Naipe de artista, pique de jogador - Gazeta Esportiva
Fernanda Lucki Zalcman
São Paulo, SP
03/07/2019 08:00:16
 

“Meu pai costumava me levar para suas aulas de tênis quando eu ainda nem ia para a escola. Não me lembro de estar longe do tênis. Foi tudo muito natural para mim”.

Este é Felix Auger-Aliassime. Canadense, natural de Montreal, filho de um treinador de tênis e uma professora. O esporte e a disciplina estavam no sangue. E talvez, ter nascido no dia 8 de agosto, mesma data que Roger Federer, não seja mera coincidência.

Hoje, o “baixinho” de 1,91m, no alto de seus 18 anos, é nada menos que o número 58 do ranking da ATP. Embalado pelo vice-campeonato no ATP 500 do Rio de Janeiro e pelas quartas de final no ATP 250 de São Paulo, o canadense ganhou um convite (wild card) em Indian Wells, “pulando” o qualificatório e entrando direto na chave principal, que tem início nesta quinta-feira.

E como não poderia ser diferente, ele vem despertando interesse e desponta já como uma das principais promessas do tênis mundial.

O status, porém, não deslumbra Felix. Sua lucidez e humildade chamaram a atenção bem antes da conversa com a Gazeta Esportiva. Tranquilo, educado e preocupado com o conforto de todos. Foi assim que ele apareceu na sala para a entrevista logo após vencer as oitavas de final do Brasil Open.

“Sempre estive rodeado pelo tênis. Meu pai levava minha irmã e eu para os treinos e tenho fotos minhas segurando suas pernas enquanto ele jogava quando eu tinha uns três anos. E com seis, sete anos, eu assistia tênis na televisão e falei para o meu pai que queria jogar profissionalmente, disputar Grand Slams, ser número um algum dia. Esse era o meu sonho, sabe?! E depois disso, continuei acreditando… E aqui estou”, começou contando com um brilho nos olhos.

A família, como se percebe no discurso do jovem canadense, foi e continua sendo de extrema importância em sua vida. Desde o começo, Sam e Marie Auger apoiaram Felix e “sacrificaram muita coisa” pelo sonho do filho, que fica feliz em deixá-los orgulhosos.

E seus pais dizem muito do que ele é hoje. “A principal lição que meu pai me passou foi: todo dia, trabalhe pelo que quer. Não tem outro jeito, tem que trabalhar duro. E ele sempre quis que eu, como homem, continuasse sendo a mesma pessoa. Humilde, respeitoso, e eu tento sempre fazer isso”.

Naipe de artista

A influência da família se faz presente também fora das quadras. Um de seus hobbies preferidos é tocar piano e se não fosse tenista, poderia muito bem ter seguido os rumos artísticos.

“Sou ok (tocando piano) e toco música clássica. Fiz aulas quando eu tinha entre sete e nove anos e depois parei. A disciplina de tocar piano ajuda na quadra, claro, mas eu não pensava nisso quando tinha sete anos (risos). Mas para meu pai e minha mãe era sobre eu ser mais do que só um jogador de tênis. Eles queriam que eu experimentasse muitas coisas, de forma que eu virei uma pessoa mais completa”, relatou em conversa com a Gazeta Esportiva, o Tênis News e a Veja.

Mas a alma vai muito além da arte. É também solidária. “Meu pai é treinador e minha mãe, professora. Então eu gostaria de fazer (se não fosse tenista) algo relacionado com dar ao outro minha experiência, meus conhecimentos. Alguma coisa associada a ensinar ou treinar e ajudar os mais jovens”, completou.

Pique de jogador 

Não é de hoje, porém, que Aliassime chama a atenção. Ainda em 2015, quando tinha apenas 14 anos, ele se tornou o primeiro jogador nascido no ano 2000 a entrar no ranking da ATP quando se classificou para o Challenger de Drummondville.

Mais tarde no mesmo ano, a um mês de completar 15 anos, se tornou o mais jovem tenista a vencer um jogo de nível Challenger em Granby, Canadá.

Como longevidade é aquilo que muitas vezes define um craque, ele não parou por aí. Com 17 anos e 1 mês, se tornou o quarto jogador mais jovem a furar o top 200, o primeiro desde Rafael Nadal em 2002.

Além disso, no ano passado, Felix debutou em grandes torneios: Indian Wells. E como se não bastasse, se tornou o primeiro jogador nascido nos anos 2000 a competir em um Masters 1000.

E não apenas competiu. Venceu na estreia contra o compatriota Vasek Pospsil e, com 17 anos, se tornou o mais jovem a triunfar em um jogo no deserto californiano desde Michael Chang em 1989.

“Ele tem pinta de craque. É um cara que mostra ter todos os golpes, tem boa cabeça para sua idade e é muito profissional. Acho que todos os garotos de sua idade deveriam aprender com ele”, Guido Pella, campeão do Brasil Open

Hoje, Aliassime soma quatro títulos de Challenger e somente Richard Gasquet (7) e Tomas Berdych (5) ganharam mais títulos antes dos 19 anos. Em nível ATP, ainda não conseguiu levantar nenhuma taça, mas esteve muito perto disso na final do Rio Open quando, apesar do vice-campeonato, se tornou o mais jovem finalista da história dos ATPs 500.

Se continuar, assim, não vai demorar muito para que ele conquiste um torneio ATP. Atualmente, o número três do mundo, Alexander Zverev é o mais novo a ter alcançado tal feito, quando foi campeão em Halle 2016, com 19 anos.

Categorias de base no Canadá

Nos últimos 10 anos, o Canadá revelou três tenistas que hoje são top 50. Em 2008, Milos Raonic se tornou profissional, assim como Dennis Shapovalov e Felix Auger-Aliassime, em 2017, grandes amigos até hoje.

Na última atualização do ranking, Raonic, de 28 anos, manteve a 14ª posição; Shapovalov, que completa 20 anos em abril, caiu uma colocação, ficando em 25º; enquanto Felix, de 18 anos, subiu para o 58º posto.

Isso sem falar no feminino, que tem a jovem Bianca Andreescu, de 18 anos, na 60ª posição. Entre as mulheres, inclusive, há ainda mais jovens promessas entre 16 e 19 anos, subindo no ranking da WTA aos poucos.


Nesse contexto, Felix lamentou que muitos jovens tenistas ao redor do mundo não tenham condições financeiras de começar uma carreira profissional e entende que esse é o principal problema que os jovens enfrentam ao tentar ingressar no circuito.

“Acho que tudo tem que estar no lugar (quando se está começando na carreira). Mas a coisa mais difícil é quando eu vejo tenistas que têm talento, trabalham duro, mas não têm oportunidade ou dinheiro para viajar. Acho isso muito complicado, porque todo mundo deveria ter uma chance. E eu tive bastante sorte em ter uma federação que me ajudou a começar a carreira, e todo mundo merece uma chance dessa. Mas acho que o mundo é assim… diferentes oportunidades, independentemente de onde você é”, avaliou.

Contudo, sobre o investimento do Canadá nos jovens e no tênis em geral, ele ressaltou que não poderia estar mais feliz e ainda destacou o quanto a modalidade vem crescendo no país nos últimos anos.

“Acho que é muito, muito bom. Seria difícil ser melhor. Talvez não seja tão grande como na França, nos Estados Unidos, nesses países grandes. Mas nos últimos anos, eles investiram muito no futuro do tênis, em infraestrutura, no tênis em geral e no de alto rendimento. E eles vêm mostrando números de como o esporte cresceu e mais pessoas estão jogando e assistindo tênis. Espero que possamos continuar assim e fico feliz em ser parte disso”.