Fim da linha - Gazeta Esportiva
Felipe Leite
São Paulo, SP
05/02/2023 08:00:25
 

Assim que o árbitro Douglas Marques das Flores apitou o término da partida entre XV de Piracicaba e Portuguesa Santista, na noite do dia 22 de março de 2023, Maurício Ramos sabia que era o fim. O empate de 0 a 0 entre as equipes — após um 2 a 1 para o Nhô Quim no jogo de ida — eliminou a Briosa, defendida pelo zagueiro, da Série A2 do Campeonato Paulista.

Depois do embate no Barão de Serra Negra, o veterano de 37 anos foi ao encontro da torcida santista e indicou: a hora de se aposentar havia chegado. Foram somente cinco duelos disputados na A2 de 2023, três deles como titular. Os minutos em campo ficaram limitados por lesões.

Quando o corpo fala, resta à cabeça obedecer. E assim Maurício Ramos o fez. Agora, à Gazeta Esportiva, detalhou o processo e deixou claro que, mais do que um fardo físico, a prática futebolística havia se tornado uma espécie de tortura psicológica.

“Eu já vinha me preparando desde o ano passado”, começou a falar o agora ex-defensor, com exclusividade à reportagem.

Quando eu saí do Palmeiras em 2013 e fui para fora do país, o elo com a família aumentou ainda mais. O que me fez parar esse ano foi isso. Minha esposa aqui em Ponta Grossa, e eu em Santos, na Portuguesa Santista… como eu sou muito ligado à família, cheguei ao Paraná e falei para ela e para minha filha de que iria parar. Afetou muito a parte psicológica. A minha família é o meu pilar, minha fortaleza. Elas que fazem a diferença, sempre me ajudam, me distraem, cobram. Minha filha me cobra mais do que minha mulher (risos). Nós criamos um vínculo em que somos muito dependentes um ao outro

As chuteiras foram penduradas após uma trajetória extensa no futebol nacional e internacional. Iraty, São Caetano, Coritiba, Palmeiras, Chapecoense, Vitória, XV de Piracicaba, Portuguesa Santista, Al Sharjah, Adanaspor, Çaykur Rizespor, Al-Sailiya… clube, não falta — a lista é longa. Mas, claro, o momento de maior destaque foi entre 2009 e 2013.

O motivo tem nome e sobrenome: Sociedade Esportiva Palmeiras.

“Quando cheguei no Palmeiras, teve desconfiança. Eu tinha acabado de sair do Coritiba… foi um pacotão (de reforços): eu, Armero, Willians, Cleiton Xavier, Keirrison depois. Consegui me alicerçar ali no Palmeiras, no meio de críticas e alegrias. Vivi o melhor momento da minha carreira em 2009, quando nosso time encaixou com o Vanderlei (Luxemburgo) e a gente engrenou. Mas daí veio uma lesão muito grave, fiquei 6 meses fora. Você luta tanto para chegar em uma grande equipe do Brasil e, quando isso acontece, tem uma lesão grave assim? Começa a botar dúvidas na cabeça”, revelou.

(Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

No Verdão, apesar dos pesares, Maurício Ramos participou de 193 partidas. Vindo do Coxa, onde conquistou o Campeonato Paranaense em 2008, o ex-defensor conquistou a Copa do Brasil de 2012 — além de ter feito parte do elenco campeão da Série B de 2013, mesmo não tendo terminado a temporada com o Alviverde.

“É como eu falo: quem joga no Palmeiras, joga em qualquer lugar do mundo. Eu aprendi a conviver, a viver, respirar o clube. Senti a emoção do torcedor, a cobrança, e isso só me fortaleceu como homem e caráter. As pessoas que ali estavam… vinham jogadores de seleções, consagrados, e eu fui crescendo profissionalmente. Você fica preparado para tudo, a pressão é muito grande, a cobrança também. Isso foi me fortalecendo e cada ano que passava, eu me fortalecia e me preparava ainda mais — para que eu pudesse jogar, ficar no banco, o que fosse. Sempre frisei na minha cabeça: eu só precisava de meia oportunidade. E todos os treinadores que passaram na minha época, eu consegui jogar, consegui estar presente, e isso foi muito gratificante para mim”, reconheceu Maurício Ramos.

Mas e o que vem pela frente? Alguns atletas optam pelo distanciamento completo do esporte quando a carreira acaba — outros, buscam maneiras de permanecer envolvidos com o campo. À Gazeta Esportiva, Maurício Ramos reconheceu: faz parte do segundo time.

(Foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Agora é focar em novos projetos. Fiz 20 anos de bola, sou muito grato por tudo que Deus me deu. Elas (esposa e filha) me apoiaram, me autorizaram a parar. Isso me fortalece ainda mais para que eu possa buscar algo que eu me identifique. Vamos ver o que Deus prepara”, disse, antes de ser ‘pressionado’ pela reportagem a dar um indício, mínimo que fosse, do próximo passo na carreira.

“Eu quero ficar no futebol, quero ser treinador. Tenho a Licença B (da CBF), posso trabalhar com a base. Liguei para Felipão, Dorival (Júnior), pessoas que eu trabalhei no Londrina… vou fazer um estágio por lá (Londrina), aprender ainda mais, me preparar. Falo com os treinadores que trabalhei, pergunto como foi o processo quando eles pararam, para tentar aprender e assimilar. Quando você é jogador, é uma coisa. A partir do momento que você vai ter que gerir elenco, staff… é totalmente diferente. Estou me preparando muito e, com esses estágios, posso aprender ainda mais e construir minha caminhada como treinador”, disse o futuro ‘professor’.

Aconteça o que acontecer daqui para frente, Ramos se vê como vencedor. Mesmo que a proximidade com o futebol não seja viável, mesmo que ficar com a família seja a única (boa) opção, mesmo que precise se distanciar completamente: tudo já deu certo.

“Eu saí de um bairro pobre de Piracicaba e Deus me abriu as portas para o futebol. Joguei em um grande clube do Brasil, que é o Palmeiras, e consegui ficar cinco anos por lá. Tudo isso é muito gratificante”, finalizou Maurício Ramos.