Geração Pelé fala sobre atual time do Peixe: "Iam correr atrás da gente" - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva
Santos, SP
02/07/2018 09:00:05
 

Com o sorriso largo no rosto, Jonas Eduardo, o Edu, ex-ponta-esquerda do Santos, não esconde o orgulho de ter feito parte de uma geração campeã do Alvinegro Praiano. Quase 52 anos depois de vestir o manto santista pela primeira vez, o representante da velha guarda segue acompanhando os jogos do clube da Baixada, agora, claro, fora do campo. Para ele, se a equipe da década de 1960 fosse colocada frente a frente com a nova geração de Meninos da Vila, “íamos colocar eles para correr atrás da gente”, brinca.

Colecionador de títulos, o ídolo exibe, com orgulho, alguns dos troféus conquistados, agora expostos no Memorial do Santos, na Vila Belmiro. Os dentes claros nunca deixam de aparecer e o sorriso sai com facilidade conversando ao lado de seu parceiro de equipe, Walter Ferraz de Negreiros, que concorda com o amigo. “Acho melhor não colocar essa equipe contra a nossa, não. Deixa como está”, brinca entre risos sobre a possibilidade de um confronto contra seus sucessores.

“Nós contra o Santos de hoje? Meu Deus do céu. Ia ser uma briga boa”, destaca Antônio Lima dos Santos, Lima, eterno coringa do Alvinegro. “Não tenha dúvida que colocaríamos eles para correr. E essa coisa do adversário correr atrás da bola, era a forma que o Santos jogava”.

“Às vezes fico na bronca de eles [a nova geração de futebolistas] estarem se queixando porque tem dois jogos em um intervalo de três dias. Isso viajando de avião, ficando em excelentes hotéis. Não estou falando que isso é demais, é maravilhoso e é pra acontecer isso mesmo, preservar a saúde e o bem estar do atleta”, destaca Lima. “Mas não é pra se queixar. Passamos coisas bem piores”, lembra o atleta dono de 63 gols em 693 jogos pelo Santos.

Nós contra o Santos de hoje? Meu Deus do céu. Ia ser uma briga boa

Para Negreiros, o estilo de jogo mudou de lá para cá. Até o número de tentos marcados pelos jogadores, hoje, é inferior ao que se fazia antes. “Se o artilheiro do brasileirão faz 20 hoje, o Pelé ia fazer 25 só de cabeça”, palpita, bem humorado. “Na nossa época, o jogador tinha mais carinho pelo time e mais categoria”, afirma Negreiros. “Muito mais categoria”, concorda Edu.

Estrutura diferenciada

“Você não tinha preparo físico, mas comandava na mente”, conta Walter Negreiros sobre sua preparação na década de 1960. “É que nossa técnica era muito mais apurada do que nos dias atuais. Eles se condicionam muito mais fisicamente porque eles não têm a técnica”, opina Edu sobre o futebol mundo afora. Para ele, hoje, os atletas estão preocupados com quantos quilômetros correram na partida e não com o mais importante: a bola.  “Eles maltratam a bola. Isso me revolta. Eu vejo jogos e mudo de canal. Você não vê nada”, fala Edu, ainda em meio a risos.

“O futebol não mudou, a bola é redonda, o gramado verde, a trave branca”, brinca Negreiros. “Mas a mudança é muito grande na maneira como se faz futebol”. Segundo ele, os jogadores atualmente têm estrutura melhor. “A nossa era maravilhosa também”, afirma, com largo sorriso no rosto. ”A gente ia pra praia, chegava aqui no Santos pra treinar de shortinhos com areia, tomávamos banho e íamos treinar. Hoje, isso não existe”, lembra o meio-campista.

O jogador tinha mais carinho pelo time e mais categoria

Os veteranos lembram que o mesmo campo usado para as partidas era também, na década era 1960, compartilhado com os treinos do infantil, juvenil e profissional. Hoje, entretanto, há três principais locais frequentados pelos atletas alvinegros: Centro de Treinamento Rei Pelé, onde praticam o grupo rofissional, time B, juniores (sub-20), juvenil (sub-17) e infantil (sub-15); CT Meninos da Vila (sede para as Sereias, o mirim e o pré-mirim), além do Estádio Urbano Caldeira, para jogos do profissional e da equipe B.

“Hoje é tudo bem melhor que na nossa época”, concorda Edu. “Vocês não têm ideia do peso que eram as camisas quando chovia. A gente precisava dar lacinho na meia também. Sentíamos câimbra. A chuteira, os gramados, os materiais, tudo mudou”, ressalta. “Hoje, você pega um chuteira, pesa 300 gramas, pega uma camisa, absorve o suor, os gramados estão sempre em perfeito estado”, compara.

Mesmo raio, mesmo lugar

Os três jogadores concordam: o Santos é um para-raios que, contrariando o dito popular, contava com a sorte — ou o destino — para formar ídolos. “A cada jogador que saia, chegava um no mesmo nível”, afirma Jonas Eduardo, o Edu. “Esse raio que falam, já caia fazia muito tempo no Santos”, complementa Negreiros. “O Pepe tava parando, surgiu Edu. Zito parando, surgiu Clodoaldo, e assim seguíamos”.

Segundo os ídolos, o Alvinegro, que já teve Pelé, Robinho, Neymar e outros astros do futebol brasileiro, ainda pode ser berço de futuros grandes nomes. “Queremos que o futebol cresça, que venham 20 Neymars, 30 Neymars”, sorri Negreiros. “De preferência, todos aqui”, exclama Edu.

Aproximação com a torcida

Os jogadores lembram, saudosos, do carinho que recebiam da torcida. Carinho esse que, segundo eles, poderia passar do que hoje se considera limite. Em uma época sem smartphones, fotos não eram o primeiro pedido. Mas todos queriam levar uma recordação dos ídolos para casa. Nesse período, autógrafos eram os itens mais requisitados. Havia ainda quem pedia blusas, shorts e meias. “Já sai do campo só de cueca”, lembra Lima, defensor do Santos entre 1961 e 1971.

“Hoje, falta estreitar o relacionamento torcida e jogador”, defende o coringa. “Não custa nada para o esportista, quando está em um treino, na rua, no carro, parar para falar com a torcida. Somos abordados até hoje, mas isso faz parte da vida do atleta profissional”.

Para Edu, que estreou aos 16 anos ao lado de Pelé, os atletas tinham mais identidade com o clube e com o Santos. “Eles têm que retribuir o carinho do  torcedores”, destaca. Enquanto coloca as mãos no ouvido, como quem está com um fone, escutando música, ele ainda afirma: “Tem lugares onde que todo mundo está esperando por eles e eles não param, ficam ouvindo música”.

Negreiros concorda. “Não tinha esse negócio de fone de ouvido com a torcida ali. Eles [os jogadores] não dão nenhum tchauzinho. Isso é um erro”, destaca.  “O torcedor está naquele lugar por você e te ama. Você tem que passar ali e cumprimentar”, aconselha.