O dirigente profissional - Gazeta Esportiva
Mateus Videira
São Paulo
02/08/2019 09:00:32
 

Cada vez mais, o futebol requer profissionalismo. Não apenas dos atletas, protagonistas dentro de campo, mas principalmente de quem faz a máquina funcionar: os dirigentes. E a prova da necessidade de estudo e aperfeiçoamento se prova na oportunidade recebida por André Zanotta, diretor executivo do Grêmio na campanha da conquista da Libertadores e do vice-campeonato Mundial em 2017, que se especializou em gestão do esporte a fim de não ser “mais um” dirigente. O bom trabalho referendou o paulistano de sangue gaúcho para um novo passo, nos Estados Unidos, dirigindo o futebol do FC Dallas, da MLS (Major League Soccer).

Em entrevista à Gazeta Esportiva, Zanotta não escondeu que a mudança para o exterior, assim como para a grande maioria dos jogadores brasileiros, era um objetivo. E acredita, inclusive, que o trabalho à frente do Tricolor Gaúcho e a experiência do mundo jurídico e do futebol contribuíram para a oportunidade na terra do Tio Sam.

“Eu tinha um desejo e uma motivação para trabalhar fora do Brasil. Não apenas na MLS, mas sempre considerei uma boa oportunidade, por ser uma liga em desenvolvimento, porque sempre gostei muitos dos esportes nos Estados Unidos. De maneira geral, adoro a forma com a qual o norte-americano lida com o esporte”, disse.

“Eu já conhecia algumas pessoas na MLS, inclusive o Luiz Muzzi, que era o diretor do Dallas antes da minha contratação. Ele, por exemplo, só deixou o Dallas porque recebeu uma proposta do Orlando City. Com essa vaga, como os donos do time já tinham ouvido falar de mim, acabaram me entrevistando e deu tudo certo”, completou.

Passagem pelo Grêmio

Contratado em março de 2017 pela diretoria liderada pelo presidente Romildo Bolzan, Zanotta enfrentou a concorrência de outros sete candidatos entrevistados e acabou o escolhido para substituir Rui Costa, considerado por ele um dos profissionais com perfil semelhante ao seu. E em pouco menos de dois anos, participou da campanha vitoriosa da Copa Libertadores da América e do vice-campeonato Mundial em 2017, além dos títulos da Recopa Sul-Americana e Gauchão em 2018. E todo o trabalho consolidou uma saída tranquila rumo a Dallas.

O Renato é um cara fora de série. Acho que não existe uma sinergia maior entre um clube e um treinador como é Renato com o Grêmio

“Foi uma saída tranquila, não foi nada difícil. O presidente Romildo (Bolzan) entendeu perfeitamente a situação, que para mim era uma oportunidade. Comentei com ele que era uma vontade muito grande minha, que era algo muito raro um executivo de futebol do Brasil ser convidado e receber um convite no exterior e ele entendeu. Quando chegou a proposta conversei, eles me apoiaram e o presidente me disse que as portas do Grêmio estrarão sempre abertas, o que para mim é algo muito gratificante”.

“É difícil apontar um único responsável pelo sucesso, ou falar no que cada um, particularmente, ajudou. Mas acho que essa gestão do presidente Romildo está ficando marcada por levar o Grêmio a um outro patamar, tanto na questão de gestão do futebol quanto do próprio clube”, explicou.

(Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)

Na função de líder do departamento de futebol, André foi um elo entre Renato Portaluppi e Romildo Bolzan. E apesar de dividir as responsabilidades, exalta o sucesso da parceria com o treinador e o presidente, comprovado em uma relação de confiança, que contribuiu para uma das marcas da gestão: a recuperação de atletas desacreditados.

A lista de atletas recuperados pelo Tricolor é extensa e conta com exemplos em todos os setores do campo. Bruno Cortês, Léo Moura, Cícero, Maicon, Jael, a grande maioria ainda no elenco e com papel fundamental na proposta de jogo que reconquistou a América em 2017 e ficou a um Real Madrid de conquistar o mundo sob o comando de seu grande ídolo, agora no banco de reservas.

“Para mim acho que o mérito foi se adaptar rápido, conseguir manter por dois anos e para esse também a base do elenco, conseguir trabalhar bem a integração entre base, equipe sub-23 e profissional para que pudessem subir jogadores como Pepê, Jean Pyerre e ter atletas que dão o retorno esportivo e futuramente darão o retorno financeiro para o Grêmio “, ressaltou André, que destacou Renato Portaluppi.

“Minha relação com o Renato sempre foi muito boa. Eu admirava ele antes de conhecê-lo e depois de conhecer passei a admirar ainda mais. Ele tem uma coisa que poucas vezes vi em treinadores que é a lealdade que ele possui com o grupo de jogadores, com a direção e ele faz de tudo para preservar isso”, disse, emendando.

“E essa lealdade acaba servindo como diferencial para que atletas que estavam desacreditados em outros clubes tenham vindo para o Grêmio e encontrado um ambiente muito favorável e consigam reverter essa desconfiança. Cortez, Cícero, Jael e tantos outros são exemplos de jogadores que sabemos que tem qualidade, mas precisavam encontrar um ambiente propício para retomar o futebol de alto nível”, completou.

Do jurídico para o departamento de futebol

Hoje diretor de futebol na Major League Soccer, Zanotta um dia foi apenas um apreciador do futebol e consultor para questões jurídicas. Advogado, decidiu entrar no mundo da bola pela carência de profissionais que atendessem as demandas da justiça desportiva e das transferências. E para isso não se limitou ao conhecimento prévio e decidiu estudar, realizando um mestrado na Universidade de Liverpool em gestão do futebol.

“Eu tenho um perfil diferente da maioria, mas semelhante ao de alguns dirigentes de futebol, que migraram para essa para essa área de gestão. Posso citar como exemplos o Rui Costa (ex-diretor de futebol da Chapecoense), Gustavo Vieira (ex-dirigente de São Paulo e Santos), o Alexandre Pássaro (gerente de futebol do São Paulo). Todos esses migraram da área jurídica para a parte diretiva do futebol”, comentou.

“Quando eu terminei a faculdade já trabalhava em escritório, trabalhava até para alguns clubes e percebi que os clubes eram muito carentes e precisavam de pessoas especializadas para algumas particularidades nas questões jurídicas desportivas. Como eu já me envolvia com transferências e negociações, resolvi me dedicar a isso, fui estudar fora, fui para Europa fazer um mestrado em negócio do esporte na Fifa Masters. Depois trabalhei no México, aí fui para clubes da primeira divisão com o sentimento de querer entrar nos clubes, participar dessa área de gestão e não ficar exclusivo aos assuntos jurídicos”, revelou Zanotta.

(Foto: Divulgação/FC Dallas)

A caminhada como diretor de futebol se mostrou de sucesso. Em um primeiro momento, André Zanotta assumiu o Santos, onde permaneceu até 2015. Depois, foi para Pernambuco dirigir o futebol do Sport. De lá, partiu para Porto Alegre, onde se aperfeiçoou a fim de ajudar no objetivo de recolocar o Grêmio no patamar das glórias. Conseguiu. E dessa forma, recebeu o convite para a aventura no exterior, mais precisamente nos Estados Unidos. Agora, espera ter a trajetória como exemplo para outros dirigentes.

“Eu espero que sim (que eu seja uma motivação para outros). Estou indo para um mercado que é extremamente profissional, que trata o esporte com muito profissionalismo. Acho até que essa questão é uma prioridade e algo extremo nos Estados Unidos. Eu vejo essa oportunidade como um crescimento enorme na minha carreira. Recebi apoio e muitas mensagens de muitas pessoas me parabenizando e espero que outros se motivem”, explicou.

Partiu, Dallas!

“O futebol brasileiro precisa de pessoas cada vez mais capacitadas, que a gente organize e sane os problemas de gestão. Para você ter uma noção, eu estou entrando no lugar de uma pessoa, no FC Dallas, que estava no cargo há quase oito anos. O treinador, que trocou recentemente, estava há cinco no cargo. E ambos saíram porque receberam outras oportunidades. Então é a questão da continuidade. O Renato é um exemplo disso no Grêmio”.

Foi essa a resposta de André Zanotta quando questionado sobre a diferença, de maneira geral, entre a gestão do futebol no Brasil e no exterior. E o dirigente não parou por aí. “Os clubes sofrem muita pressão externa. Eles são pautados, muitas vezes, de fora para dentro, pela torcida, pela imprensa. Na Europa, na MLS, a gente vê que é um mundo completamente diferente, em que se há uma confiança e uma maior estabilidade para que o profissional desenvolva seu trabalho”, disse.

André Zanotta foi anunciado pelo FC Dallas (Foto: Reprodução)

Assim que firmou o acordo, o dirigente foi aos Estados Unidos e mesmo com pouco tempo na equipe já conhece a comissão técnica e o grupo, considerados por ele qualificados para buscar uma vaga nos playoffs da MLS. “Conheci o grupo de jogadores, a comissão técnica e todos são pessoas muito qualificadas. O grupo de atletas é forte. Não tem nenhuma estrela, mas são bons e acho que podemos chegar nos playoffs. E a partir daí, por ser mata-mata, qualquer um pode chegar. Quero almejar coisas grandes e na primeira temporada é estruturar para melhorar a cada ano”.

A percepção da MLS no mercado europeu tem mudado e eu fico muito feliz de estar participando desse crescimento, desse momento

Nos Estados Unidos, Zanotta terá uma uma grande estrutura, estabilidade e contará com um esporte em crescimento. Tudo isso, em uma liga, a MLS (Major League Soccer), que também tem buscado evolução. Antes destino de estrelas sem espaço na Europa, hoje o torneio ambiciona atrair jovens e, porque não, se tornar um mercado consumidor para o velho continente.

“A política tem mudado. A Liga tem olhado para os jogadores mais jovens, o mercado europeu tem olhado de forma diferente para a MLS. Nesta janela, por exemplo, o Almirón, do Atlanta, foi vendido para o Newcastle, da Inglaterra, por mais de 20 milhões de euros. O Zack Steffen, goleiro do Columbus Crew, foi vendido ao Manchester City por quase 10 milhões de euros”, analisou.

“Se você olhar, a média de público da MLS está entre as seis melhores se formos levar em consideração todas as ligas do mundo. Está, por exemplo, muito à frente do Brasil e brigando com outras grandes ligas, como Alemanha, Inglaterra. Americano não gosta de ser segundo em nada e eles querem crescer. O futebol é o esporte que mais cresce no país, é o esporte mais jogado entre meninas de 6 e 14 anos, é o segundo entre meninos da mesma idade. Então, esse público jovem será o consumidor do futebol e estou feliz de ser parte de tudo isso”, finalizou André Zanotta, o mais novo brasileiro no futebol dos Estados Unidos.