Arrancada teve clima hostil, arbitragem polêmica e fuga tricolor - Gazeta Esportiva

08/26/2015 12:03:10
 

O primeiro confronto do Palmeiras, realizado apenas seis dias depois da mudança de nome, foi um clássico com o São Paulo, jogo que decidiu o título do Campeonato Paulista de 1942. No episódio que entrou para a história como a “Arrancada Heroica”, a equipe alviverde entrou em campo com uma bandeira do Brasil e, após uma arbitragem polêmica de Jaime Janeiro Rodrigues, viu a ‘fuga’ dos adversários com o placar em 3 a 1.

No domingo anterior ao clássico decisivo, houve um entrevero no jogo entre os juvenis do ainda Palestra com o São Paulo. “O incidente foi grave, mas no fundo não surpreende porque, como já escrevemos, o espírito partidário vem sendo cultivado num terreno perigoso e inconveniente, daí a irritação clubística, que, quando chega a um grau elevado, cega, amesquinha e cria uma alma de irmãos cains”, afirmou o jornal A Gazeta.

As instituições ligadas a outros países que não cumprissem a determinação governamental de mudar seus respectivos nomes poderiam ter os bens confiscados e, na sequência, leiloados pelo governo. Refundado em 1935, quando o Palestra já contabilizava seis títulos paulistas, o São Paulo Futebol Clube, ainda longe de construir o Morumbi, teria cobiçado o patrimônio do time de origem italiana e pressionado as autoridades neste sentido, versão negada pelo Tricolor.

Na véspera do clássico, o clima de hostilidade entre São Paulo e Palmeiras, visto por alguns como “inimigo da pátria”, foi alimentado. “Criaram uma situação deplorável, como se no dia 20 houvesse um choque de honra entre duas famílias”, diz o jornal A Gazeta em 15 de setembro. “O ambiente foi saturado de ar irrespirável, procurando-se, sob falsos pretextos, atirar o clube do Canindé (então sede tricolor) contra o grêmio do Parque Antártica, como um lobo contra um lobo”, completa o periódico.

Um confronto entre torcedores das duas equipes era dado como certo no dia do clássico e, por isso, a polícia resolveu tomar preocupações incomuns para a época. “Não será permitida, em absoluto, a entrada de nenhum assistente que leve consigo bengalas, guarda-chuva (mesmo que chova), nenhum objeto, enfim, de que os mais exaltados possam se utilizar nos momentos de maior nervosismo, assim como laranjas e outras frutas para que não se repita o ridículo espetáculo dos arremessos ao campo”, diz o jornal A Gazeta.

Espirituoso, o cronista José de Moura usou o espaço de sua coluna no periódico para brincar com a situação antes do clássico decisivo. Se não houvesse o clima pesado, “a polícia talvez nem se lembrasse do guarda-chuva que o torcedor de futebol leva para o campo com todas as intenções, menos, porém, de quebrá-lo no cocuruto do vizinho que comete, às vezes, esse grande crime de torcer às escancaras pelo quadro de sua predileção”.

O clima de tensão era tamanho, que se temia o apedrejamento do time palmeirense no momento de subir ao gramado do Pacaembu, superlotado por aproximadamente 70 mil pessoas. Em uma jogada engenhosa de Adalberto Mendes, capitão do exército ligado ao clube, os jogadores entraram portando uma bandeira do Brasil na tentativa de aplacar os ânimos dos espectadores que, insuflados pelo clima hostil criado na véspera do jogo, tratavam os atletas esmeraldinos como inimigos da pátria.

Apesar do alto risco de confronto entre palestrinos e tricolores, não foi registrado qualquer tipo de incidente. Ironicamente, a confusão aconteceu justamente entre os jogadores. Inconformado com a marcação de um pênalti para o Palmeiras no segundo tempo, quando já perdia por 3 a 1, o São Paulo, capitaneado por Luizinho, se recusou a prosseguir com a partida. “Desfecho deplorável do prélio de titãs”, estampou A Gazeta Esportiva Ilustrada em sua capa de 21 de setembro.

Em foto histórica do acervo da Gazeta Press, Palmeiras entra em campo com a bandeira do Brasil em 1942 - Credito: Acervo/Gazeta Press
Em foto histórica do acervo da Gazeta Press, Palmeiras entra em campo com a bandeira do Brasil em 1942 – Credito: Acervo/Gazeta Press

O Palmeiras abriu o placar com Cláudio, sofreu o empate de Waldemar de Brito e retomou a vantagem com Del Nero. No intervalo da partida, representantes do São Paulo procuraram pelo presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) para reclamar da arbitragem. Aos 19 minutos do segundo tempo, pouco depois do gol de Echevarrieta, o juiz Jaime Janeiro Rodrigues viu pênalti de Virgílio sobre Og Moreira e expulsou o atleta tricolor. De acordo com A Gazeta Esportiva Ilustrada, no entanto, a jogada foi normal.

“O choque é áspero, de natureza brutal, porém NUNCA PROPOSITAL! Og cai de um lado, acusando o choque na perna e Virgílio fica também abalado com o lance. O árbitro apita e todos julgam que fora marcada apenas uma falta, mas assim não sucede. Em meio de algazarra, dá-se a expulsão de Virgílio. A natureza da jogada e a audácia de ambos provocou o acidente. Foi só”, diz o periódico na longa análise sobre o clássico.

De acordo com A Gazeta Esportiva Ilustrada, o São Paulo tomou a decisão de não retomar a disputa da partida sem a autorização do juiz para que Virgílio continuasse em campo. Com a posição do clube inalterada após os 90 minutos regulamentares, Jaime Janeiro Rodrigues resolveu encerrar o confronto. Apesar de ter criticado a atuação do árbitro, o periódico condenou a postura do Tricolor, que passou a ser chamado de “fujão” pelos rivais.

“Não há dúvida. O juiz errou. Mas é autoridade absoluta em campo. No entanto, o São Paulo não deveria assumir a atitude que assumiu e quaisquer que sejam as atenuantes que se possam buscar ao seu gesto, ele não se justifica. O epílogo, pois, do clássico foi o mais tristíssimo possível”, afirmou a publicação, para quem o clima de hostilidade criado na véspera da partida contribuiu para o desfecho decepcionante no Pacaembu.

A Gazeta Esportiva Ilustrada lamentou o final do clássico – Credito: Reprodução

“E tudo isto, desenrolado dentro do gramado, à vista de uma assistência correta e educada, veio confirmar, infelizmente, o tristíssimo movimento de incompreendido patriotismo realizado dias antes do grande choque e que obrigou, sem razão de ser, um dos clubes mais tradicionais e colaboradores do nosso progresso a mudar sua denominação, quando não são nomes que fazem a pátria e nem provas esportivas que irão afetar os seus destinos grandiosos”, criticou A Gazeta Esportiva Ilustrada.
Além de oficializar a vitória do Palmeiras por 3 a 1, a FPF suspendeu o São Paulo por 30 dias – desta forma, o Espanha levou os pontos da última rodada do Campeonato Paulista. No dia 22 de setembro, mais de 2 mil torcedores do Tricolor fizeram uma manifestação na Avenida São João para apoiar a diretoria. “Todos os clubes, sem distinção, já incorreram em falta idêntica. Portanto, ninguém pode atirar a primeira pedra. O que fez o São Paulo domingo lhe foi ensinado pelos outros, no passado”, contemporizou o jornal A Gazeta.

O defensor Begliomini, por sua vez, comemorou a conquista logo na primeira partida após a mudança de nome: “Estou satisfeito, porque deixei de integrar um Palestra invicto para vestir a camiseta de um Palmeiras campeão”. Além de se comprometer a doar a renda da partida aos esforços de guerra, o clube ainda colocou seu estádio à disposição das autoridades para quaisquer eventualidades. Setenta anos depois, o elenco atual pode se inspirar no passado de superação para evitar o terceiro rebaixamento à Série B de sua história.

*Texto originalmente publicado em 12/09/2012



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