Fala, Tite! - Gazeta Esportiva
Tiago Salazar
São Paulo - SP
04/18/2017 11:00:08
 

Em outubro de 2010, Adenor Leonardo Bachi desembarcou no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, tomado por muita expectativa, tanto pessoal quanto de seu contratante, o Corinthians, sobre o que poderia ocorrer com esse reencontro depois de uma separação traumática. O otimismo era grande, mas, não maior do que a pressão que ambos carregavam à época para que algo de bom acontecesse. Tite era a carta na manga de quem já não tinha mais manilhas para apostar, enquanto a missão se colocava como um divisor de águas em uma carreira ainda sem rumo definido.

Daí para frente, já é notícia velha pontuar todas as consequências positivas desse casamento. O reflexo agora atinge uma nação. O sonho do Hexa ressurgiu com a Seleção sobre o comando do gaúcho de Caxias do Sul, que aos 55 anos já tem experiência e sabedoria suficientes para evitar qualquer transtorno em função de uma resposta que possa ser mal interpretada. Nada, porém, que atinja sua espontaneidade, marcante nessa entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

Após pouco mais de duas horas sendo sabatinado por jornalistas, tietado por fãs, entre fotos e cumprimentos, Tite, enfim, é ‘libertado’. Nem por isso tem pressa para deixar o estúdio da TV Gazeta, no número 900 da Avenida Paulista. Antes de passar pela porta, uma olhada para trás para se certificar que deu seu “boa noite” a todos. Como a madrugada já se aproxima, o técnico não nega o convite para iniciar a conversa pelos corredores, rumo ao estacionamento do edifício da Fundação Cásper Líbero. “Vamos lá”, diz, sorrindo por nada.

De cara, Tite se mostra contrariado quando percebe que o seu futuro é pauta da primeira questão. No entanto, logo desarma. A dúvida não é em qual clube o ex-corinthiano estará após deixar a Seleção Brasileira, seja lá quando isso acontecer, e sim qual sua autoavaliação sobre a capacidade de trabalhar em um país no qual não domina o idioma.

“Conseguir eu consigo. Atingir excelência, não. Excelência tu só tem se tiver capacidade de comunicação fluente. Nisso eu tenho só duas possibilidades: italiano ou espanhol. Inglês eu não vou ter essa condição, porque, para mim, ela é muito difícil, e eu não consigo. Com um aperfeiçoamento maior de italiano e espanhol, pode ser que venha a acontecer”, diz, no melhor estilo ‘titês’, com o sotaque carregado.

A resposta seguinte o faz pausar por alguns segundos antes de se manifestar. Afinal, a tal dificuldade com a língua inglesa seria suficiente para que o melhor técnico brasileiro em atividade recusasse um eventual convite para mostrar seu trabalho na Premier League, divisão de elite da Inglaterra? “Possivelmente, sim”, confirma Tite, apesar de ter em Matheus Bachi não só um filho, mas também um auxiliar com o inglês fluente.

“Essa necessidade é do técnico, é do principal. Eu vou te explicar o que eu compreendo: Tu estás em um treinamento específico, em tempo real, tu tem que parar uma jogada e falar ‘encurta a marcação, porque desse lado a jogada está acontecendo, do outro lado vai ter cobertura’. Ai eu não tenho a fluência do inglês, eu vou perder o time da orientação para o atleta e ela se perde. Eu tive essa experiência nos Emirados Árabes. Não é a mesma coisa. Pode acontecer? Pode. Mas isso é excelência? Não, isso não é excelência”, explica, sem vergonha de admitir que não tem a capacidade de repetir o exemplo de Pep Guardiola, técnico espanhol que em pouco menos de um ano aprendeu o idioma alemão antes de assumir o Bayern de Munique.

“É um exemplo que ele deu e uma facilidade que ele tem também. Mas, eu te confesso, eu não tenho essa capacidade que ele tem de dominar a língua e de conduzir dessa forma. Eu tenho muita dificuldade em inglês. Toda vez que eu tentei fazer, chegava em determinado momento que ela travava e eu não conseguia fluência. O italiano já é diferente, porque eu tenho origens italianas. O espanhol já é diferente, porque ele é facilmente compreensível. Mas eu não tenho essa capacidade que o Guardiola tem de pegar e, em um ano, dominar”.

A essa altura, Tite já não caminha mais. Sua concentração, principalmente em suas próprias respostas, e as gesticulações, que parecem incontroláveis, o fazem parar próximo ao elevador. Atencioso, no melhor estilo ‘olho no olho’, Tite demonstra interesse em ter resposta para todo tipo de questionamento. A estratégia é adotada, inclusive, para elucidar uma situação em que ainda não há uma definição, como a do dono da braçadeira de capitão do Brasil, já que o rodízio da honraria não poderá ser adotado em um contexto de título. Só um levanta a taça.

“A pergunta é boa. A resposta também vai ser boa”, avisa, antes de emendar com o exemplo de sua escolha após as conquistas da Libertadores e do Mundial de Clubes, em 2012, com o Corinthians. “Para chegar no Alessandro teve todo um processo, teve todo um comportamento, teve toda uma conduta, teve todo um tempo. E eu estou oportunizando aos atletas. Todos. Sem oportunidade tu não cresce. Eu não faço isso para querer ser bonzinho e agradar atleta. Eu não quero ser simpático. Eu quero é dar responsabilidade”, conta, sem deixar de ser enfático quando um nome lhe é solicitado. “Ainda não tenho”.

A alternância no tom de voz varia o tempo todo. Conforme surgem os assuntos e dependendo como é atingido, Tite se expressa diferente, sem uma rotina programada para o momento. Isso fica mais evidente assim que sua relação com Marco Polo del Nero, mandatário maior da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ao mesmo tempo procurado pelo FBI (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos), é colocado em discussão. De prontidão, afim de não aparentar constrangimento, Tite tenta esclarecer sua situação de forma prática.

“Eu tenho vínculos com a CBF, porque eu sou funcionário da CBF. Eu sei disso, mas tem uma autonomia que me foi dada em termos de Seleção principal. Eu disse: ‘eu gostaria e quero ter autonomia e quero ter comissão técnica para equipe principal. Gostaria de acompanhar treinos, acompanhar jogos, gostaria de viabilizar tudo isso. Temos de ter um CPA, um centro de pesquisa e análise do futebol’. E ai tem funcionários diretos, tem todo um ramal de informações, onde tiver jogo eu tenho condições de acessar. Todas essas condições (a CBF) me têm dado. De viajar para ir (assistir aos jogos) in loco”, diz, decidido a não deixar com que opiniões mais radicais o impeçam de desempenhar o seu trabalho.

“É a forma que eu tenho para contribuir para o futebol brasileiro. Eu não tenho condições de avaliar o outro lado e dizer se a Seleção encobre ou não encobre (os problemas da CBF). Isso é capacidade de cada um. Isso cada um tem que ter o discernimento. Assim como o julgamento tem que ser de qualquer um”, avalia. “O que eu quero fazer na minha atividade profissional: ser o mais transparente possível. Essa vinculação ou não, bom, esse é um outro processo, até porque eu tenho autonomia e me foi dado autonomia nesse aspecto”.

Mas, quando perguntado sobre o famoso beijo recebido de Del Nero, fato que acabou por marcar sua apresentação oficial como técnico da Seleção Brasileira, Tite prefere não se alongar e pede compreensão. “Respeito todas as opiniões. Um beijo de agradecimento pela homenagem à minha mãe”, resume, quase que sussurrando, tocando a mão direita no peito. “Está ali. Eu recebi uma camiseta com o nome da minha mãe”, reforça.

Em pé, na antessala do estacionamento da FCL, Tite se mostra à vontade para falar ainda sobre os quatro principais clubes de São Paulo e refuta se apressar em direção ao carro que o espera. O rumo após a última resposta à Gazeta Esportiva seria um restaurante na Capital Paulista. Já o rumo que o Corinthians seguiu depois de sua saída para a Seleção, Tite deixa claro que não teve influência, e sobe o volume para desmentir os boatos de que indicou Roger Machado como seu sucessor diante de uma consulta do clube.

“Nunca. Nem uma vez. Em todo meu tempo de Corinthians, o Corinthians, por me respeitar, e amigo não coloca amigo em saia justa. O presidente Roberto (de Andrade) e o Alessandro (ex-lateral, hoje gerente de futebol) em nenhum momento pediram indicação minha. Até porque sabem também que eu não gostaria dessa forma. É uma responsabilidade e existem profissionais para avaliar. Em nenhum momento me solicitaram para que eu pudesse fazer uma indicação”, esbraveja, para se acalmar em seguida e cravar o atual técnico do seu ex-clube como um profissional pronto.

“Está! E está muito bem. Está em um processo de evolução e cresceu muito. Está muito sóbrio para absorver todas essas pressões. E tem uma margem de crescimento muito grande”, opina, com o conhecimento de quem teve Fábio Carille como auxiliar recentemente.

O Alvinegro do Parque São Jorge também serve de parâmetro para Tite medir o que se passa no arquirrival atualmente. Técnico do Corinthians no início da tumultuada relação do clube com a MSI, o gaúcho não vê problema em o Palmeiras ter uma parceira que, além do aporte financeiro, se interessa em participar da política da instituição. Leila Pereira, presidente da Crefisa, se tornou membro do Conselho Deliberativo palmeirense e não esconde seu desejo de ser presidente do clube em um futuro próximo.

“Não dá para comparar aquele momento do Corinthians com o do patrocinador (do Palmeiras) agora. Legalmente falando, são situações bem diferentes, a ponto da MSI colocar e dizer assim para mim: ‘olha, tu agora é nosso. Nós temos três votos e o Corinthians tem dois’. Eu olhei assim e disse: ‘o que é isso?’. É uma situação diferente. Era o poder do futebol conduzido pela MSI”, compara. “Acredito que patrocinadores, às vezes empresários, isso acontece em tantos clubes, para potencializar equipe, não vejo problema nenhum”, completa, antes de minimizar a pressão por títulos diante de um investimento tão significativo. “Obrigação de um grande clube tu traz com o investimento de um ou de 100. É igual. A grande marca de traz essa pressão igual”.

Conhecido por sua busca incessante por informações atualizadas e estudos da área, Tite pode ser uma inspiração para Rogério Ceni. O ex-goleiro é reconhecido por sua competitividade e por ser um obstinado em tudo o que faz, assim como o atual técnico da Seleção Brasileira, apesar das claras diferenças de personalidades. O fato de deixar a condição de ídolo para assumir o time à beira do campo, entretanto, é uma opção que ainda gera discussão no São Paulo. Mas, para aquele que já se consolidou na função e hoje é referência, Ceni tem de se manter focado.

“Primeiro, ele foi extremamente corajoso e é muito desafiador tu já buscar e ter uma exigência de alto nível, como é o São Paulo, já sair de uma posição de atleta onde ele tinha e tem sua marca, sua liderança, idolatria, e partir para um lado técnico. Ele teve muita coragem de se expor dessa forma. Eu respeito”, pontua Tite. “Segundo, é respeitar as características dele e suas convicções. Se elas são ofensivas, que mantenham seu perfil, se elas são mais defensivas, que sejam. Elas vão trazer lições para ele procurar o ponto de equilíbrio. Eu não conheço nenhum técnico que não busque o equilíbrio. Tu ser uma equipe competitiva, mas ao mesmo tempo agressiva. Todos vão buscar”, aconselha.

Independente de trajar seu tradicional esporte-fino, Tite não se desfaz das pulseiras que fortalecem e simbolizam uma outra característica que o marca: a forte ligação com sua religião católica e, principalmente, sua fé tanto em Deus quanto em Nossa Senhora. No futebol, as manifestações nesse sentido, independente da religião, são comuns. No Santos, o tema ganhou manchetes em função do centroavante Ricardo Oliveira ser pastor e ministrar reuniões com outros jogadores do elenco. Toda essa situação, agora, tem sido usada por muitos torcedores para justificar uma crise de resultados da equipe em campo.

Cuidadoso, Tite escolhe as melhores palavras, claramente ciente dos ‘perigos’ em abordar um assunto delicado e que mexe com outras vertentes fora do futebol, mas não se omite e revela sua visão da relação.

“A gente tem que saber que uma coisa é a religião. Religião nós temos diferentes. Deus é o Deus de todos. E a outra é a espiritualidade. Espiritualidade é fazer o bem, independentemente de religião. Então, não vejo isso como um fator que desencadeie jogar um melhor ou pior futebol. Isso ai quer dizer que nós estamos fortalecidos enquanto ser humanos. Saúde, família, amor, espiritualidade, o nosso trabalho… Eles são pilastras para que a gente possa ser feliz, desenvolver nossa carreira. Vincular uma situação a outra, que isso determina ou não… O que determina é a qualidade, esse conjunto da obra toda. Qualquer coisa que seja individual é muito pequena para qualquer forma de análise”.