema estão pagando as consequências disso. Temos diversos exemplos. A ideia do livro é colocar os quase 20 anos de carreira, com experiência, aprendizado que adquiri durante esses anos todos, e fiquei muito satisfeito. Tomara que as pessoas gostem, foi um livro feito com muito carinho.

Gazeta Esportiva — O Athletico Paranaense sempre foi sinônimo de modernidade e avanço. Como o modelo de gestão pode inspirar outras equipes?

Alexandre Mattos — É um clube inovador, que lá atrás, em 1995, já falava em profissionalização e estrutura. Tem um estádio, o único da América do Sul, com teto retrátil. Tem grama sintética, que hoje está em evidência — foi o primeiro clube de Série A a colocar. Busca sempre estar à frente em ideias, visão, tudo que se pode pensar — por isso, é um clube que não tem dívidas. É único em processos, capacitação de profissionais, infraestrutura e que consegue, com isso, produzir mais com menos recursos. É um grande exemplo, sou um grande felizardo de estar lá.

Gazeta Esportiva — Por que trabalhar no Furacão?

Alexandre Mattos — Se junta à minha ideia de reinvenção, de conceitos, aprendizados. É um dos maiores exemplos não só do nosso país, como do nosso continente, e é por isso que consegue ser tão agradável com todos. Ao mesmo tempo, é uma pedrinha na chuteira de várias equipes que têm mais recursos, torcida, exposição de mídia. O Athletico conseguiu, com sua organização, esse protagonismo que já vem de longa data. A gente espera que continue.

Gazeta Esportiva — Você foi o diretor de futebol do Palmeiras entre 2015 e 2019. Olhando para trás, a sensação é de missão cumprida?

Alexandre Mattos — O plano que o Paulo Nobre me passou, sem dúvida, nós conquistamos. Resgatamos a Sociedade Esportiva Palmeiras em todos os sentidos — o clube precisava disso. O Palmeiras precisava reconstruir sua categoria de base, que não tinha protagonismo; precisava ser visto como respeitado no mercado, por agentes e atletas; precisava pagar em dia; e precisava ter estrutura digna do tamanho do clube. Conseguimos fazer tudo isso. O maior legado é o resgate da Sociedade Esportiva Palmeiras.

Gazeta Esportiva — O principal legado é a tal mudança de patamar do clube, então?

Alexandre Mattos — Mudamos o patamar para um time que nunca deveria ter saído dele. De 2002 a 2014, (clube) não conseguiu fazer (isso). Não estava naquele momento. O maior legado é ver o Palmeiras dentro da maturidade planejada, conquistando tudo. É isso que traz felicidade ao profissional: realizar o seu trabalho, conseguir frutos e, quando sair, ter uma visão bem clara de que ainda existe muito daquilo que foi pensado, organizado e planejado desde 2015.

Gazeta Esportiva — Qual semente que o Alexandre Mattos plantou no Palmeiras lá atrás que, hoje, é possível claramente ver os frutos?

Alexandre Mattos — O João Paulo (Sampaio) foi um profissional que eu apostei lá em 2015. Falar dele hoje é fácil. Lá em 2015, tinha trabalhado só no Vitória da Bahia e havia sido demitido naquele momento que o busquei. Eu vejo que não só eu, mas todo mundo que participou do processo, todos que contribuíram têm uma responsabilidade no que vem acontecendo (hoje). Sobre categoria de base, é muito fácil. O plano era de que, em cinco ou seis anos, conseguisse trazer a maturidade dos jogadores. E isso está acontecendo. As pessoas falam às vezes: ‘ah, colocavam menos’. É óbvio. O Palmeiras precisava se resgatar para o mercado primeiro, para ser atrativo também para a categoria de base. Hoje, os meninos querem ir para o Palmeiras — naquele momento, não queriam. No profissional, idem. O Palmeiras conseguiu fazer isso e, como eu já disse várias vezes, foi uma honra e um orgulho muito grande. Felicidade de ver que o plano deu certo e continua até hoje.

Gazeta Esportiva — Qual é a relação com o atual diretor de futebol do Verdão, Anderson Barros?

Alexandre Mattos — Anderson Barros é meu amigo, fui um dos responsáveis por indicar ele ao Palmeiras, é um profissional mega vitorioso. O mais vitorioso gestor e executivo da Sociedade Esportiva Palmeiras, por méritos. Um exemplo. Conheci o Anderson quando eu estava no América-MG e, ele, no Botafogo. Feliz por ele, digo isso toda vez que o encontro. Estou até cansado de mandar parabéns para ele (risos).

Gazeta Esportiva — Muito se fala sobre a mudança de abordagem entre vocês dois. O Alexandre Mattos foi um dirigente que muito contratou — enquanto o Anderson Barros é conhecido por tiros mais pontuais e certeiros. Existe, realmente, essa diferença?

Alexandre Mattos — A gente foca tanto nas pessoas e esquece das instituições e dos momentos. Se o Anderson Barros chega no Palmeiras em 2015, ele ia contratar mais de 20 jogadores. Se o Alexandre Mattos chega no Palmeiras hoje, iria contratar dois, três jogadores. Fato. Cheguei no Athletico agora e contratamos só dois, três jogadores. O momento é maior do que a pessoa. A pessoa faz parte do plano do momento. Palmeiras, em 2015, após quase ser rebaixado pela terceira vez, todo mundo falava: ‘muda tudo’. Foi o que nós fizemos. Mas quando você contrata 20, 25, você vai errar no mínimo metade. Daí, no outro ano, você tem que contratar mais 15. E no outro, mais 10. E no outro, mais 5. Para chegar agora e ser só dois, três. Te afirmo: se ele (Anderson Barros) chega ao Palmeiras em 2015, teria contratado 25 jogadores também. Se o Alexandre Mattos, Rodrigo Caetano, Thiago Scuro — qualquer um — chega hoje, dois ou três (contratados). Isso vai do momento do clube.