Rocha que quebra - Gazeta Esportiva
Tomás Rosolino
Rio de Janeiro (RJ)
01/25/2019 22:01:37
 

Abel Braga é o treinador mais pressionado do Brasil em 2019, mas não terá pela frente nada que supere o que enfrentou em 2018. Menos de um ano depois de perder o filho João Pedro, de 19 anos, o técnico hoje busca no esporte e nos amigos do futebol uma maneira de não sucumbir à dor causada pela ausência do seu mais novo. Para quem lida com isso, encontrar espaço para Arrascaeta, Bruno Henrique, Diego, Éverton Ribeiro, Gabigol e companhia parece ser uma missão das mais simples.

Irrompendo pela sala de imprensa logo após o final do treino da última quinta-feira, no Ninho do Urubu, Abel chegou para a rápida conversa com a reportagem da Gazeta Esportiva pedindo que houvesse rapidez. Sem antipatia, porém. “Olha como está o meu pé, cara”, disse o treinador de 66 anos, com um inchaço razoável no pé direito. “Não dá para ficar muito tempo aqui, não. Vim direto do gelo”, justificou o comandante.

Nos pouco mais de dez minutos em que atendeu a reportagem, Abel falou de tudo. Alternando entre como lidar com a pressão pelos resultados e encaixar o grande número de jogadores ofensivos no seu plantel, ele reconheceu que há uma disputa não só do Rubro-Negro, mas de todos os outros clubes do país contra o Palmeiras. “Campeão brasileiro, ótimo treinador, ótimos jogadores”, justificou o comandante.

O momento de maior emoção, ainda que encarado com sobriedade por Abel, se deu na última pergunta do papo. Em questionamento especial enviado pelo jornalista Chico Lang, da TV Gazeta, o treinador explicou como tem lidado com a dor de perder um filho, algo pelo qual o próprio Chico passou no final do ano passado. Sóbrio e carinhoso, o hoje flamenguista demonstrou força ao tratar do tema, sem antes relembrar. “Pensam que nós somos uma rocha. Mas somos uma rocha que quebra”.

Veja abaixo a íntegra da entrevista de Abel Braga com a Gazeta Esportiva:

Gazeta Esportiva – Quanto tempo você precisa para montar esse time do Flamengo? Ou a pressão da torcida te deixa sem tempo nenhum?

Abel Braga – A torcida do Flamengo tem uma forma muito especial de agir porque nos últimos 31 anos de Brasileiro foi das equipes com mais média de público. Deu pra sentir no primeiro jogo de Estadual, sensação térmica aqui no Rio de 48 graus, 47, teve dias em que eu me senti como se estivesse em Abu Dhabi. E eles colocaram 45 mil contra o Bangu no primeiro jogo. óbvio que essa presença exige resposta. Estamos trabalhando com muita atenção para criar o máximo possível de empatia em relação a equipe e torcida. Na quarta, com jogadores novos, sem conhecer os companheiros, com jogadores abaixo, como o Arrascaeta e o Gabriel, estrearam e essa equipe na mesma data conseguiu correr mais em relação ao ano passado, que era a equipe titular. Isso tem nos dado uma esperança muito grande. E eu vou fazer de tudo para dar certo.

Gazeta Esportiva – Como tem sido adaptar todos ao clube enquanto você mesmo se readapta?

Abel Braga – Eu, quando cheguei aqui e comecei os treinos, esse torneio da Flórida, praticamente com a mesma equipe. Só teve a entrada do (Rodrigo) Caio no jogo do Bangu no lugar do Léo (Duarte), ótimo jogador, terminou como titular no ano passado. Até para botar um pouco mais de experiência. E mantive a equipe porque ela tem um coletivo muito bom, peças fortes. É claro que, a nível de característica, uma ou outra coisa mudam, que entrem e possam mudar a nível de posicionamento em campo como a nível de estratégia. O que nós sabemos é que todos vão ter a oportunidade de jogar neste início para que cheguem lá na frente na melhor condição.

Gazeta Esportiva – Vai dar para jogar todo mundo? Arrascaeta, Gabigol, Bruno Henrique, Éverton Ribeiro, Diego…

Abel Braga – Eu nem tive essa situação de guardar dois ou três jogadores, trocar seis, sete jogadores. Troquei logo os 11. A resposta foi boa, exatamente por isso, uma maneira de jogar diferente para que não começasse o jogo puxando para Arrascaeta e Gabigol. No segundo tempo voltamos para jogar do jeito que o time titular joga, aí dominamos e acho até que o resultado foi um pouco injusto. Estou contente com a resposta.

Gazeta Esportiva – Em São Paulo muito se fala de Palmeiras e Flamengo polarizando o futebol nacional. Você concorda?

Abel Braga – Claro, é o campeão brasileiro, tem um ótimo treinador, ótimos jogadores. E o Flamengo está procurando dentro daquilo que tem como possibilidade se reforçar com jogadores de grande nível. Agora, esse negócio de favoritismo é uma grande armadilha. Começa todo ano assim e no final há uma sobrecarga de cobrança muito grande. O negócio é ir jogo a jogo e favoritismo você só vai ver quando entrar na arena. É lá que você vai ver se é favorito ou não.

Gazeta Esportiva (Chico Lang) – Abel, como você fez para superar a perda do seu filho e continuar no futebol?

Abel Braga – Meu querido Chico, foi com pesar que eu te enviei aquela mensagem, não gostaria de tê-lo feito, que o ocorrido fosse real. Porque eu sei que no momento que eu recebi… eu não recebi a notícia que o meu filho tinha falecido. Eu recebi a notícia que ele tinha sofrido um problema. Pensei que, por ele ter epilepsia, esse fosse o problema. Eu acho que, inclusive você, está encontrando no esporte, nos amigos, na família, óbvio, mas nessa hora mais dos amigos. Porque eles sentem, é claro, mas eles não têm tanta profundidade do sangue. Então eles conseguem confortar de forma diferente. A família é um pouco diferente. Acho que você conseguiu algo que eu consegui. Nós perdemos para a morte, mas não vamos perder para a vida.

João Pedro tinha 19 anos quando caiu da cobertura onde Abel mora, no Leblon, no Rio (Foto: Reprodução)

Abel Braga – Meu filho foi enterrado em um domingo e o presidente (Pedro Abad, do Fluminense, clube em que Abel estava) me disse que eu poderia aparecer no clube quando quisesse. E eu falei: “Eu vou estar lá amanhã, tem treino, não tem?”. Então é isso, se a minha atitude serviu de exemplo, a nossa serviu de exemplo para muita gente. Mas superar não é a palavra correta. Superar nunca vai acontecer. Porque a dor é interminável, permanente, infinita e o dia em que eu for ela vai junto comigo. Porque o vazio da saudade é muito ruim. Agora temos que ser fortes. Eu já diminui muito o antidepressivo, tive apoio de família e amigos muito grandes. As torcidas dos clubes me acolheram, meus atletas me acolheram. Agora, essa saudade, essa dor, esse chão, esse buraco que a gente vê na nossa frente. Isso não apaga. A gente começa a ver certas coisas, eu vi tudo, espiritismo, budismo, li… tento me informar, faço com a Cissa Guimarães (atriz que perdeu o filho Rafael, atropelado em 2010), ela como madrinha e eu como padrinho, negócio legal aqui no Rio sobre o luto. Procuramos ajudar as pessoas a lidar com essa dor. As pessoas pensam que nós somos uma rocha, mas nós somos uma rocha que quebra, cara. Não tem essa. Minha vida está seguindo, não estou deixando me abalar, eu fraquejar, apesar de saber que isso nunca vai passar. E eu não quero que passe. Quero continuar olhando para ele, chamando ele nos dias dos jogos, pensando nele, tocando nele. Se isso passar, eu não vou ser um pai merecedor do filho que eu tive. Beijo, força.

Veja tudo sobre a entrevista exclusiva com Abel Braga no Mesa Redonda deste domingo, às 21 horas