Casagrande relembra amizade com Sócrates: "Era tipo pai e filho" - Gazeta Esportiva
Fernanda Silva,
São Paulo
02/19/2018 18:13:25
 

“Antes de jogar com o Sócrates, eu era fã dele. Nem acreditei quando nos tornamos amigos”, lembra Walter Casagrande, que ainda era um garoto na década de 1980, quando o então futuro ídolo do Corinthians, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, chegou para defender a equipe alvinegra. Na época, Casagrande assistia aos treinamentos do lado de fora do campo, e via Magrão no profissional. Tímido, entretanto, o jovem não tentava aproximação.

O primeiro contato veio mais tarde. Após sair do Corinthians, Casão foi defender a Caldense, no interior de Minas Gerais. Lá, viu a Seleção Brasileira chegar em Poços de Calda para um treinamento — e Sócrates era parte da equipe. Em treino-amistoso, conversou com o ídolo. “Achei que ele não iria me reconhecer”, lembra, Casagrande. Mas ele foi reconhecido.

Sócrates e Casagrande comemoram a conquista do título paulista pelo Corinthians em dezembro de 1982, após a partida final contra o São Paulo no Morumbi (Foto: Acervo/Gazeta Press)

Em fevereiro de 1982, quando voltou para o Corinthians, os dois formaram uma dupla. Foi em uma partida contra o Fortaleza, disputada no Castelão e vencida por 4 a 2 pelos visitantes, que eles se deram conta do potencial que essa parceria tinha em campo. “Nessa partida, fizemos belas jogadas juntos e, logo, formamos uma grande amizade”, lembra o atual comentarista da Rede Globo.

Para o ex-camisa 9 do Timão, era uma troca: enquanto um rejuvenescia, outro, amadurecia. “Ele me falava: eu era você quando tinha 18 anos. Eu, retrucava: quando eu estiver com 27, quero ser você”, relembra, saudoso. “Era uma relação de pai e filho, de irmãos”.

Casagrande defende que sua permanência no Corinthians, em sua segunda passagem pela equipe, tem muito a ver com seu encontro com Sócrates. A luta pela Democracia Corintiana aproximou os jogadores. “Aos 17 anos, me rebelei e sai do Corinthians. Eu não concordava com a forma com que me tratavam. Para mim, era uma ditadura”, lembra. Quando retornou ao Timão, após defender a Caldense, encontrou uma nova proposta de equipe – a Democracia Corintiana, encabeçada pelo amigo. “Não acreditava que tinha mudado. Mas havia um equilíbrio e se transformou positivamente”, destaca.

Ele me falava: eu era você quando tinha 18 anos. Eu retrucava: Quando eu estiver com 27, quero ser você

A Democracia Corintiana foi um movimento em que todos dentro do clube tinham liberdade e espaço para opinar, com divisão de responsabilidades. O movimento permaneceu no Timão até 1985, quando foi derrotado nas eleições daquele ano.

PADRINHO DE CASAMENTO?

A amizade se fortaleceu tanto que Sócrates foi convidado para ser padrinho de casamento de Casagrande e sua ex-esposa, Mônica. Mas, não foi. Na manhã de 28 de outubro de 1985, Casagrande tomava uma cerveja com seus amigos, preparando-se para a cerimônia programada para às 11h. “O Sócrates começou a atrasar, mas, no começo, achei que estava tudo bem”. Acontece que a demora foi tanta que o jogador teve que eleger outro parceiro para substituir Sócrates. O escolhido foi o zagueiro Oscar, com quem jogou no São Paulo. “Mas a amizade, naquele momento, não foi abalada”, conta Gilvan Ribeiro, autor do livro Sócrates & Casagrande – Uma história de amor.

“O Sócrates era muito brincalhão. Ele gostava de tiradas, mas uma vez, isso causou o afastamento da dupla”, explica Ribeiro. No início dos anos 2000, quando Casagrande já era comentarista esportivo na TV Globo, a relação foi estremecida. Isso porque Sócrates se referiu ao amigo como “cara que se vendeu ao sistema” — “eu não gostei”, lembra Casagrande. “Nos distanciamos, mas a amizade nunca acabou”.

Antes do falecimento de Sócrates, a amizade foi reatada, para conforto de Casão. “Ele jamais se perdoaria se o Sócrates tivesse morrido sem essa aproximação”, afirma Ribeiro, amigo dos dois atletas. Quando o Doutor teve sua primeira crise por conta do excesso de álcool, Casão foi o primeiro a chegar no Hospital Albert Einstein, onde o ex-jogador estava internado. “O problema é que ele não aceitava que era dependente químico”, conta Casagrande, que sofreu com o uso abusivo, no seu caso, de droga. “Ele teve dificuldade de reconhecer que tinha perdido para algo”. Quando foi falar com Sócrates, escutou do amigo “Estou pronto para outra”.

O problema é que ele não aceitava que era dependente químico

“Não fazíamos ideia do que estávamos fazendo”, conta o comentarista. “Ele não fez tratamento e não se via como dependente — mas esse é a primeira etapa para a cura”. O atacante acredita que teve tempo de dar conta para se recuperar. Para o seu amigo, contudo, foi tarde demais. Sócrates faleceu aos 57 anos, em São Paulo (SP). A morte foi causada, segundo os médicos, em consequência do choque séptico sofrido pelo ex-jogador em 4 de dezembro de 2011.