Liberdade, cobranças e maturidade: os pilares de Fernando Diniz no Audax - Gazeta Esportiva
Thiago Trolize*
04/15/2016 10:00:25
 

No futebol brasileiro, onde se costuma tomar decisões baseadas somente em resultados, é muito difícil ver uma equipe que aposta no trabalho de um treinador e consegue ter paciência. O Grêmio Osasco Audax fez exatamente isso e vem conseguindo colher os frutos do espaço e da confiança dados ao jovem treinador Fernando Diniz. A equipe fundada em 2013 conquistou um grande feito; se classificou para a segunda fase do Campeonato Paulista como líder de uma das chaves, deixando o São Paulo para trás.

Diniz, ex-jogador de Palmeiras e Corinthians durante os anos 90, apontou em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva os ideais que podem fazer a diferença no confronto contra o Tricolor, rival que considera um dos melhores apesar da irregularidade em campo: a liberdade dada pela diretoria ao seu trabalho, a cobrança sobre os atletas e a maturidade alcançada por um trabalho que considera diferente em comparação aos outros clubes pequenos.

Questionado no passado por seu sistema ousado, o comandante de 42 anos ainda falou que não se espelha em técnicos badalados do exterior como Pep Guardiola: “A minha inspiração na verdade, desde quando eu jogava, são os grandes jogadores. Tudo o que eu faço aqui é para que o jogador possa ser o Pelé que ele quer ser”.

Formado em psicologia, Fernando acredita que um dos principais problemas do futebol brasileiro é não tratar o jogador como pessoa, deixando de lado os fatores extracampo, que são, na visão dele, cruciais para a formação do atleta.

Confira a entrevista completa com o técnico da equipe sensação do Campeonato Paulista concedida na semana antes do jogo contra o São Paulo:

Fernando Diniz, técnico do Audax, CCT do Audax, Osasco SP, 06/04/2016, Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press
O time de Fernando Diniz encanta pelos resultados e pelo estilo de jogo (oto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – O que você pode destacar na classificação do Audax na classificação no Paulistão?

Fernando Diniz: A maturidade que a equipe foi desenvolvendo ao longo dos anos, tanto coletiva como individualmente fizeram com que esse ano a gente chegasse com uma possibilidade maior. As ferramentas estavam mais afiadas para conseguirmos o primeiro objetivo, que, como em todo time pequeno no início, era conseguir escapar do rebaixamento, já que caem seis esse ano. Depois, passamos a pensar na classificação. A gente tem conseguido avançar em todas as frentes. E, além dos resultados, o conteúdo que a equipe tem mostrado está bastante convincente.

A equipe evoluiu, continuou evoluindo, e esse ano a gente tem um grupo mais coeso. Temos meninos que emergiram da base, que não jogaram tanto, mas fazem parte do elenco e têm dado um suporte e uma consistência muito boa para a equipe. É um processo natural; sempre tivemos convicção no trabalho e o que tem acontecido agora é a colheita dos frutos.

Gazeta Esportiva – A má fase do São Paulo pode ajudar o Audax na disputa pela semifinal?

É difícil falar do São Paulo, eles têm uma grande equipe, e, como o Palmeiras, acabou não pontuando tanto quanto Santos e Corinthians. Sempre se espera que um grande pontue mais, mas o campeonato está apenas no começo e estamos falando de uma equipe que tem grandes jogadores, um grande treinador e está entre os maiores times do mundo. Então a gente tem que focar no nosso trabalho, tentar fazer o nosso melhor, para fazer um grande jogo. E em um confronto entre ‘grande’ e ‘pequeno’, nunca é confortável para o ‘grande’ jogar de espera. Eu espero uma partida difícil, o elenco do São Paulo é muito forte, tem grandes jogadores de frente, e contra o Trujillanos conseguiu se encaixar e fez 6 a 0 na Libertadores.

Gazeta Esportiva – Houve mudanças na sua filosofia de trabalho da última vez que você comandou o Audax para agora?

Em termos de filosofia, não teve grandes alterações, o processo é contínuo. Nas outras ocasiões, tanto em 2014, quanto em 2015, a gente teve pontuação para classificar, mas estávamos em uma chave em que as equipes pontuaram muito e acabamos ficando de fora do mata-mata.

Gazeta Esportiva – Qual é a sua relação com a diretoria do Audax?

A relação com a diretoria é muito boa. Tanto com o Vampeta, como com o Nei Teixeira, que é o diretor de futebol, junto com o Sr. Mário, dono do clube, trabalhamos de maneira bastante integrada. Para mim, é um privilégio trabalhar aqui, tenho liberdade para implantar as ideias que eu tenho. Então, só tenho elogios para fazer à parte diretiva, onde as pessoas apostam no meu trabalho do início ao fim.

Gazeta Esportiva – Qual a diferença do Audax para as outras equipes consideradas ‘pequenas’?

Não é uma questão de melhor ou pior. Temos apenas uma proposta diferente e não é em relação às equipes ‘pequenas’. É a relação ao futebol de maneira geral, da prática diferente da maneira que outras equipes jogam. Então é uma coisa muito nítida a parte tática do time, que tem uma proposta bem incisiva para ter o controle do jogo, com bastante posse de bola, com muitos jogadores de qualidade técnica e o coletivo se desdobra para marcar bem. Eu acredito que, desta forma, a gente consegue resgatar o que tem de melhor nos jogadores, então eles acabam sentindo mais prazer, gostam da ideia, o que acaba aumentando o grau de comprometimento e tudo isso, junto de uma certa plasticidade que o time apresenta, nos tornamos mais competitivos.

Gazeta Esportiva – Existe algum projeto concreto para a projeção do Audax no cenário nacional?

Aqui nós fazemos um trabalho passo a passo. O calendário do futebol é muito complicado. Então eu não sei qual vai ser a diretriz que a diretoria vai adotar, mas está todo mundo estudando para ver qual é o melhor projeto a se seguir.

Não só podemos, como devemos chegar à elite do futebol brasileiro em um futuro médio. Claro que a gente tem que buscar. O Campeonato Paulista é o estadual mais difícil, então não tem porque a equipe não sonhar com um avanço no cenário nacional. Acredito que a diretoria pensa assim também.

Foto (Fernando Dantas/ Gazeta Press)
Foto (Fernando Dantas/ Gazeta Press)

Gazeta Esportiva – Quando você estava sob o comando do Paraná, saíram algumas notícias de desentendimentos entre você e alguns jogadores (Rafael Carioca e Jean). O que você pode falar sobre isso?

As pessoas no futebol têm o costume de analisar as coisas de maneira muito superficial; ao final dos jogos, com muita emoção. Alguns jogadores aqui no Audax estão comigo há quase quatro anos e já tiveram oportunidade de deixar o clube, mas não o fizeram. Alguns que foram treinados por mim no Paraná queriam ter vindo comigo para o Audax. As pessoas pegam um fato isolado e a imprensa, quando quer deformar a informação, deforma mesmo. Eu não tenho problema com as pessoas, tenho problema com os valores. Eu cobro comprometimento, se você combina algo e acaba não cumprindo, você terá grandes problemas comigo, independente se você for um roupeiro, jogador ou presidente.

Às vezes, as pessoas não querem enxergar algo óbvio. Sobre o Rafael Carioca: quando eu cheguei ao clube, eu fiquei sabendo que ele disse a alguns jogadores que se ele pudesse, ele seria meu jogador por 10 anos seguidos, porque quando eu cheguei lá, ele era tido como um jogador que dormia e passou a ser uma das peças mais importantes do time. Com o Jean eu tinha um problema, porque no momento, ele era um jogador que tinha potencial, mas não se adaptou.

E eu cobro muito, eu só não cobro mais porque eu não sei cobrar mais. E uma das ferramentas para fazer um time render é cobrar e saber cobrar. E depois saber oferecer outras coisas, que no Paraná não quiseram saber; afeto, carinho e comprometimento com o jogador.

Eu acabei tendo desentendimentos com dois jogadores, só que o elenco tinha 30. Eu prefiro ficar com os bons aspectos, do que com as fofocas e picuinhas. Ficamos em décimo, isso é algo que reverbera, as pessoas ficam comentando, mas não analisam um fato como um todo.

Gazeta Esportiva – De maneira geral, como você avalia sua passagem pelo Paraná?

Minha passagem pelo Paraná foi ótima, quando eu cheguei lá, a equipe tinha o mesmo número de pontos do time que estava na zona de rebaixamento e quando eu saí de lá nós estávamos dez pontos à frente do Z4, depois de apenas 2 meses, e durante a competição chegamos a ficar seis pontos da zona de classificação. Se eu não me engano, o Paraná tinha uma das menores folhas de pagamento da Série B, se não a menor, e era uma equipe jovem. Quando eu cheguei no clube, consegui implantar meu estilo de jogo e as estatísticas mudaram completamente em termos de posse de bola e finalizações, sem contar o número de jogadores que recuperamos.

O problema maior que eu tive no Paraná foi com a diretoria e com parte da imprensa, especialmente com umas duas ou três pessoas.

Gazeta Esportiva – Como você avalia a situação do futebol brasileiro?

Não só no Brasil, mas aqui de maneira mais incisiva, a gente tem uma cultura que analisa muito resultado e pouco conteúdo. Não digo seja o principal problema, mas um dos principais é o fato do jogador no Brasil não ser tratado como pessoa. Desta forma, acaba se perdendo muito.

Aqui, temos um contexto social extremamente complicado no que diz respeito às origens do jogador de futebol, muitos jogadores saem de casa com pouca idade e acabam não tendo os afetos básicos e essenciais para uma boa formação em termos emocionais. E infelizmente, em termos cognitivos e de educação formal, o atleta não tem estudo e quando estuda, vai para uma escola do Estado, onde vai somente para passar e não para aprender. Se essa fosse uma política pública, ou se o futebol se aproveitasse disso, a gente poderia reverter o quadro que está o futebol de maneira mais rápida. Ao invés de ficar se atolando em metodologia de treino, que é a principal discussão que temos hoje.

O primeiro fator que eu descartaria, ao avaliar a Seleção Brasileira, seria os jogadores. A melhor matéria-prima futebolística do mundo é do Brasil. Nós temos bons jogadores. O principal problema, na minha opinião, está na maneira que o jogador é tratado, deve se tratar o jogador como gente, para que ele chegue na Seleção mais bem preparado emocionalmente.

Gazeta Esportiva – Quais são suas principais inspirações para o seu trabalho como técnico?

Quando me perguntavam no passado sobre minhas inspirações, eu nem sabia responder. Não tinha nada a ver com o futebol internacional, até porque eu nem tinha tempo de acompanhar. Também não posso dizer que me inspirava no Guardiola, porque eu sou treinador desde 2009 e só consegui acompanhar o trabalho dele em 2011, quando o Barcelona ganhou de 4 a 0 do Santos. A minha inspiração na verdade, desde quando eu jogava, são os grandes jogadores. Tudo o que eu faço aqui é para que o jogador possa ser o Pelé que ele quer ser, óbvio que igual ao Pelé não vai ter mais, mas meu objetivo é que meu atleta consiga realizar seu sonho de infância. Minha inspiração é isso: ver o jogador jogando bem, de maneira alegre, atuando com plasticidade e de maneira competitiva. E isso não vem de maneira só lúdica, precisa de muito trabalho, treino e comprometimento de todos.

Gazeta esportiva – O que você deseja para o futuro da carreira?

Minha aspiração para o futuro é fazer o que eu faço hoje. Estou no melhor lugar que eu poderia estar. Eu ficava ansioso para o que poderia acontecer quando eu jogava, agora eu estou feliz como técnico. Tenho paz para fazer o que eu faço, gosto de fazer o que eu faço. Então eu dou o meu melhor, me dedico para fazer o melhor treino, o melhor jogo.

*Especial para a Gazeta Esportiva