As mágoas do quase herói - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
12/02/2017 10:00:40
 

Clodoaldo avisa que precisará se esforçar para falar ao telefone com a Gazeta Esportiva. Não porque o marcante rebaixamento do Corinthians à Série B do Campeonato Brasileiro, que completa uma década neste sábado, seja um assunto incômodo para o ex-atacante, mas por já não estar mais habituado a conversar em português. Aos 39 anos, ele decidiu viver na Colômbia após encerrar a sua longeva carreira pelo Depor, do país vizinho, na temporada passada. Levou de volta para lá a esposa, colombiana, e as mágoas acumuladas nos tempos de Parque São Jorge.

Todas as tristezas de Clodoaldo são decorrentes do dia 2 de dezembro de 2007. Escalado na véspera da partida que sacramentou a queda do Corinthians à segunda divisão nacional porque Wilson “disse que não tinha como jogar”, ele quase saiu do Estádio Olímpico como herói. Marcou o gol do empate por 1 a 1 do Corinthians com o Grêmio, insuficiente para a salvação, já que “houve alguma coisa” no Serra Dourada – o concorrente Goiás cobrou três vezes uma penalidade máxima para fazer 2 a 1 sobre o Internacional e livrar-se do rebaixamento. Em Porto Alegre, o time paulista não teve forças para também virar o placar. “No puedo, no puedo, no puedo!”, teria lamuriado o boliviano Arce ao seu companheiro de ataque, para quem “muitos abandonaram o barco” no meio do campeonato.

Brevemente atacados por um torcedor organizado, escondido no banheiro do ônibus que levara o Corinthians ao Olímpico, Clodoaldo e os seus colegas fugiram da ira dos demais na chegada a São Paulo. A punição ao centroavante foi o ostracismo. Mesmo com um contrato válido até maio de 2011, ele não voltou a entrar em campo pelo clube do coração. Encerrou a sua trajetória com empréstimos para Pohang Steelers, da Coreia do Sul, Náutico, Santo André, Figueirense e Estoril, de Portugal, tendo computado o último dos seus 20 jogos como corintiano e o gol derradeiro dos cinco que anotou no fatídico confronto com o Grêmio.

Nesta entrevista, Clodoaldo afirma que poderia, mesmo rebaixado, ter mudado a sua imagem final no clube. Ao custo de R$ 50 mil. Ele acusa um empresário de lhe exigir a quantia para comprar a chance de ser reserva de Ronaldo no time do técnico Mano Menezes, em 2009. Diz que ficou endividado nesse período, com um semestre de salários atrasados, e fez pirraça. E ainda desmente com veemência um dos folclóricos casos que o amigo Vampeta, quase processado por sua esposa, adora contar diante dos microfones – o centroavante “Clodoeto’o” teria sido zagueiro até pouco tempo antes de reforçar o pior time dos mais de 100 anos de Corinthians.

Finazzi acusou Mano de beneficiar atletas de Carlos Leite; Clodoaldo guarda rancor (foto: Fernando Pilatos/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você parou de jogar, né? Por que continua vivendo na Colômbia?
Clodoaldo: Já me sinto colombiano. Cheguei aqui pela primeira vez há 15, 16 anos (passou por Deportivo Pasto e Independiente Medellín) e conheci a minha esposa. Ela é colombiana, então o meu vínculo com o país ficou permanente. Nas férias, sempre vinha para cá. Aí, em 2014, voltei para jogar (pelo Depor, hoje Atlético). Parei no ano passado, mas tenho pretensão de ser técnico e estou iniciando a carreira aqui, treinando meninos. Para falar a verdade, estou até com dificuldades de falar em português com você. O meu dia a dia é todo em espanhol. Quando estou conversando com alguém do Brasil, vira e mexe troco uma palavra.

Gazeta Esportiva: Vamos recordar o período em que você era mais falado no Brasil, então. Foi difícil se comunicar com jornalistas também na chegada ao Corinthians, o clube mais expressivo da sua carreira?
Clodoaldo: Eu já estava um pouco calejado naquela época. Tinha 28 anos e havia sofrido um pouco no mundo da bola. Quem não chega contente a um clube como o Corinthians, né? E, mesmo estando muito feliz, consegui tratar a oportunidade como algo normal. Lastimosamente, aconteceu o rebaixamento. Eu não concordava com muita coisa naquele tempo. Acho que fui um pouco – um pouco, não – injustiçado. Quando um time cai de divisão, você sabe que procuram culpados. Se pelo menos tivesse alguém de peso por trás de mim, um empresário… eu teria seguido no Corinthians.

Gazeta Esportiva: Já que você tocou no assunto, vou antecipar uma pergunta. O Finazzi, seu ex-companheiro, culpava o Mano Menezes pelas poucas chances que recebeu após o rebaixamento. Dizia que o técnico beneficiava jogadores empresariados pelo Carlos Leite, como o Souza, também centroavante. Concorda com ele?
Clodoaldo: Assim… Na época em que o Corinthians foi rebaixado, ficaram poucos jogadores: o Finazzi, o Fábio Ferreira, que era bastante criticado porque falavam que quebrava muito na noite, não sei… Mesmo assim, o Corinthians ficou com ele, entendeu? Havia alguém por trás. A gente sabe que existe muito disso no mundo do futebol. E, na época em que eu estava no Corinthians, a pessoa que agenciava a minha carreira era de Criciúma, sem nome no meio. É claro que isso colaborou muito para eu não ficar.

PROPOSTA INDECENTE

Gazeta Esportiva: Como foram as negociações para as suas saídas por empréstimo?
Clodoaldo: O Beto (João Roberto de Souza), gerente de futebol da época, me falou o seguinte: “Clodô, o cara (Mano Menezes) não vai te utilizar, então a gente vai te emprestar”. Por mim, tudo bem, né? Poderia ser que eu voltasse mais para a frente. Quando chegou a hora de voltar (do Pohang Steelers e do Náutico), perguntei se deveria me apresentar no clube. O Souza já estava lá. Aí, uma pessoa me ligou, um empresário, e disse: “Olha, Clodô, existe uma oportunidade para você ficar no Corinthians”. Quis saber o que era. E ele: “Acontece que hoje, com você, o Corinthians não vai conseguir ganhar mais dinheiro nenhum. Já está com 29 anos. Não dá para vender”. Eu interrompi: “Aonde você quer chegar?”.

Gazeta Esportiva: Aonde ele queria chegar?
Clodoaldo: “Quero chegar ao seguinte: para você ficar aqui, podendo até brigar por uma posição no grupo…” – porque havia o Ronaldo, o Souza, reserva dele… – “…vai ter que rolar alguma coisa”. Eu: “Como? Não, não, eu confio no meu trabalho e fico”. Mas ele continuou: “Essa é a questão: uma pessoa me chamou e falou que, para ficar no grupo e trabalhar para ser o reserva do Ronaldo, vai ter que rolar alguma coisa”. Já cortei: “Olha, nunca vou pagar para jogar. Se for assim, pode me emprestar”.

Gazeta Esportiva: Sério? Quanto te pediram?
Clodoaldo: Esse cara que me ligou falou algo em torno de R$ 50 mil. Respondi: “Você está de brincadeira. É melhor me emprestar”.

Centroavante assinou contrato válido por quatro anos e jogou apenas um, o do rebaixamento (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você já conhecia esse empresário?
Clodoaldo: Conhecia, mas mais de ouvir falar.

Gazeta Esportiva: Era alguém vinculado ao clube?
Clodoaldo: Não era diretor do Corinthians nem nada, mas conhecia muitas pessoas lá dentro. É por isso que te falo: várias coisas foram acumulando na época. Tenho 39 anos hoje e sou bem honesto nas minhas colocações. Sei que não sou um jogador fora do normal, um craque, mas sou um jogador que, dentro das minhas limitações, como um camisa 9, colabora com o time. Na época, fui vice-artilheiro do Corinthians, mesmo chegando na metade do ano e sem ser titular. Analise o meu promedio (“média”, na tradução do espanhol para o português). Não é ruim.

Gazeta Esportiva: Você acha que, pagando esses R$ 50 mil, teria realmente voltado a jogar pelo Corinthians?
Clodoaldo: Acho que sim. Com certeza. Não tenho dúvidas. Só que falei que poderiam me emprestar. Comecei a buscar outras coisas, já sem aquele empresário de Criciúma, trabalhando sozinho. Fui atrás de novos horizontes. Mas você vê: se o Corinthians não cai, o Clodoaldo certamente seria lembrado como herói.

Gazeta Esportiva: Eu te liguei justamente por isso. Você marcou o último gol do Corinthians antes do rebaixamento, naquele empate por 1 a 1 com o Grêmio, no Olímpico, há uma década. Esteve próximo de colocar o seu nome na história do clube de uma maneira oposta.
Clodoaldo: Exactamente (“exatamente”, em português). Futebol é cara ou coroa. Você acaba marcado por uma coisa que… Isso mancha muito a carreira do cara, né? É claro que tive outras oportunidades, no Figueirense, no Náutico, em Portugal (defendeu o Estoril), na Ásia (Pohang Steelers)… Mas, queira ou não, fiquei muito marcado. O Corinthians é uma marca muito forte, para o bem e para o mal. Só que assim, cara: na época, os jornalistas detonavam o time, mas alguns também falavam que o Clodoaldo merecia mais oportunidades.

Zagueiros do Corinthians causaram revolta nos vizinhos e nos torcedores no ano da queda (foto: reprodução)

Gazeta Esportiva: Você já mencionou rapidamente esse episódio, das noitadas. Dois dos mais detonados foram o Zelão e o Fábio Ferreira, zagueiros. Ficou famosa aquela faixa que penduraram no condomínio onde eles moravam: “Chega de baderna nas madrugadas, nosso prédio não é bordel!”.
Clodoaldo: Cara… você sabe que isso é bem particular, né? Ninguém pressionava ninguém. Só houve uma vez em que o Vampeta falou: “Vamos tomar cuidado. Vocês precisam ter noção de que aqui é Corinthians, algo muito grande. Nessa fase, não dá para ficar saindo. Temos que nos cuidar, melhorar”. Mas não chegou a ficar nada mais sério.

Gazeta Esportiva: Não virou uma polêmica entre vocês, então?
Clodoaldo: Não, não. A fase também já era muito ruim por si só, né? Lembro que empatamos uns sete, oito jogos seguidos. Fazíamos gol e tomávamos gol. Ganhando por 2 a 0 do Flamengo, deixamos empatar. Vencendo o Figueirense, com gol meu, outro empate. Contra o Atlético-PR, na arena deles, a mesma coisa. Ou seja, tudo estava indo mal.

INDIGNADO COM VAMPETA

Gazeta Esportiva: Você comentou que o Vampeta intercedeu nessa história do Zelão e do Fábio Ferreira. Ele costuma contar, em tom de piada, que você confidenciou ter sido zagueiro até pouco tempo antes de acertar contrato com o Corinthians e estava deslumbrado com a chance de ficar do lado dele.
Clodoaldo: O Vampeta é meu amigo. Estou na Colômbia agora, mas, se apareço em São Paulo, vamos jogar uma bola. Ficávamos, sim, juntos no mesmo quarto quando o Corinthians se concentrava. Essa parte é verdade. Mas não sei de onde ele tirou o resto da história.

Gazeta Esportiva: Você nunca foi zagueiro?
Clodoaldo: São poucos os jogadores que não passaram por outras posições ao longo da carreira. Às vezes, o treinador do time infantil acha que você é um bom lateral direito. Para o do juvenil, você se dá melhor como meio-campista. Não foi diferente comigo. Até virar profissional, só não joguei de goleiro. Passei por todas as posições, mas sempre fui atacante. Olha a diferença: quando cheguei à Colômbia, jogava como um terceiro homem de meio-campo. Não driblava, era prático e tinha muita força para sair para o jogo e atacar. Por isso, consegui me dar bem. No Guaçuano, o meu primeiro clube, apareci como um meia adiantado. Só que o cara lá falou: “Temos um jogo amanhã e estamos sem gente para escalar atrás”. Disse para me colocarem na defesa, sem problemas. Joguei uma partida assim. Mas foi uma! Uma! Depois, não, só do meio para a frente.

Vampeta espalhou anedota sobre Clodoaldo e quase foi processado pela esposa do atacante (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Como você soube que o Vampeta estava contando essa história? Ficou magoado com ele?
Clodoaldo: Recebi uma mensagem: “Olha o que o Vampeta está falando de você”. Mostrei para a minha esposa, e ela ficou uma fera. Queria processar o Vampeta (risos).

Gazeta Esportiva: Ela conhecia o Vampeta? Como você a convenceu a desistir desse processo?
Clodoaldo: Não conhecia pessoalmente, de conversar, mas a gente morava no mesmo condomínio dele, no Anália Franco. E ela me escuta muito. Falei: “Meu amor, deixa isso para lá. Isso não tem nada a ver”. Ela insistiu: “Mas é isso, é aquilo!”. Aí, você já muda de assunto rápido. É só não dar corda. Sou uma pessoa tranquila. O Vampeta conta isso, mas você está me dando a oportunidade de esclarecer agora. Pô, quer dizer que era um sonho meu estar concentrado com o Vampeta (risos)? Você está maluco!

Gazeta Esportiva: Mas você sabe bem que o Vampeta sempre foi contador de história.
Clodoaldo: Rapaz, ele contava muita história mesmo. Muita, muita, muita. Algumas boas, da Seleção Brasileira. Só que já não sei se tudo o que ele dizia era verdade. Antes, eu acreditava em tudo aquilo. Agora, não mais.

Gazeta Esportiva: No Corinthians de 2007…
Clodoaldo: (Interrompe.) Voltando ao que a gente estava falando do Mano, rapaz…

ELOGIO DE MANO E INVEJA DE SOUZA

Gazeta Esportiva: Pode falar.
Clodoaldo: Tive um papo com o Mano em 2009. Eu estava me recuperando no Corinthians, fazendo esteira, caminhando, porque havia sofrido uma lesão, uma fratura. Ele chegou do meu lado, e começamos a conversar tranquilamente. “Pô, Clodoaldo, quando eu estava no Caxias, você jogava no Lami, em 2004 para 2005. Nessa época, mandei te observarem porque queria saber quem estava fazendo tanto gol.” Era time pequeno, mas eu sempre fazia gol.

Gazeta Esportiva: Você acha que aquela pessoa que te pediu os R$ 50 mil era ligada à comissão técnica ou ao clube?
Clodoaldo: Era mais ligada ao clube. Quando cheguei ao Corinthians, essa pessoa já estava lá, antes do Mano. Se eu tivesse recebido uma oportunidade como a do Souza, jogado no time em que ele jogou, a minha história teria sido diferente. Com certeza. E, comigo, não tiveram um pingo da paciência que tiveram com o Souza. Para mim, o Souza é um centroavante nato. Mas atacante é momento. Ele passou não sei quantos jogos sem marcar gol e ficou no Corinthians.

Apesar de elogiar Clodoaldo, Mano preferiu contar com Souza no elenco do Corinthians (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: É comum ouvir relatos de empresários que cobram determinadas quantias para jogadores terem espaço em categorias de base. No profissional, é mais raro.
Clodoaldo: Cara, acho que isso rola sempre.

Gazeta Esportiva: Sempre?
Clodoaldo: Sempre há segundos interesses. Infelizmente, sempre. Já me aconselharam: “Por que você, que conhece muitas pessoas, não vira empresário agora?”. Eu não sirvo para esse tipo de coisa. Às vezes, nem o próprio atleta fica sabendo de certos acordos.

Gazeta Esportiva: Esse caso te traz algum arrependimento?
Clodoaldo: Não me arrependo de nada. Sempre quis ir para o Corinthians, independentemente das coisas que acontecem no futebol. Quando joguei pelo Criciúma, fazia gol de qualquer jeito. A bola vinha, e eu colocava para dentro. Foi por isso que começaram a me clamar de “Clodoeto’o”, né?

DEBANDADA EM 2007

Gazeta Esportiva: Você gostava do apelido?
Clodoaldo: As pessoas achavam que havia alguma semelhança entre o Eto’o (atacante camaronês que fez sucesso no Barcelona) e eu. Talvez o estilo, a rapidez. Sempre levei numa boa, mas queria ser reconhecido pelo meu nome. Só que a torcida canta, e você tem que aceitar. Foi bacana. Lá, no Criciúma, trabalhei para estar em um grande clube. Infelizmente, as coisas não saíram como eu queria depois. O elenco perdeu Willian, Marcelo Mattos, Rosinei, Gustavo Nery e outros jogadores. Isso complicou bastante. Tenho a seguinte opinião: só ficaram mesmo os caras que queriam, queriam, queriam e acreditavam. A verdade é que muitos abandonaram o barco.

Para Clodoeto’o, só quem queria e acreditava no Corinthians permaneceu em 2007 (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Alguns jogadores, como você, também foram contratados no meio do campeonato.
Clodoaldo: Muitos dos que chegaram não conseguiram render o mesmo que em outros clubes. Um exemplo disso é o Aílton. No América do México, ele carregava o time nas costas. E não é fácil jogar no futebol mexicano. No Corinthians, não emplacou. Você vê: muitas coisas foram se encaixando para acontecer o que aconteceu. A partida contra o Vasco, na penúltima rodada. Pacaembu lutado, e era só ganhar que não caíamos. Perdemos. Depois, no Olímpico, buscamos o empate, mas houve aquele problema no Serra Dourada. Voltaram duas vezes o pênalti que o Goiás bateu para vencer o Inter, p… que o pariu.

Gazeta Esportiva: Desconfia de algo em relação a esses pênaltis que voltaram?
Clodoaldo: É claro que houve alguma coisa ali. Ainda por cima, na última rodada. Voltar uma vez, tudo bem, beleza. Mas, duas, fazendo o gol só na terceira tentativa? Ah, não. Ficamos sabendo disso depois do jogo do rebaixamento. No Olímpico, só imaginávamos que o Goiás estava na frente do Inter porque a torcida do Grêmio tinha comemorado.

Gazeta Esportiva: Como você se preparou para esse jogo contra o Grêmio?
Clodoaldo: Na verdade, só fiquei sabendo que jogaria pelo Eduardo (Baptista, que viria a ser técnico do Palmeiras em 2017), preparador físico do Nelsinho Baptista na época. Ele e outro assistente vieram até mim: “Como você está, Clodô? Tranquilo?”. “Sim, tranquilo.” Achei um pouco estranho. “Está legal mesmo?”, eles perguntaram. “Beleza.” No outro dia, fizemos um treinamento no Beira-Rio e o Wilson sentiu, acho. Ele disse que não tinha como jogar. Falei que, por mim, tudo bem, sem problema algum. Estava treinando, preparado. Deus sempre faz as coisas certas.

“NO PUEDO!”

Gazeta Esportiva: E a pressão?
Clodoaldo: As pessoas não sabem a dimensão que foi esse jogo. O último do campeonato, e, se o Corinthians perdesse… Mesmo assim, fiz o meu papel. O meu papel é fazer gol. Eu fiz, apesar de toda a atmosfera contrária. As pessoas não olham isso. Agora, se você colocasse um ou outro ali, no meu lugar, não tinha feito o que fiz. É o que falei: não sou o jogador que faz gol bonito, o craque, mas, dentro da área, conheço bem. Entrei ali para fazer a minha parte, como em qualquer outra partida, e fiz.

Clodoaldo diz ter pisado no Olímpico como se fosse disputar um jogo qualquer (foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Houve um momento do jogo em que você pressentiu o rebaixamento?
Clodoaldo: Já no segundo tempo, por volta dos 25 minutos, 30. O time ficou sem força, psicologicamente falando. O Arce (atacante boliviano) pegou uma bola, e eu gritei: “Vamos, Arce! Vai no fundo e cruza!”. Ele respondeu: “No puedo, no puedo, no puedo (“não posso”)!”.

Gazeta Esportiva: O problema era físico ou mental?
Clodoaldo: Mental. Quando você cansa mentalmente, o seu corpo deixa de corresponder. É a mesma coisa do cara que, quando chega a uma final, sente câimbra. Pressionou o psicológico, o corpo sentiu. Até lembro que, no último lance do jogo, peguei a bola, toquei para trás, o Betão chutou, e o goleiro defendeu. Depois disso, acabou.

Gazeta Esportiva: O que você sentiu naquele momento?
Clodoaldo: Eu me senti mal. Foi como quando o meu pai faleceu. Até me perguntaram no vestiário, e falei que havia sido como se eu tivesse perdido um familiar.

SOCOS E TAPAS NO ÔNIBUS

Gazeta Esportiva: Já no ônibus, depois dessa conversa no vestiário, vocês tiveram uma surpresa. Um famoso torcedor organizado do Corinthians estava escondido lá dentro, no banheiro.
Clodoaldo: Para o cara estar lá dentro, alguém deixou entrar. Não tem como. Existe uma barreira policial. É tudo fechado. Entramos nos ônibus quietos, daquele jeito, tristes. E era um desses ônibus altos, com banheiro no meio. Quando o motorista deu a partida, o rapaz saiu de lá, falando que mataria todo o mundo. Contam até que ele começou a me agredir. Isso é mentira. Se eu tivesse sido agredido, não teria problema em falar. Mas eu estava do outro lado, dois bancos atrás de onde ele surgiu, e os policiais logo apareceram.

Gazeta Esportiva: Alguém foi agredido?
Clodoaldo: Cara, ele começou a dar soco, tapa… O Lulinha estava daquele lado. Realmente, não sei se chegou a pegar em alguém. Foi um susto. Ele falou que sabia onde todo o mundo morava, que a gente tinha acabado com o Corinthians dele, que resolveria isso agora. É complicado (risos).

Gazeta Esportiva: Você temeu pela sua segurança nos dias posteriores ao rebaixamento?
Clodoaldo: A gente sabia que teria alguma coisa na chegada a São Paulo, até porque a torcida estava louca. No avião, alguns também apareceram com os ânimos exaltados. Só que falaram que pegaríamos uma saída alternativa, por trás, no desembarque. Aí, levariam o time para o hotel e, depois, cada um seguiria para a sua casa. A ordem era ligar para saber o que seria feito depois. Como tinha bastante escolta naquele dia, foi mais tranquilo.

Rebaixados, Clodoaldo e os seus companheiros fugiram dos protestos no retorno a São Paulo (foto: Fernando Pilatos/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: O maior problema com a torcida, então, foi mesmo aquele caso do ônibus?
Clodoaldo: Houve um pior. Antes do jogo contra o São Paulo, muitos torcedores foram ao Parque São Jorge nos cobrar. Vários integrantes da Gaviões da Fiel estavam lá. Um deles conversava mais. Outro estava com os ânimos bem exaltados. O clube ficou cercado de viaturas, e a gente entrou em uma sala para recebê-los. Alguns jogadores já tinham ido embora do treino, mas estávamos eu, Vampeta, Finazzi, Everton Santos… Foi uma cobrança dura. O caso do banheiro foi mais um susto, muito rápido. E inadmissível.

Gazeta Esportiva: Como é a sua relação com os torcedores do Corinthians hoje?
Clodoaldo: Ótima. Quando ia a São Paulo, sempre me pediam fotos. O torcedor não é burro. Eles falam: “Pô, o Clodoaldo representou”. Tanto é que a Gaviões nunca me questionou. Eles iam ao clube e pegavam no pé, mas não falavam do Clodô. Em 2009, quando estava treinando separado do time no Parque Ecológico, os torcedores perguntavam por que eu não jogava. E o Souza naquela fase ruim. Eu dizia para eles: “Também não sei”. E não custava nada me colocar, né? Testa, pô. Vamos ver se, de repente, não dá certo com o Clodoaldo. Lamentavelmente, isso não aconteceu.

Gazeta Esportiva: Foi uma longa espera. O seu contrato só venceu em 2011.
Clodoaldo: Foi um período bem duro. Eu estava machucado e era jogador do Corinthians. Para me tratar no clube, tinha que colocar uma camisa diferente e entrar por uma porta diferente. Não podia nem me trocar no mesmo vestiário dos outros atletas. Era como se eu fosse um estranho completo. E você imagina como é ficarem te devendo cinco, seis meses de salário.

CORINTIANO E ENDIVIDADO

Gazeta Esportiva: Os salários no futebol são bem acima da realidade brasileira, mas, ainda assim, é um tempo considerável. Chegou a passar dificuldades financeiras?
Clodoaldo: Os salários aumentaram de 2010 para cá. Antes disso, os clubes não pagavam valores astronômicos. Hoje, a média salarial dos jogadores de time grande é de R$ 100 mil para cima. Na minha época, não. E, aí, você assina um contrato e começa a fazer gastos. Fala: “Ah, vou comprar uma casa, um carro”. Imagine depois, seis meses sem receber, com as contas disso tudo chegando. Os juros do cartão a 105% (risos). Fui rebaixado – e, para alguns, tive culpa – e ainda passei por tudo isso. E é o clube do meu coração.

Batizado em homenagem a ídolo do Santos, centroavante virou corintiano e decepcionou-se (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você sempre foi corintiano?
Clodoaldo: Desde criança. O meu pai era santista roxo e me deu o nome de Clodoaldo (ídolo do Santos) por isso. Apesar disso, virei corintiano. Mas, depois de passar pelo clube, cara, perdi um pouco do encanto. Sem palavras para a torcida. Só que, para as pessoas da época… E o que vivi depois do rebaixamento foi terrível. O Corinthians fazia tudo para eu pedir a rescisão de contrato. No tempo em que fiquei machucado, chegou a tratar a situação como circo. Foi cruel. Só de pirraça falei que não rescindiria. Eles teriam que me aguentar.

Gazeta Esportiva: Deixou de ser corintiano?
Clodoaldo: Não tenho aquele amor de antigamente. É como a sua esposa te sacanear. Não dá para a relação ser a mesma depois disso. Mas também sei que a instituição Corinthians não teve nada a ver. Foram as pessoas que estavam lá. Quando jogava no Criciúma, tive a possibilidade de ir para outros clubes, como o Cruzeiro. O Fernandinho, lateral esquerdo, foi. Como corintiano, preferi o Corinthians. E aconteceu tudo isso. Mas tudo bem. Por sorte, ainda sou lembrado pela imprensa e pelos torcedores. E não foi nem só com o Corinthians que tive problemas.

BRIGA E SALVAÇÃO NO NÁUTICO

Gazeta Esportiva: Com quem mais?
Clodoaldo: Antes de ser emprestado para o Náutico, rescindi com o meu empresário. Primeiro, por não conseguir ficar no Corinthians. Mas o que pegou mesmo foi que ele me ligou: “Clodoaldo, o Náutico está querendo te contratar, mas não tem luva nem nada. Será só salário”. Tentei argumentar: “Nada? Acho que precisava ter uma valorização e tal”. Então, não aceitei. Depois de uma semana, outro cara me ligou: “Sou amigo do seu empresário. Por que você não aceitou a proposta? O negócio seria bom”. Como “seria bom”, se eu não ganharia nada, né? E o cara: “Como assim você não vai ganhar luvas? Falei para o seu empresário que eles dariam luvas e você já viajaria na próxima semana”. Quer dizer, o meu próprio empresário pegaria as minhas luvas. E eu pagando tudo certinho para ele trabalhar para mim. Quis rescindir o contrato com ele, que não aceitou e entrou na Justiça. Imagine isso. Mas, graças a Deus, ganhei.

Gazeta Esportiva: Mas você acabou indo para o Náutico.
Clodoaldo: Sim. Outra pessoa me ligou depois disso tudo, e acertamos. Foi bom porque fiz lá em 2008 o que não conseguir fazer no Corinthians em 2007. Marquei dois gols na penúltima rodada e livrei o Náutico do rebaixamento.

Gazeta Esportiva: Veio à mente o rebaixamento do Corinthians quando você se encontrou nessa situação?
Clodoaldo: Estava preocupado com outra coisa (risos). Uma semana antes, tive um problema com o Titi, zagueiro que jogou no Bahia. Perdemos para o Figueirense em Florianópolis e, depois, na academia, começamos a nos cobrar: “Você não fez isso! Você não fez aquilo!”. Todo o mundo estava com sangue quente.

Clodoaldo refrescou a cabeça no Náutico, que ajudou a livrar do rebaixamento em 2008 (foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Chegaram às vias de fato?
Clodoaldo: Só não chegamos porque o pessoal nos segurou. Foi melhor assim. O Titi é grande (risos). Não quero saber dele, não! Mas, nisso, já achava que nem jogaria contra o Atlético-PR, nos Aflitos. Antes do jogo, estava até trocando de roupa no vestiário para ir embora. Só que me levaram para o banco de reservas. No começo do jogo, o Ferreira, que é até colombiano, fez 1 a 0 para o Atlético-PR. O Roberto Fernandes, nosso técnico, colocou o Kuki em campo. E a gente nada de reagir. Parecia que o time cairia. Aos cinco minutos do segundo tempo, ele me mandou aquecer. Aos 10, mandou acelerar. Aos 15, entrei. Meu Deus! Na minha primeira conclusão, a bola já raspou a trave. “É o meu dia!”, pensei comigo. Toquei mais duas vezes na bola e fiz dois gols (risos). O Aflitos foi a baixo. Foram gols de centroavante, um de canela e outro de peito. No dia seguinte, estávamos eu e o Kuki, que me deu os dois passes, como o Batman e o Robin na capa de um jornal. O Clodoaldo era o bam bam bam.

Gazeta Esportiva: E o Titi?
Clodoaldo: Nunca mais falei com ele, mas o futebol costuma te punir com o tempo. Na época da discussão, ele falou: “Vamos ver no ano que vem! Você vai jogar contra mim e não vai fazer nada!”. O Titi era um moleque de 19 anos na época, o que me deixou mais nervoso ainda. Aí, no ano seguinte, nós nos enfrentamos mesmo. Ele estava no Vasco. Eu, no Figueirense. Empatamos por 1 a 1, com gol do Clodoaldo.

PROFESSOR CLODÔ

Gazeta Esportiva: Como está o Clodoaldo hoje, longe do Corinthians?
Clodoaldo: Estou bem. E o Corinthians também. O rebaixamento ajudou o Corinthians a ser o que é hoje. Se o time não tivesse caído, o clube nunca teria reformulado a sua estrutura. Porque o Corinthians era grande, com uma torcida imensa, mas não possuía uma estrutura condizente com um clube grande. O CT do Parque Ecológico era horrível, com vestiário de madeira, de contêiner. Dizem que é de primeiro mundo hoje. E eu estou aqui, com esse projeto de virar técnico. Comecei com as divisões menores e quero sair de Popayán para Cali no ano que vem. É gratificante saber daqui que, depois de dez anos, as pessoas ainda lembram do Clodoaldo aí. Isso mostra que, de alguma maneira, apareci.

Gazeta Esportiva: De repente, você pode reconstruir a sua história no Corinthians como técnico?
Clodoaldo: Só te garanto uma coisa: na Colômbia, eu vou chegar. E, chegando aqui, as portas se abrem. Eu vou chegar.