A menina dos olhos da Copa - Gazeta Esportiva
Marcelo Baseggio
Zagreb, Croácia
09/17/2018 09:00:06
 

Ela ficou famosa durante a Copa do Mundo por seu comportamento enérgico nas arquibancadas russas durante os jogos da seleção croata e também por dispensar protocolos geralmente aderidos por chefes de Estado em grandes eventos. Aos 50 anos, a presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarovic, crê que a maneira como políticos se expressam precisa mudar, e aposta em sua autenticidade para seguir promovendo seu país, que ficou tão em evidência no último verão europeu ao decidir o Mundial de futebol de 2018 com a França.

Completamente apaixonada por esportes, Kolinda Grabar-Kitarovic fez questão de ir à maioria dos jogos de mata-mata da Copa do Mundo para acompanhar a Croácia. Para se deslocar até a Rússia, pagou as passagens do próprio bolso por não considerar certo o fato de o governo bancar viagens que não envolvam qualquer compromisso de Estado. Foi usado dinheiro dos contribuintes croatas apenas quando a presidente esteve em Moscou e Sochi, onde encontrou o presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev.

Por essas e outras, a Gazeta Esportiva foi atrás da história dessa mulher que se tornou um verdadeiro personagem da Copa do Mundo de 2018. Concedendo sua primeira entrevista a um veículo de comunicação brasileiro, Kolinda Grabar-Kitarovic admitiu que jamais esperava que sua imagem repercutisse tanto ao redor do planeta.

“Honestamente, não esperava que isso aconteceria, porque não é nada diferente para mim. Sou fanática por esportes, onde quer que eu vá estarei torcendo para os times croatas, sempre visto a camisa da seleção. Poderia estar na arquibancada, com os torcedores, em um jogo de futebol, tênis, handball, polo aquático ou qualquer outro esporte”, disse a presidente da Croácia.

“O fato de que posso me expressar, que não devo me importar com protocolos, limites, que às vezes vêm com esse cargo, honestamente, vem mudando ao redor do mundo. O modo como as pessoas enxergam os políticos, presidentes, primeiros-ministros, tem mudado”, acrescentou.

Nós todos precisamos ser mais humanos em termos de expressar nossas emoções, nem sempre sermos muito restritos com protocolos ou com o modo que nós nos comportamos”

Dos jogos da fase mata-mata do Mundial, Kolinda só não esteve presente na semifinal, contra a Inglaterra, porque teve de participar da cúpula da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em Bruxelas, na Bélgica. No evento, a chefe de Estado, contudo, não se desconectou da Copa do Mundo, aproveitando para presentear o presidente norte-americano, Donald Trump, e a primeira-ministra britânica, Theresa May, com camisas da seleção croata.

“Na verdade, eu estive no vestiário da seleção e disse aos jogadores que não iria a nenhum jogo da fase de grupos, porque esperava que eles ao menos passassem da primeira fase. Meu marido foi ao jogo contra a Argentina, em que eu, infelizmente, não fui. Mas, prometi ao técnico, o Sr. [Zlatko] Dalic, e a alguns jogadores que estaria lá e faria qualquer coisa que estivesse em meu poder para estar lá. Decidi viajar porque sabia que a Croácia iria jogar mais partidas. Primeiro de tudo, não queria que o Estado pagasse minhas viagens, e segundo, pensei que se o Estado pagasse pela viagem, teria que estar no contexto de reuniões importantes, o que aconteceu com o primeiro-ministro e o presidente da Rússia, em Sochi e Moscou”, afirmou.

Mas não foi apenas sobre a Copa do Mundo que a presidente abriu o jogo. Além de comentar sobre sua paixão por esportes, Kolinda Grabar-Kitarovic falou sobre sua longa jornada até a presidência da Croácia, os reflexos da boa campanha da seleção croata no Mundial para o povo, a importância da mulher ocupando cargos importantes na sociedade e muito mais.

A paixão de Kolinda pelos esportes

Minha paixão começou desde que eu nasci. É engraçado, porque meu pai esperava ter um menino, na época era o sonho de todo homem croata, mas ele foi maravilhoso comigo. Quando eu nasci, ele pensou: ’Ok, tenho uma menina, vou fazer o melhor que posso’.  Ele participou sem perceber de muitos movimentos para emancipar as mulheres, porque ele me ensinou tiro ao alvo, ele é um caçador, mas eu jamais atiraria em animais, absolutamente reprovo isso. Ele me ensinou a atirar quando era muito pequena, com cinco ou seis anos, com armas de luz. Até hoje sou uma atiradora relativamente boa. Para mim, essa atividade contrasta com minhas atitudes em Moscou, onde deixei todas as minhas emoções aflorarem. No tiro ao alvo tenho completo controle de mim, do meu corpo, da minha mente, porque o que costumo fazer é carregar o rifle e não fico com nada que possa fazer o rifle atirar sozinho. Você tem que controlar a posição do seu corpo, o alvo… um dos meus olhos, infelizmente, está falhando, porque tenho astigmatismo. O modo como você respira, para sua respiração e atira entre as duas batidas de coração… você acha o perfeito momento em que você tem o perfeito controle de você mesmo. Isso me ajuda a focar em outras diferentes áreas, como no trabalho, nos estudos.

De diplomata à presidente

Os reflexos da campanha da seleção croata na Copa do Mundo para o país

Acho que deu um grande impulso à energia e ao otimismo no país, algo que realmente precisávamos. Por isso que sou muito grata ao time, ao Sr. Dalic [técnico da Croácia] e todos os seus colegas, e ao Mr. [Davor] Suker, presidente da Federação Croata de Futebol. O modo como eles promoveram a Croácia não se pode pagar com nenhum dinheiro. Não apenas em relação ao modo como eles jogaram, tecnicamente eles foram muito bons e mostraram essas capacidades técnicas com Modric, que é uma pessoa que eu conheço há anos, assim como sua família, os respeito profundamente. Mas outros jogadores também foram importantes, como o goleiro Subasic. Eles foram maravilhosos.

Razão da comemoração emotiva em campo junto com os jogadores

Realmente senti que merecíamos levar o título para a Croácia, mas pensei: ‘Ok, vejo você na próxima. Os nossos heróis voltarão para a Croácia’. Também a razão que eu decidi abraçar todos os jogadores, incluindo os juízes, foi porque queria mostrar que não somos um país grande geograficamente ou demograficamente, mas temos um grande coração, sabemos como vencer e sabemos como aceitar a derrota e parabenizar os vencedores, seguir em frente e estar feliz com os vencedores e com o que alcançamos, porque alcançamos algo maravilhoso.

O banho de chuva após o apito final

Um dos momentos mais emocionantes para mim, quando eu realmente fui abaixo, foi quando a chuva começou a cair. Não estava ligando para a chuva, como meu cabelo iria ficar, minha maquiagem, aparência. Estava pensando na minha nação, naqueles caras na minha frente. Quando vi Modric sendo premiado como melhor jogador da Copa do Mundo, olhei nos olhos dele e percebi que ele trocaria facilmente aquele troféu pelo time, para a nação. Foi o momento em que eu realmente fui abaixo, pensando ‘esse cara é tão bom, um dos melhores jogadores do mundo, e ele não liga. Ele preferiria que a Croácia vencesse o jogo do que ganhar o troféu de melhor jogador do torneio’.

Empoderamento feminino

Um apelo pelo fim do êxodo de croatas e o crescimento do país

Quero que os jovens estudem em outros lugares, trabalhem em outros lugares, mas que voltem para a Croácia. Quero isso para meus próprios filhos e para todo mundo na Croácia. Que possam aprender novas línguas, vivam novas experiências, mas que voltem para a Croácia e faça o país crescer, um país onde os croatas mereçam estar. Turismo é muito importante na Croácia, ano passado esse setor correspondeu a 20¨do nosso PIB. Para mim, turismo deveria ser um aditivo para a nossa economia. O que eu apoio é, na verdade, promover indústria, emprego, e turismo vem como a cereja do bolo, porque turismo depende do clima, de mecanismos de procura para promover os melhores destinos de viagem.

Um recado aos brasileiros que planejam ir à Croácia

O que posso dizer ao povo brasileiro é que a Croácia é muito bonita em todos os aspectos. O formato da Croácia é como uma ferradura. Mas minha filha disse para mim: ‘Não, mãe. A Croácia não é uma ferradura, é uma águia de asas abertas’. Temos a parte continental, as montanhas e a costa. São muito diferentes em arquitetura, paisagem, culinária, mas em um território tão pequeno há uma concentração de beleza, cultura, culinária, pessoas hospitaleiras. Podemos até entender um pouco de português pela similaridade que há com o italiano, muitos croatas falam italiano. Então, por favor, venham para a Croácia. Não apenas para as grandes cidades, como Zagreb, Split e Dubrovnik, mas até em lugares pequenos na Croácia, cada cidade, cada pedra, faz parte de uma história de centenas, milhares de anos que você pode aproveitar. Você encontrará paisagens lindas, nadar em mares quentes e muito seguros, sem tubarões, sem perigos. Você pode velejar, você pode ir a alugares que poderá ficar completamente sozinho e aproveitar a natureza. Ou você pode visitar os vários monumentos históricos, eventos culturais e explorar nossa culinária, visitar os parques naturais onde há uma série de lagos e cachoeiras. Na parte continental da Croácia você pode aproveitar as festividades, em Istria há as melhores trufas do mundo, muita música e Carnaval. É algo que compartilhamos com o Brasil. Em Rijeka, minha cidade natal, temos diferentes eventos, mas no último fim de semana do carnaval, é absolutamente maravilhoso.

 



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