A paz de um eterno inconformado - Gazeta Esportiva
Bruno Ceccon
São Paulo, SP
08/16/2018 08:00:36
 

O jovem César Augusto Cielo Filho acordou nervoso na manhã do dia 16 de agosto de 2008. Há exatos 10 anos, ao completar os 50m livre em 21s30, o nadador de Santa Bárbara D’Oeste entrou para a história com a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim. Hoje, ainda cultiva o que chama de “eterno inconformismo”, mas se diz em paz com seu legado e já pensa na aposentadoria.

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Cielo percebeu que tinha condições de brigar pelo ouro na prova mais rápida da natação dois dias antes da final, quando conquistou o bronze nos 100m livre ao cravar 47s67. Empatado com o norte-americano Jason Lezak, o promissor nadador brasileiro foi superado apenas pelo francês Alain Bernard e pelo australiano Eamon Sullivan na distância.

“Até ali, em termos de performance, eu estava me colocando em um nível abaixo de muita gente. Quando ganhei o bronze, pensei: ‘Pô, estou junto com os caras’”, contou Cielo, lembrando com fluência detalhes do dia da final dos 50m livre. “Estava meio arisco e, ao mesmo tempo, consciente. Foi uma manhã silenciosa, não falei com ninguém. Mas estava no controle. Só pensava em fazer minha prova”, descreveu.

Cielo executou sua prova com maestria e ganhou o ouro ao registrar 21s30, tempo que permanece como recorde olímpico. Os franceses Amaury Leveaux (21s45) e Alain Bernard (21s49) completaram o pódio em Pequim. Único nadador brasileiro a conquistar o título olímpico na história, ele ainda tem dificuldades para dimensionar o próprio feito.

“Vejo como o primeiro grande momento da minha carreira. Meu inconformismo eterno impede de ver muito mais do que isso”, explicou. “Digo que estava brincando de atravessar a piscina o mais rápido possível e consegui em uma Olimpíada. Atualmente, acho que os atletas brasileiros sentem mais possibilidade de conseguir chegar. É aquela coisa: ‘Teve um cara que foi lá e fez, então vou fazer também’”, raciocinou.

Logo em sua primeira edição dos Jogos, Cielo conquistou o maior sonho da carreira, inédito para os antecessores Gustavo Borges, Fernando Scherer, Ricardo Prado, Manuel dos Santos Júnior e Tetsuo Okamoto. O jovem viveu um segundo semestre de 2008 confuso, mas conseguiu se encontrar no final do ano, a tempo de iniciar a coleção de ouros mundiais em Roma 2009, ampliada em Xangai 2011, Barcelona 2013 e Budapeste 2017.

“Um dos objetivos que sempre tive na carreira, desde molequinho, era ganhar todas as competições que disputasse. Até contei para os meus pais, era uma das poucas coisas que falava abertamente. Começou em Mococa, com as seleções regionais, Chico Piscina, Sul-Americano, Liga Universitária Americana… Até as Olimpíadas. Saber que venci todos os torneios que disputei me traz uma paz interior muito grande”, disse.

Nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, superado pelo francês Florent Manaudou e pelo norte-americano Cullen Jones, Cielo acabou com o bronze nos 50m livre e ficou fora do pódio nos 100m livre – até hoje, mantém os recordes mundiais das duas distâncias, alcançados com os trajes tecnológicos. Nos últimos 10 anos, ele foi treinado por profissionais como Albertinho Silva, Scott Goodrich e Brett Hawke.

“Sempre quis um volume de conquistas para dizer que não foi um fogo de artifício que subiu e desceu. De fato, consegui dominar a alta performance por muito tempo, na prova mais acirrada da natação e com técnicos diferentes. Também queria olhar para trás e falar: ‘Fui campeão mundial com treinadores diferentes’. Tive técnicos bons? Tive, mas eu fui a carta diferencial do baralho”, descreveu.

Em 2011, menos de um mês antes do Mundial de Xangai, Cielo testou positivo para furosemida, mas alegou contaminação cruzada em um suplemento manipulado e, em uma decisão polêmica, acabou apenas advertido. Cinco anos depois, em mais um baque, falhou na tentativa de obter a vaga para os Jogos do Rio de Janeiro. Na reta final da carreira, entre glórias e decepções, ele consegue dormir tranquilo.

“Tem o inconformismo de sempre querer um pouquinho mais. Olho e falo: ‘Em algumas competições, o resultado poderia ter sido diferente’. Quando começo a pensar nisso, me remói um pouco, para ser sincero. Mas, quando paro para pensar em todas as conquistas desses anos, fico em paz”, reiterou. “Isso é importante, porque meu inconformismo é duro e seria complicado passar o tempo inteiro insatisfeito comigo mesmo”, afirmou.

Aos 31 anos, pai de um filho, Cielo já se divide entre a rotina na piscina e os afazeres como sócio em uma empresa que fabrica produtos voltados à natação. Após disputar o Mundial de Piscina Curta de Hangzhou, marcado para dezembro, o atleta do Esporte Clube Pinheiros planeja decidir sobre o eventual fim da carreira. Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, por enquanto, não estão no horizonte.

“Depois de algumas conquistas que tive, meu objetivo sempre foi ajudar a natação. Agora, sinto que, estando na piscina, ainda ajudo muito ao desafiar os meninos no treino, passar uma dica, uma correção. Quero contribuir para que a transição entre as gerações seja o mais harmoniosa possível e continuemos com bons resultados, sem um gap muito grande”, afirmou.

Gabriel Santos, Marcelo Chierighini, Marco Ferreira e Pedro Spajari com prata no Pan-Pacífico (Foto: Martin Bureau/AFP)

CIELO CRÊ NO REVEZAMENTO 4X100M LIVRE

Dono de três medalhas olímpicas, César Cielo não se imagina nos Jogos de Tóquio 2020. O experiente nadador brasileiro, prata com o revezamento 4x100m livre no Mundial de Budapeste 2017, acredita no sucesso da modalidade no Japão.

“A chance número 1 do Brasil é o 4x100m livre, se os meninos continuarem nessa pegada. O Gabriel (Santos), o (Pedro) Spajari e o (Marcelo) Chierighini, que deve continuar com eles e com certa liderança, por ser o mais velho. Vamos ver quem será o quarto. É a principal chance de medalha nos próximos torneios”, disse Cielo.

Recentemente, com o tempo de 3m12s02, Gabriel Santos, Marcelo Chierighini, Marco Antonio Ferreira Júnior e Pedro Spajari conquistaram o ouro no Pan-Pacífico, disputado justamente em Tóquio. Os norte-americanos foram mais rápidos, mas acabaram desclassificados por desrespeitar a ordem de entrada dos nadadores.

Cielo também vê Bruno Fratus com chance nos 50m livre, mas reitera que sua maior aposta para Tóquio é o revezamento. “Com um pódio no Mundial de 2019, ele se coloca em uma posição de ganhar medalha olímpica. Mas, nos 50m, o cenário muda rápido e ainda faltam dois anos. O 4x100m acho que, de fato, pega medalha”, previu.