Profecias de um novo Hernanes - Gazeta Esportiva
José Victor Ligero e Mateus Videira*
São Paulo, SP
05/04/2019 06:00:07
 

Ele foi contratado com o status de principal reforço do time na temporada. Mas, atrapalhado por problemas físicos, ainda não alcançou o seu auge técnico, tampouco encheu os olhos da torcida tricolor, que espera pacientemente pela melhor versão de seu ídolo.

Assim pode ser classificado o início da terceira passagem de Hernanes pelo São Paulo. Comprado do chinês Hebei Fortune no fim de 2018 por 3 milhões de euros (cerca de R$ 13 milhões), o meia ocupa a reserva do time de Cuca atualmente, mas garante estar livre das dores e pronto para dar a volta por cima no clube que o revelou para o futebol.

“Estou conseguindo treinar como não tinha conseguido fazer desde o começo do ano: sem dor, sem incômodo e sem problemas. A partir do momento que consigo fazer isso, eu já fico bem feliz, porque sou escravo do treinamento, sou escravo do trabalho”, disse o camisa 15, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

No bate-papo profético, Hernanes não abandona o jeito pausado de falar para projetar a arrancada do São Paulo no Campeonato Brasileiro, listar os principais concorrentes ao título e discorrer sobre o futuro da geração promissora que saiu de Cotia para fortalecer o elenco profissional.

Aos 33 anos, ele nem sequer se imagina aposentado. Pelo contrário. Traça planos para sua carreira – o retorno à Seleção Brasileira é um deles, além de ajudar o Tricolor a “voltar a figurar entre os grandes disputando títulos”. Também não titubeou ao comentar o trabalho de Cuca, sua passagem pela China e assuntos polêmicos do futebol, como Neymar.

BOM INÍCIO NO BRASILEIRO
É interessante como no futebol as coisas são rápidas. Mas sem dúvida foi uma semana muito boa, após uma semana triste… Não posso dizer nem que foi triste, porque a gente vinha num crescimento interessante, jogamos contra o Corinthians a final [do Paulistão], não conseguimos ser campeões, mas a equipe estava formando uma identidade, então foi importante começar bem o Brasileiro com duas vitórias seguidas. Desde 2013 o São Paulo não começava com duas vitórias consecutivas.

JOGO CONTRA O FLAMENGO
Foi uma semana muito boa e domingo temos mais uma final. No Brasileiro parece clichê, mas o clube que consegue encarar cada jogo como uma final tem grandes chances de dar uma arrancada boa e brigar por coisas importantes. E não importa qual é o adversário, porque no Brasileiro não importa se está com o time titular ou o reserva. Hoje em dia os elencos estão muito fortalecidos. O Morumbi vai estar lotado, é um jogo importante para dar sequência neste momento.

REENCONTRO COM ROGÉRIO CENI
Vai ser interessante com certeza [Fortaleza e São Paulo se enfrentam no dia 12, no Ceará, pelo Brasileiro]. Ainda não falamos sobre o jogo. Será um jogo especial, pois é o maior personagem que o São Paulo teve. Vai ser o maior goleiro artilheiro que já existiu enfrentando o São Paulo. Vai ser interessante.

LEGADO DO VICE PAULISTA
Claro que foi muito bom e gratificante para o São Paulo ver os moleques da base vindo e fazendo a diferença, mas a equipe como um todo cresceu na segunda fase do campeonato. Isso que ficou. A equipe começou o ano de maneira difícil, mas foi evoluindo aos poucos. O que ficou foi isso, independentemente de quem estava jogando, mas veio como bônus a garotada da base. Foi a cereja do bolo.

CONSELHEIRO DOS GAROTOS
A relação é muito boa. Os moleques são alegres, trazem descontração e alegria. É bom conversar e falar. Eu procuro dar alguns toques dentro de campo, porque fora cada um faz o que quer. Mas dentro de campo, nos treinos e jogos, procuro dar dicas e conselhos, para que eles não só consigam ajudar o time, mas também se estabelecer e ter uma carreira vitoriosa no São Paulo e na vida deles.

GERAÇÃO VAI VINGAR?
Qualidade, técnica e personalidade os moleques provaram que têm. Mas no futebol a constância é que faz a diferença. Isso é uma qualidade que a gente não tem como detectar agora, só com o tempo. A probabilidade é que eles trilhem um caminho vitorioso, porque têm qualidade e mostraram não só em um jogo. Se continuarem nesse caminho humilde, ouvindo, escutando e querendo aprender, eles têm tudo para chegar longe.

FAVORITOS NO BRASILEIRÃO
Ainda é muito cedo. Acho que temos que ter uma estratégia e estar bem focado em executá-la, no sentido de que os outros clubes que são rivais – Palmeiras, Inter, Grêmio, Corinthians, Santos, Cruzeiro e o próprio Flamengo – estão disputando outras competições. Então temos que aproveitar esse momento em que estamos bem focadinhos para fazer nosso dever de casa e abrir uma distância interessante.

Mas isso não garante nada porque no ano passado o São Paulo foi campeão do primeiro turno e depois não conseguiu manter no segundo. É relativo, o futebol muda muito rápido. Temos que aproveitar esse momento, mas no decorrer do ano manter o foco e a fome para conseguir chegar no final do campeonato brigando por uma coisa importante. É aproveitar esse início, dar um gás total.

SECA DE TÍTULOS
Eu vejo um grande foco nos jogadores, uma grande vontade realmente de conquistar um título. Estamos trabalhando num ritmo bom, com uma concentração muito boa. Consigo enxergar um grupo bem focado e forte. Agora é evitar distrações e manter essa pegada boa.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE CUCA
Eu achei o Cuca um cara superinteligente, ele consegue falar e comunicar na linguagem que o jogador entende. Uma linguagem muito relacionada com a malandragem, com a capacidade de o cara ser esperto dentro de casa. Essa linguagem é bem bacana, um cara que entende realmente de futebol, um cara estratégico que pensa em tudo. Estou achando bem interessante conhecer e trabalhar com ele.

Hernanes tenta recuperar forma física e técnica para entrar no time titular de Cuca (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

POSIÇÃO PREFERIDA
Minha posição é a de terceiro homem de meio-campo. É a posição que, com certeza, vou poder contribuir mais. Quando falo de terceiro homem de meio-campo é quando não tenho tantas responsabilidades de marcação, com mais liberdade de criar e chegar ao ataque. Com certeza essa será a posição que melhor aproveita meu potencial e minhas características principais, que são o chute, o drible e a bola colocada na frente. Segundo volante também é uma função que sempre fiz. O segundo volante é uma posição que fica interessante vindo de trás.

RETORNO
O que passou pela minha cabeça foi que, devido a minha trajetória no São Paulo, se criasse uma expectativa muito grande em cima de que se eu chegasse resolveria tudo. Ficava preocupado com essa expectativa exacerbada. Isso me preocupava um pouco. Mas o projeto que o São Paulo me apresentou e esse longo período de espera por títulos me fizeram almejar tentar contribuir. O momento foi propício para que pudesse retornar e enfrentasse o que fosse necessário. No final, queria ajudar o São Paulo a voltar a figurar entre os grandes disputando títulos.

QUANDO ALCANÇARÁ O AUGE?
Eu estou bem feliz neste momento, porque estou conseguindo treinar como não tinha conseguido fazer desde o começo do ano, sem dor, sem incômodo e sem problemas. A partir do momento que consigo fazer isso, eu já fico bem feliz, porque sou escravo do treinamento, sou escravo do trabalho. Não falo nem de talento ou de dom, sou escravo do treino. Quando eu falo um ‘novo’ [Hernanes], é porque realmente eu posso treinar como se deve e como gosto de fazer. Se vai ser antes da Copa América ou depois, o importante para mim é que estou treinando bem, sem dor, e isso para mim é um grande trunfo.

VOLTA DA CHINA
É preciso mudar o conceito do que pensamos sobre o futebol chinês. O ponto é que eu, o [Alexandre] Pato, o [Diego] Tardelli estávamos de férias há dois meses, e aqui no Brasil não tem pré-temporada. Na China nós fazemos dois meses de pré-temporada, na Europa fazemos 45 dias. Você prepara o corpo para enfrentar o trabalho. Na China, treinamos mais do que aqui no Brasil, e nos jogos corremos mais também.

O único fato é que meu time não estava na Champions League da Ásia, então você joga um pouco menos, mas os treinos e os jogos são mais intensos do que no Brasil – falo de números, dados de GPS. Você precisa de, no mínimo, dois meses para preparar o corpo. É uma coisa bem matemática. Por etapas [como ocorre no Brasil], você acaba sofrendo. Esse é o ponto, tem que ser respeitado isso e preparar o corpo.

Bicampeão brasileiro em 2007 e 2008, Hernanes foi fundamental ao São Paulo na briga contra o rebaixamento em 2017 (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

ARREPENDIMENTO?
De maneira nenhuma. Eu gostei muito de ter ido para a China. A China sempre esteve na minha cabeça como um lugar que eu queria viver por um período. Veio antes do que imaginava. Veio a oportunidade em um momento em que eu estava na Juventus, mas eu estava jogando em uma posição que não me agradava, que eu não estava usufruindo de 100% das minhas capacidades e não estava feliz. A proposta era muito boa, o time era bom e dentro do contexto não tinha como recusar. Não me arrependo jamais. Foi uma experiência boa, bacana. Numericamente não foi o que eu esperava e pretendia, mas foi válida e interessante.

REFERÊNCIAS CULTURAIS
Nunca assisti uma série sequer (risos). É um mundo que eu preciso conhecer. Mas ler eu sempre leio, porque é um exercício que você precisa fazer. Da mesma forma que o corpo precisa ser treinado, a mente precisa ser treinada também e a leitura é uma maneira de exercitar o cérebro e a linguagem. O pensamento é uma linguagem, então quando a gente simplifica a linguagem ficamos com uma maneira de pensar muito simples. Os livros fazem isso, trabalham a linguagem e a complexidade. É um exercício fundamental para deixar a mente ativa. Sempre leio filosofia, auto-performance…

Estou lendo vários, consigo fazer isso. Em Busca da Alta Performance é um livro muito bom, li um do Leandro Karnal, um do Padre Fábio de Melo. Um outro que se chama Calma. Comecei um da Agatha Christie, que estou lendo em italiano. Leio de tudo um pouco, porque gosto e é um exercício.

O HERNANES DAQUI 10 ANOS
Eu me vejo morando na Itália para estar perto dos meus filhos [ele tem quatro]. Desde 2017, quando fui para a China, eles ficaram na Itália e eu fui. Agora a gente tem ficado distante e com saudade. Quando eu parar com o futebol quero estar perto deles. O que vou fazer como atividade ainda não sei, mas quero deixar algumas probabilidades abertas. Mas morar na Itália, com certeza.

Hernanes disputou a Copa do Mundo de 2014 e sonha em voltar a ser convocado para a Seleção Brasileira (Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

APOSENTADORIA
Não consigo responder onde vou encerrar minha carreira. O futebol é muito rápido e eu sou um novo Hernanes. Quando estava na China, eu estava com uma condição física que eu nunca senti antes, de força, de explosão, de capacidade. Era algo que eu sempre quis atingir e nunca tinha conseguido. Foi um paradoxo, porque esse ano, por estar muito tempo parado, tive vários problemas. Hoje, fisicamente, me vejo na condição que eu sempre quis ter, que sempre trabalhei para. Meus sonhos são grandiosos e não posso pensar no fim enquanto tenho coisas para conquistar.

SELEÇÃO/ NEYMAR
Aí eu gostei de ver (risos). Com certeza. A Amarelinha é um desses sonhos.

Eu não posso falar do extracampo [disse, sobre agressão a torcedor que o provocou]. Quem sou eu para falar algo. Ele teve problemas físicos, está se recuperando. Na final [da Copa da França] ele fez um jogo incrível, um gol maravilhoso. Uma coisa não justifica a outra, mas a outra coisa não pode manchar esse outro lado. O que ele fez dentro de campo é genial, mas o que ele faz fora não quero me pronunciar a respeito. Ele continua sendo gênio dentro de campo. Ele é um cara super de grupo, um menino do bem. Nós, nas horas vagas, jogávamos poker juntos. Ele não tem nenhum tipo de distanciamento, de preferência. É trabalhador, nos treinos fazia tudo em alta intensidade e é um grande jogador.

* Especial para a Gazeta Esportiva