20 anos da Batalha de Rosário - Gazeta Esportiva
Luca Castilho
São Paulo, SP
10/21/2018 09:00:47
 

Tiros, bala de borracha, polícia, estádio lotado, um time argentino e um brasileiro. Há 20 anos, o Santos superou forte pressão para ser campeão da Copa Conmebol e encerrar um longo jejum. “Parecia uma guerra e não dois times de futebol jogando”, recorda Jorginho, meio-campista do Peixe na época da conquista. Em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva, o ex-jogador relata o cenário da final entre o Alvinegro Praiano e o Rosário Central, mais conhecida como “Batalha de Rosário”, disputado no Estádio Gigante de Arroyito, na Argentina.

No dia 21 de outubro de 1998, a equipe paulista, então dirigida pelo técnico Emerson Leão, empatou por 0 a 0 e conquistou o título da competição em solo adversário. O Santos não levantava um troféu internacional desde 1969, quando venceu a Recopa dos Campeões Intercontinentais. Mas até chegar à conquista, a equipe passou por problemas.

Na primeira partida da decisão, disputada na Vila Belmiro, o time da casa havia derrotado os argentinos por 1 a 0, com gol de Claudiomiro. O jogo foi quente e marcado pelas expulsões de duas importantes peças para o Santos: o zagueiro Jean e o artilheiro Viola. Mesmo com muitos desfalques e apenas 16 atletas com condição para atuar, a equipe praiana foi para a Argentina. Entretanto, logo de cara encontrou um cenário caótico.

Foi o jogo mais tenso da minha vida. Pensei que não fosse acabar nunca – Zetti

“Tivemos que descer a mais de 100 metros do estádio, andamos no meio do povo, com tiros e ameaças. O jogo atrasou mais de hora para começar. Permitiram que eu ficasse no banco, mesmo eu tendo sido expulso na partida anterior… Os seguranças deram retaguarda. Foi uma guerra, para variar, mas eu já conhecia”, comentou Leão, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

No ano anterior, à frente do Atlético-MG, o mesmo treinador passou por um episódio ainda mais grave, justamente na final da Copa Conmebol e também em solo argentino. Os atleticanos, no primeiro jogo da grande decisão, foram ao país vizinho enfrentar o Lanús e golearam por 4 a 1. Depois do apito final, os jogadores da equipe da casa encurralaram a delegação do Galo no alambrado e agrediram os jogadores e a comissão técnica. O comandante foi acertado com um soco no rosto e precisou de uma cirurgia para reparar as lesões na face. Em Minas, o Atlético empatou por 1 a 1 e venceu o torneio. A volta para a Argentina dirigindo o Santos deixou o profissional apreensivo.

Rosário é para eles como um campo minado, em que todos precisam ter medo – Leão

Claudiomiro recorda da preocupação do técnico. “A gente não ia jogar. Ele já tinha passado por um episódio lá e disse: ‘vamos embora’. E nós falávamos que não iríamos entregar o título para os argentinos. E ele respondia: ‘vamos embora, esses caras vão matar a gente’. Até que chegou o presidente da Conmebol e disse: ‘Se vocês não entrarem, vocês também não vão sair, porque a torcida está enlouquecida no estádio’. No final, nos deram toda a segurança de que o jogo iria acontecer sem problemas”, relembrou o autor do gol da vitória no jogo de ida.

O então lateral-direito Anderson Lima, um dos pilares da defesa santista, também comentou o cenário de guerra na chegada ao estádio. “Chegamos e não era pra ter o jogo. Chegamos a base de tiro, quase tombaram o ônibus. Mas naquele momento, não jogar seria pior. Conversamos com Leão e optamos por entrar”, enfatizou.

O torcedor do Santos teve um orgulho que nem todos podem ter. A equipe foi ao campo, mesmo com todos os problemas externos, e batalhou. Mesmo fora do alçapão, o Alvinegro conseguiu se defender e contou com as estrelas do goleiro Zetti e da dupla de zaga Claudiomiro e Sandro.

“O Santos, na sua essência, tinha um time muito bom, mas alguns estavam machucados, expulsos e nós fomos com um time mais jovem. Todos achavam que não ia dar, mas saímos campeões”, disse Leão, que conseguiu o bicampeonato consecutivo da Conmebol treinando dois clubes diferentes, o Atlético-MG e o Peixe.

O Leão queria ganhar até jogo de botão. Isso fez com que a gente tivesse mais força de vontade para vencer – Jorginho

 

“Fizemos uma escolha certa e uma grande partida contra o Rosário. Foi digno de um time que queria marcar história”, falou Anderson. Depois de uma batalha heroica, finalmente a consagração. O 0 a 0 foi mantido no placar e, por ter ganho na ida, o Santos venceu a Copa Conmebol de 1998.

Turbulências até a grande decisão

Até chegar à final, a vida do Santos não foi fácil. Nas oitavas, a equipe enfrentou o Once Caldas, da Colômbia, e encarou algumas dificuldades. “A partida contra o Once Caldas foi uma das mais difíceis da competição”, afirmou Jorginho.

Na partida de ida, na Vila Belmiro, 2 a 1 para o Santos, com gols de Narciso e Viola. Na partida de volta, a equipe adversária construiu o mesmo placar e levou a disputa para os pênaltis. Contudo, Zetti estava debaixo da baliza do Peixe e foi peça fundamental para ajudar o clube a seguir na Copa Conmebol.

“Enfrentamos muita dificuldade. Talvez o jogo mais difícil foi na Colômbia. Eu acabei defendendo um pênalti e nós passamos de fase”, disse arqueiro.

Nas quartas de final, o Alvinegro eliminou a LDU, do Equador. Depois de um empate por 2 a 2 em solo equatoriano, a equipe de Leão venceu por 3 a 0 na Vila e avançou às semifinais.

Uma curiosidade da semi foi o adversário: Sampaio Corrêa. O clube disputava a Série B do Brasileiro, mas conseguiu uma vaga na competição internacional por ter vencido a Copa do Norte no ano anterior. Na partida de ida, um empate por 0 a 0, em Santos. Um choque para todos. Mas, no Maranhão, a equipe que viria a ser campeã goleou o Sampaio por 5 a 1 e seguiu para a Batalha de Rosário.

O troféu da Batalha

Zetti foi peça fundamental na conquista do Santos (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Já consagrado no futebol nacional após ter sido bicampeão da Libertadores e do Mundial pelo São Paulo, Zetti foi contratado pelo Santos em 1997. O goleiro foi peça fundamental do Alvinegro na conquista da Copa Conmebol em 1998, defendendo um importante pênalti nas oitavas contra o Once Caldas e fechando a meta na grande decisão contra o Rosário, na Argentina.

Justamente na “Batalha de Rosário”, o goleiro viveu um acontecimento curioso. Depois de fechar a meta do Santos e realizar verdadeiros milagres, o goleiro falou sobre um “presente” que ganhou quase no final da partida.

“Quando faltavam um ou dois minutos para acabar, eu vi um objeto caindo no meu pé, com uma antena. Eu fiquei muito preocupado. Estava na marca do pênalti e jogaram por cima da tela de proteção. Era um rádio. Segurei ele na mão, com a luva ainda, e ele estava funcionando. O jogo continuou, não veio mais nenhuma bola e fiquei com o rádio ao final”, disse o goleiro, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

“O rádio está comigo até hoje. É uma recordação muito boa”, comentou Zetti, relembrando o seu troféu especial e particular da final em Rosário.