A rainha das quadras - Gazeta Esportiva
Guilherme Goya
São Paulo, SP
03/29/2020 09:00:37
 

O Brasil pode se orgulhar de ter Pelé e Marta no futebol de campo, além de Falcão, o rei das quadras. Estes três astros foram os grandes protagonistas em suas modalidades, mas é no futsal feminino que o país detém uma hegemonia inédita. Com apenas 25 anos, Amanda Lyssa de Oliveira Crisostomo, a Amandinha, foi eleita pela sexta vez consecutiva a melhor jogadora de futsal do mundo, na última quinta-feira (26).

Em entrevista exclusiva para a Gazeta Esportiva, a rainha das quadras contou detalhes de sua carreira, além de comemorar mais uma conquista e reivindicar a visibilidade do futsal feminino.

“Essa (conquista) teve um gostinho especial, por toda essa luta do futsal feminino. Quando eu recebi pela primeira vez era tudo muito novo, algo que eu nunca tinha conquistado, era apenas uma adolescente. Não sabia ainda que caminho trilhar. Mas aos poucos fui amadurecendo, fui crescendo dentro da modalidade e as coisas deram muito certo para mim”, comemora.

O ano de 2019 foi muito especial para Amandinha e as Leoas da Serra, sua equipe. Com o clube de Lages, de Santa Catarina, a craque conquistou títulos importantes como a Copa das Campeãs, a Taça Brasil e o Mundial Interclubes Feminino. Para a jogadora, o prêmio de melhor do mundo coroa não apenas suas conquistas dentro de campo, mas da modalidade como um todo.

“Acredito que foi o melhor ano, principalmente profissionalmente falando, por todas as conquistas que o futsal feminino teve. Pelas transmissões, pela visibilidade, que aumentou, pela capacidade que o futsal feminino teve de mostrar o seu valor para as pessoas do mundo inteiro. Esse prêmio coletivo para coroar um ano muito vencedor coletivamente que foi 2019”, conta.

 

Ver essa foto no Instagram

 

THE BEST PELA 6ª VEZ ACREDITA?. . Quando acho que já deu pra mim, vem Deus e me surpreende. Com certeza, 2019 foi um dos maiores anos da minha vida. Não falo nem tecnicamente, mas a grandeza das conquistas foram inigualáveis. Estive nas 5 transmissões do futsal feminino no ano, uma luta que abracei junto com as Leoas desde que cheguei aqui (obrigada, SporTV), fui para todas as finais que disputei, meu clube viajou pra Espanha com investimento de patrocinadores próprios que acreditam no nosso trabalho sério e no retorno que a gente oferece, ganhei o primeiro mundial de clubes com o ginásio entupido de gente, joguei final de Taça Brasil ao vivo para o país inteiro com recorde de audiência (opa, não esqueça, estamos falando de futsal feminino!). Ao longo do ano joguei com condições variadas: a 100%, joguei a 70% e fui elogiada, joguei a 50% e fui criticada e até xingada. Como diz um velho ditado, quem tá na chuva é pra se molhar, não é? Pode bater, eu aguento. Dentro da modalidade você pode até questionar a minha qualidade técnica, você pode até ter sua preferência por outras atletas, gostos e opiniões não se discutem, é corretíssimo você ter a sua. Mas uma coisa que nunca vão poder questionar ou falar mal de mim é o tamanho da abdicação e da entrega que dei por uma modalidade incrível e “invisível” chamada futsal feminino. Então, se estou aqui, nesse momento, eu mereço, porque Deus me cobra, me honra, me sustenta. Já teria desistido a muito tempo se não fosse por Ele. Só sabe quem passa. E, como sempre digo, a pessoa e a atleta que me tornei deve muito a todos que forçaram ao aprimoramento, atletas e treinadores do meu time e dos adversários. Não costumo citar nominalmente ninguém nos agradecimentos porque são muitas pessoas, pra 2019 eu vou citar duas, primeiro a @barbarapcoelho , e só aqui teria também todas as pessoas que ela me trouxe, mas a Bárbara tem um lugar diferente na minha história e ela sabe o motivo, gratidão eterna; e o 12 @falcao12oficial , porque ao conversar com ele compreendi e aprendi muito mais do que podia imaginar sobre o que é ser um atleta diferenciado. Essa é só a primeira postagem, logo vem mais. GRATIDÃO FUTSAL ❤️⚽️ #FutsalComAmor

Uma publicação compartilhada por Amandinha (@amandinhafutsal10) em

Os primeiros passos

Natural do bairro de Conjunto Ceará, no subúrbio de Fortaleza, Amandinha é hoje referência em sua modalidade. O primeiro prêmio de melhor jogadora do planeta veio quando ela tinha apenas 19 anos. Hoje com 25, a jogadora usa o fato de ser um espelho para as meninas como motivação para seguir no topo.

“O que me motiva é o amor que eu sinto pelo esporte. Me motiva saber que estou sendo linha de frente de meninas tão apaixonadas pelo esporte. Meninas batalhadoras, que, independente das circunstâncias e condições, não desistem”

O caminho para se consolidar como a rainha das quadras, entretanto, não foi fácil. Ainda na infância, Amandinha deu seus primeiros passos em um time apenas de garotos na sua cidade natal. Antes de enfrentar os adversários, ela teve que driblar o preconceito e os vetos dos organizadores das competições juniores. Foi com o apoio do técnico André, o primeiro de sua carreira, que ela pôde brilhar nas quadras do Conjunto Ceará.

 

Ver essa foto no Instagram

 

💬Lembranças de dois gols, uns dos mais importantes da minha vida.🤪⚽️ #JONESLOTADO Participando da campanha da minha amiga @nataliaguitler , onde a mulher que postar gols no feed e colocar a #Samegoals ganha uma bola do @mancity e ainda concorre uma viagem com essa maravilhosa pra Inglaterra. #Finalmundialdeclubes GRATIDÃO FUTSAL ⚽️❤️

Uma publicação compartilhada por Amandinha (@amandinhafutsal10) em

“Tive que enfrentar certas coisas muito cedo, como o preconceito. Não dos meninos, porque eles não tinham isso. Mas de não quererem me aceitar em competições, me olharem torto por ser menina no meio dos meninos. Mas o André, meu primeiro treinador, foi muito bacana comigo, sempre me apoiou bastante, sempre brigou para eu estar junto em todas as competições, mesmo sendo masculinas”, relembra.

Após passar por isso, Amandinha mudou-se para uma equipe feminina de maior visibilidade nacional. Com grande destaque, deixou sua cidade natal ainda na adolescência para atuar pelo Barateiro Futsal, time da cidade de Brusque-SC. A partir de então, sua carreira começou a crescer cada vez mais, com convocações para a Seleção Brasileira, além de títulos individuais e coletivos. Em 2017, ela se transferiu para o Leoas da Serra, clube pelo qual segue brilhando nas quadras.

Luta fora da quadra

Consciente de seu tamanho na modalidade, além de servir de espelho para as garotas mais novas, Amandinha aproveita o seu espaço para lutar pelo crescimento do futsal feminino no Brasil. Sem precipitação, entretanto, a craque sabe que a caminhada não é fácil.

“Não tem como eu dizer ‘quero receber o salário igual os caras do masculino’. Não tem como, porque nós não temos essa visibilidade que o masculino tem. Apesar da gente ter uma qualidade técnica imensa, as pessoas não tinham visto ainda. A gente tem que caminhar com as nossas pernas no sentido de saber se colocar no nosso lugar e ir trilhando, aos poucos, o nosso crescimento”.

“Precisamos nos organizar de forma que os nossos gestores se tornem melhores, que as equipes cresçam, evoluam, e dessa forma tenha a captação de mais patrocinadores, e o esporte passa a ser mais valorizado. Consequentemente, as atletas ganham mais. É simples e natural o processo. Mas as pessoas, muitas vezes, querem dar cinco passos onde você só pode dar um”, analisa.

O que eu peço encarecidamente é que essa visibilidade continue, para a gente não se prender somente em 2019, para que 2020 seja ainda melhor.

E justamente na busca deste crescimento e visibilidade para o futsal feminino que Amandinha escolheu ficar no Brasil, mesmo com propostas mais valiosas, financeiramente, do exterior.

“As pessoas sempre me perguntam por que não vou para a Europa ganhar meu dinheiro. Primeiro porque as minhas condições estão favoráveis dentro do país. Recebo três vezes menos do que eu iria receber lá, mas ao mesmo tempo não é isso que me motiva. Sou motivada pelos desafios, pelos sentimentos, pela euforia do povo brasileiro e eu estou feliz na nossa terra, pela valorização que estou tendo, pela valorização que a modalidade está tendo. Isso é o que importa. Ficando aqui, sei que aumento a visibildiade da modalidade, aumento a modalidade de patamar, protejo a modalidade de certa forma. Claro que há momentos em que é difícil, e quem sofre sou eu. Mas é uma escolha minha, uma gratidão minha. Pode ter certeza que estou feliz por essas minhas escolhas”.

Comparação real

A felicidade de Amandinha passa também pelas comparações com outras majestades do futebol brasileiro. As seis conquistas de melhor jogadora do mundo tornam inevitáveis as semelhanças com Marta e Falcão. A camisa 10 das Leoas e da Seleção mostra-se honrada em estar ao lado dos outros craques.

“Eu fico muito feliz. Tem pessoas que se incomodam, mas eu fico totalmente feliz de ser comparada com os maiores do planeta, com os extraterrestres. Fico em êxtase. Estão me comparando aos meus ídolos. É uma honra para mim”.

E o que dizer então quando a sua grande referência no esporte torna-se seu grande amigo? É o que aconteceu com Amandinha, que além de um ídolo, agora tem em Falcão um amigo e conselheiro para a carreira.

“O Falcão, que é um grande ídolo da minha vida, já conheci pessoalmente. Já tive muitos encontros com ele, hoje somos amigos. Graças a Deus posso ser amiga do meu ídolo e todas as vezes que a gente se encontra é um aprendizado gigantesco. Peço conselho em relação a patrocinadores, em como ele lidava com algumas pessoas ruins que aparecem na internet, esse tipo de coisa. Pergunto sobre a modalidade, o crescimento. Pode ter certeza que muito das minhas atitudes e reações são muito do que eu aprendo com ele”, finaliza.

 

Ver essa foto no Instagram

 

Aqueles encontros de sorte.. Ontem ainda em Guarulhos antes de embarcar olha quem eu vejo, só ele, meu amigo e ídolo @falcao12oficial .. Mais uma pro feed como eterna recordação. ❤️ #futsal #penaltybr #orei 👑

Uma publicação compartilhada por Amandinha (@amandinhafutsal10) em