“Ainda não cheguei ao auge” - Gazeta Esportiva
Helder Júnior e Tomás Rosolino
São Paulo (SP)
02/14/2017 07:50:45
 

Ainda vestido com o seu uniforme de treinos, o corpulento goleiro Cássio se esparramou em um sofá diante dos campos do CT Joaquim Grava e começou a falar sobre a sua trajetória no Corinthians com a mesma naturalidade com que tirava as luvas das mãos. Alguns dos assuntos abordados nesta entrevista exclusiva, contudo, eram tão penosos para o jogador quanto a sua última temporada.

Logo nos primeiros meses de 2016, já como um ídolo consagrado pelas conquistas da Copa Libertadores da América e do Mundial de Clubes de 2012 na condição de protagonista, Cássio vivenciou um dilema. Recebeu uma proposta do Besiktas, da Turquia, e ficou tentado a seguir o exemplo da maioria dos seus companheiros na conquista do Campeonato Brasileiro de 2015 e aumentar a debandada “absurda”, como definiu, de atletas do Corinthians. A diretoria impediu a transferência, e o goleiro precisou recuperar o tempo perdido para entrar em forma.

Cássio sempre engordou com facilidade. O problema foi um dos motivos para ele ter perdido o status de titular do Corinthians para Walter, o que era inimaginável no passado, em mais de uma ocasião no último ano. Para piorar, lamentou ainda a morte da avó, Maria Luiza, enquanto escutava o preparador de goleiros Mauri Costa Lima indicar publicamente que preferia a escalação do seu colega.

Na conversa reproduzida abaixo, Cássio remoeu toda a sua temporada mais difícil a serviço do Corinthians. Admitiu que ficou em uma “situação meio chata” com Walter a partir do momento em que ambos se tornaram, de fato, concorrentes de posição. Contou como foi o seu pedido de desculpas a Mauri. E revelou que tinha uma oferta oficial para seguir para o Grêmio. Só não retornou ao clube que o revelou porque o presidente Roberto de Andrade novamente se recusou a negociá-lo.

Após a sua pior temporada a serviço do Corinthians, goleiro inicia 2017 com outra cara (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Após a sua pior temporada a serviço do Corinthians, goleiro iniciou 2017 com outra cara (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Agora, Cássio quer resgatar a história que construiu no Corinthians. Foi graças ao noivado firmado no final do ano passado, quando ainda era reserva de Walter, que ele passou a adotar uma dieta mais regrada, parando de pular o café da manhã (“a principal refeição do dia”, segundo nutricionistas) e de comer “o que não deve” à noite. Começou a se sentir mais ágil nos treinos e nos jogos. A ponto de, aos 29 anos, acreditar que ainda não atingiu o auge da sua carreira.

Com contrato com o Corinthians válido até 31 de dezembro de 2019, Cássio não chega a invejar as 602 partidas de Ronaldo (“o maior da história”, como elegeu) pelo clube. Mas tem certeza de que é capaz de repetir atuações como aquela que lhe rendeu o prêmio de melhor jogador do Mundial de 2012, na vitória sobre o inglês Chelsea, em uma série de partidas e consequentemente ser convocado para a Seleção Brasileira do velho conhecido Tite. Assim, terá uma “chance grande” de conquistar algum cargo no clube ao final da carreira como atleta – embora não deseje ser dirigente, escaldado pela pressão que o amigo Alessandro, ex-lateral direito, está enfrentando como gerente de futebol.

Cássio voltou a se sentir tão à vontade em 2017 que tem a seu favor até a resolução de um trauma de infância. Em 2015, o goleiro do Corinthians enfim conheceu o pai biológico, que havia deixado a sua criação a cargo da mãe. Hoje, no entanto, ele se anima mais em diminuir a distância para o filho Felipe, de dois anos e meio, que mora em Veranópolis e já arrumou uma briga no colégio onde estuda – quer frequentar as aulas devidamente trajado com camisas do Corinthians, e não com o uniforme escolar.

Cássio abriu o coração à Gazeta Esportiva e falou sobre tudo nesta entrevista exclusiva (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Cássio abriu o coração à Gazeta Esportiva e falou sobre tudo nesta entrevista exclusiva (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você comentou algumas vezes que se conscientizou em relação à necessidade de controlar a sua alimentação e preparou-se com mais afinco para ter uma temporada melhor em 2017. Agora, já com uma sequência de jogos oficiais, como está se sentindo?
Cássio: Estou bem. Falei que seria diferente pelo fato de eu ter perdido a minha posição de titular no ano passado, ficando no banco de reservas, e por ter deixado algumas coisas a desejar em todos os sentidos, não só dentro de campo. Então, passei a tomar um pouco mais de cuidado com o meu corpo. Fiz uma boa pré-temporada e agora, com os jogos, estou bem focado no trabalho, em ajudar o Corinthians. Estou muito feliz.

Gazeta Esportiva: A sua dieta precisará ser permanente para poder jogar em alto nível até o final da carreira?
Cássio:
Sim. Isso é normal. Haverá o tempo de férias para eu dar uma relaxada e tudo o mais, né? De resto, preciso controlar. Isso não quer dizer que eu tenha que comer salada todos os dias para o resto da vida. Mas, controlando a alimentação, o meu rendimento certamente será melhor.

Gazeta Esportiva: Há algum alimento ou bebida em especial de que você gosta bastante e agora está se privando?
Cássio: Ah, é no geral, né, cara? Sigo uma dieta que me foi passada, e… Isso representará um bem para mim não só esportivamente, sabe? É algo útil para minha vida também, uma reeducação alimentar. Antes, eu morava sozinho e tal. Morando sozinho, tu acaba comendo o que não deve. Tenho empregada que vai lá em casa, mas, à noite, ela não está.

Gazeta Esportiva: Aí, você ataca a geladeira.
Cássio: Então, hoje, moro com a minha noiva, o que ajuda bastante nesse ponto. Comer mal é ruim para um atleta, ainda mais para mim, que quero jogar em alto nível para o resto da vida. A gente vê a maioria dos jogadores enorme quando para de jogar futebol, né [risos]? Não quero isso para mim. Controlar a dieta está sendo bom para a minha saúde. E também não é nada absurdo o que estou fazendo. Antes, por exemplo, eu tinha o costume de não tomar café da manhã, uma coisa simples. Não é que eu precise passar fome agora, nada disso. É só uma questão de reeducação alimentar, algo que vai me ajudar bastante em todos os sentidos.

Gazeta Esportiva: Vai se casar ainda neste ano?
Cássio: Calma [risos]. Fiquei noivo no final do ano passado. A gente está morando junto, e ela me ajuda muito. É a minha companheira, a minha amiga, e está sendo muito importante para mim. Estou vivendo uma fase muito boa nesse aspecto. Converso muito com ela. Jogador tem uma vida difícil. A maioria é de outras cidades. A gente vive aqui em São Paulo, por exemplo, e a família mora longe. Você fica… Acho que a palavra certa não é “carente”, mas, para mim, as coisas mudaram totalmente ao estar com uma pessoa perto de mim e ter uma vida regrada. Falo isso porque tenho objetivos na carreira. Não acho nada de mais abrir mão de algumas coisas em prol dessas metas, de ser campeão, de chegar a uma Seleção Brasileira. Está tudo dentro do normal.

Cassio ficou chateado por ouvir que não seria convocado por Tite por causa da polêmica com Mauri (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Cássio ficou chateado por ouvir que não seria convocado por Tite por causa da polêmica com Mauri (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você disse que se desculpou com algumas pessoas por seus desabafos no período em que estava na reserva do Walter. Imagino que o Mauri tenha sido uma delas. Como foi a conversa com ele? [O preparador de goleiros Mauri Costa Lima indicou mais de uma vez a sua preferência pela escalação de Walter. Cássio, por sua vez, criticou o profissional por não ter lhe alertado sobre a sua queda de rendimento em 2016.]
Cássio: A gente… Eu nunca tive problemas com o Mauri. No meu ponto de vista, foram mal-entendidos. Em momentos em que poderíamos ter conversado, não conversamos. Mas, cara, fantasiam muitas coisas e criam muitas polêmicas em cima de situações que não existem. A gente sentou e conversou. Foi uma coisa tão simples.

Gazeta Esportiva: O que você leu ou ouviu sobre esse assunto e não gostou?
Cássio: Ah, falaram até de Tite. Ouvi coisas do tipo: “O Tite não chama o Cássio para a Seleção porque aconteceu um desentendimento assim”. Pô, cara. Vocês trabalharam com o Tite e conhecem o jeito dele. Não tem nada a ver. Mas é claro que conversei, sim, com o Mauri. Ele apresentou alguns pontos em que eu deveria melhorar, e eu coloquei outros pontos. Falamos o que deveríamos falar um para o outro, mas tudo com respeito. Conheço o Mauri há cinco anos. É o meu treinador de goleiros e sempre me cobra. Não é pelo fato de eu estar há muito tempo aqui ou por já ter conquistado isso e aquilo com ele que vou deixar de ser cobrado. A gente se dedica e tem uma amizade de trabalho muito boa, de cobrar um ao outro. Então, foi tudo legal. Não há problema algum. Sou uma pessoa que, quando está errada, é a primeira a reconhecer e a tentar pedir desculpas. Se quer melhorar, a gente precisa ter humildade, seja pedindo desculpas ou explicando uma situação.

Gazeta Esportiva: Além do Mauri, você se preocupou em conversar com mais alguém após superar aquele período difícil?
Cássio: Converso e me dou bem com todo o mundo [risos]. Desde que cheguei ao Corinthians, não tenho nada para falar de ninguém. Sempre estou tentando ajudar, até mesmo os mais novos. Quando estava no banco de reservas, não mudei isso. O Corinthians abriu as portas para mim. Sou muito grato. O mínimo que posso fazer é me doar ao máximo para ajudar no que for preciso.

Gazeta Esportiva: E o Walter? Criou-se um cenário de rivalidade com ele no ano passado, mas pouca gente lembra que vocês são muito amigos. Já até foram para as cidades um do outro, não?
Cássio: Ele já foi para o Sul [Veranópolis], e eu já fui para a coisa lá [Jaú]. A gente até tinha uma amizade mais forte antigamente. Agora… A gente se dá superbem também, não tem nada. Só que é muito difícil, porque vocês fazem uma pergunta que envolve o outro atleta, e fica meio chato responder, até pela amizade boa que temos. Então, era complicado naquela época. Muitas pessoas falavam algumas coisas e acabavam tentando botar um goleiro contra o outro. Mas, cara… infelizmente, no gol, joga só um. Isso não é só com ele. Fiz uma amizade boa com o Matheus [Vidotto], com o Caíque [França]. A confraternização entre os goleiros é muito boa, então, às vezes, ficava até uma situação meio chata, sabe?

Goleiros do Corinthians, que conhecem até as famílias um do outro, ficaram mais distantes em 2016 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Goleiros do Corinthians, que conhecem até as famílias um do outro, ficaram com clima “meio chato” em 2016 (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você acabou se distanciando do Walter?
Cássio: Não, não. Acho que não. A gente se dá superbem, conversa bastante. Não há nada assim. É que chega uma hora em que, tipo, você dá uma opinião e fica em uma situação… Porque os caras ficam fazendo as mesmas perguntas toda hora e tal, tal. Entendo o lado do jornalista. Sei que é a função de vocês, que precisam ter notícias.

Gazeta Esportiva: E ainda tem o lado do técnico…
Cássio: Dentro do clube, todo o mundo sabe o tanto que a gente se respeita. Então, essas coisas vêm mais de fora. Vocês não sabem exatamente do nosso dia a dia. É complicado. Mas a gente sempre teve um ambiente bom de trabalho. Quando o Walter estava jogando, eu tentava ajudá-lo. E, quando estou jogando, ele me dá uns toques. Isso é bacana. A gente se dá muito bem, não só eu e ele, mas os meninos também.

Gazeta Esportiva: Agora, quem está jogando é você. Como vê o Walter hoje, afastado, recuperando-se de uma lesão um pouco mais grave? [Walter acusou uma contusão na região do tórax na pré-temporada e ainda não tem previsão de retorno aos gramados.]
Cássio: É difícil falar por outra pessoa. Para qualquer atleta, é ruim ficar parado. Ninguém gosta, independentemente se está jogando como titular ou não. O cara deseja estar ali no meio do grupo, treinando, tentando fazer o melhor. Ele quer estar envolvido. E, quando está machucado, você faz fisioterapia de segunda a sábado e não aparece no campo, na concentração. Querendo ou não, tu fica mais afastado mesmo. Mas espero que o Walter se recupere o mais rapidamente possível porque é um cara muito bom de grupo, que contribui para o clube e está sempre junto conosco.

Gazeta Esportiva: É verdade que existiu uma negociação para você se transferir para o Grêmio quando estava na reserva do Walter?
Cássio: Sim. Tive uma proposta oficial do Grêmio. Sempre joguei muito aberto com o Corinthians, até quando recebi a proposta do Besiktas [no início de 2016], que foi oficial também. Naquela época, o clube não aceitou, e a gente não entrou em atrito. Tenho contrato com o Corinthians e sou muito feliz aqui. Então, se essas transferências não deram certo, vida que segue. Não posso ficar me remoendo, até porque jogo naquele que é, senão o maior, um dos maiores clubes do Brasil. Na minha opinião, é o maior. A estrutura que a gente tem para trabalhar aqui é difícil encontrar por aí. Para bater o Corinthians – e não falo puxando o saco, porque isso é uma realidade –, só um time da Europa. E, mesmo assim… Comparando pelo menos com a estrutura do PSV, em que joguei na Holanda, a daqui é melhor.

Revelado pelo Grêmio, goleiro queria voltar ao clube quando estava na reserva de Walter (foto: divulgação/Grêmio)
Revelado pelo Grêmio, goleiro queria voltar ao clube quando estava na reserva de Walter (foto: divulgação/Grêmio)

Gazeta Esportiva: Você ficou tentado a ir para o Grêmio naquele momento, já que estava na reserva?
Cássio: Era um momento por que eu precisava passar para amadurecer e entender melhor o que estava acontecendo. Naquele mesmo tempo, perdi a minha posição e a minha avó, que sempre foi a matriarca da família. É lógico que, em um primeiro instante, quando acontece a coisa negativa, o cara fica: “P…! Ah, perdi a posição por causa disso, disso e disso!”. Mas, depois, você vê que é preciso parar, pensar e olhar para si próprio: “Pô, o que tenho que melhorar? Será que a culpa é dos outros mesmo ou fui eu que relaxei um pouco?”. É um aprendizado.

Gazeta Esportiva: Você não foi para o Grêmio porque refletiu e achou melhor permanecer ou porque o Corinthians te segurou?
Cássio: O Corinthians. Foi o Corinthians que não aceitou a proposta. O clube comunicou que não me venderia. Eu falei: “Está bom, né? Vocês são os donos do meu passe, e estou feliz aqui”. Não é porque eu estava no banco, que… Tenho uma história no Corinthians, e essas coisas acontecem. Depois da proposta, voltei a jogar. Aí, eu me machuquei, o Walter entrou novamente, e o professor Oswaldo [de Oliveira] optou por continuar com ele. Sei que todo o mundo quer jogar, aparecer. É preciso ter respeito. Procurei fazer o meu melhor trabalho. Infelizmente, não joguei, mas já terminei o ano com essa meta de voltar forte, focado no Corinthians, sem querer saber de qualquer outra oferta para sair. Não foi uma coisa que começou na pré-temporada. Já vem desde as férias. Tenho certeza de que será um grande ano para mim.

Gazeta Esportiva: Com quem você se aconselhou na época de dificuldade?
Cássio: Com a família, com as pessoas que são minhas amigas na hora boa e na hora difícil. Foi até bom porque conheci a verdade sobre muita gente que se dizia minha amiga e eu recebia em casa. Quando eu não estava jogando, essas pessoas simplesmente desapareceram. Foi um aprendizado geral para mim. Não só para o futebol, mas para a vida.

Gazeta Esportiva: Essas pessoas reapareceram agora, que você está jogando?
Cássio: Elas voltaram, mas não têm mais espaço na minha vida. Esse é o tipo de coisa que não acontece só com nós, atletas. Vocês também já devem ter se decepcionado com muitas pessoas. Mas a minha família, a minha noiva e os meus amigos de infância sempre me ajudaram. Eles viram que era um momento em que eu estava meio triste e precisava de apoio. Pô, naquela época, a minha família vinha para São Paulo direto para ficar comigo. Todo o mundo tentou me ajudar. Com certeza, saí muito mais forte dessa situação.

Em má fase, Cássio viu pessoas que frequentavam a sua casa se afastarem (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Em má fase, Cássio viu pessoas que se diziam amigas e frequentavam a sua casa se afastarem (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Para piorar, muito dos amigos que você fez no Corinthians já não estavam mais no clube. Aquele time campeão brasileiro em 2015 acabou desfeito.
Cássio: É aquele negócio: o último apague a luz [risos]. Aconteceram muitas coisas incomuns no ano passado. O elenco foi todo mudado. Nunca tinha visto isso. Foi absurda a quantidade de jogadores que saiu. Cara, trocamos de treinador duas, três vezes [após Tite ir para a Seleção Brasileira, Cristóvão Borges, Fábio Carille e Oswaldo de Oliveira passaram pelo comando do time em 2016], coisa que não é normal no Corinthians. Desde que estou aqui, tinha trabalhado com o Tite e depois com o Mano, que ficou o ano todo, e novamente com o Tite. E só. Aí, com dois ou três treinadores em um ano, a gente não conseguiu render. A verdade é que ninguém deu uma resposta. É preciso ser honesto. Se pegar a conta geral, comparando jogador com jogador, todo o mundo foi abaixo.

Gazeta Esportiva: Não ficou uma sensação estranha para você, que era um remanescente do elenco vitorioso? Afinal, foram justamente as propostas pela sua contratação que acabaram recusadas pelo Corinthians.
Cássio: Não, não. Eu estava bem tranquilo quanto a isso. Tenho um contrato longo [válido até 31 de dezembro de 2019] e sou muito feliz no Corinthians. Respeito muito o clube, porque estava em um momento bem difícil da minha carreira quando fui contratado. Pô, vocês sabem muito bem que a minha contratação em 2011 gerou uma série de críticas.

Gazeta Esportiva: Falavam muito do seu empresário, Carlos Leite, o mesmo do Mano Menezes, que já não estava mais no Corinthians.
Cássio: Na verdade, foi o Andrés [Sanchez, ex-presidente] que me trouxe para cá. Foi ele quem bancou a minha contratação. O Corinthians queria contratar um goleiro na época. Mas, em se tratando de Corinthians, poderia ter sido o Jefferson [destaque do Botafogo] ou outro atleta mais renomado. Surgiram um monte de nomes. E eu ficava pensando: “Putz, os caras me contrataram e vão trazer outro goleiro? Como é que vai ser?”. Mas fui bancado e sou grato por isso. Consegui construir uma história aqui. Então, quando é assim, você pensa duas vezes antes de agir em determinada situação.

Gazeta Esportiva: Inclusive quando recebe uma proposta para sair.
Cássio: Você precisa pesar os prós e os contras. No caso do Grêmio, é lógico que sou gaúcho e comecei lá. Pô, seria uma coisa bem positiva. Mas também me sinto bem no Corinthians e gosto muito das pessoas que trabalham aqui, do ambiente. Todos já têm um respeito muito grande por mim. Isso pesa muito. Às vezes, uma escolha errada acaba com a sua carreira. Vejo isso acontecer muito com os jogadores. É claro que, por outro lado, confio muito no meu trabalho. Se tivesse ido para o Grêmio, tenho certeza de que me sairia muito bem. Só que fiquei aqui, e não há mágoa alguma por isso. Não é aquele negócio: “Pô, se eu tivesse ido…”. Não, cara. Estou aqui e deixo de lado o que não aconteceu.

Gazeta Esportiva: Seguindo o raciocínio de valorizar a sua história no Corinthians, lembro-me de que, quando começou a se destacar, você dizia almejar repetir uma trajetória como a do Marcos no Palmeiras e a do Rogério Ceni no São Paulo. Voltou a pensar assim?
Cássio: Pretendo fazer o meu melhor no Corinthians. Tenho este e mais dois anos de contrato. Concluindo o contrato e mesmo não renovando – espero que dê para renovar sempre –, já terei um número muito bom de jogos e certamente conquistarei mais títulos. Esses caras que você citou jogaram no Palmeiras e no São Paulo, clubes grandes também, e são espelhos. Independentemente de serem rivais, as carreiras que tiveram e o que fizeram por seus clubes foi algo impressionante. Assim como aquilo que o Ronaldo Giovanelli fez no Corinthians. Pô, ele jogou mais de 600 jogos pelo Corinthians, cara! E aqui é complicado jogar, viu [risos]?

Cássio se impressiona com os números de Ronaldo, goleiro dos anos 1990, mas não pensa em alcançar o ídolo (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Cássio se impressiona com os números de Ronaldo, goleiro dos anos 1990, mas não pensa em alcançar o ídolo (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Hoje, você tem mais de 250 jogos. Dá para alcançar o Ronaldo?
Cássio: Não tenho essa meta. Não falo: “Ah, quero bater o recorde do Ronaldo”. Não, cara. O objetivo é fazer o meu melhor. Espero que, daqui a algum tempo, digam: “Nos anos 2000 e alguma coisa, o Cássio jogou e fez o seu melhor pelo Corinthians. Na época dele, o Ronaldo fez o seu melhor”. Porque, na minha opinião, o Ronaldo é o maior goleiro da história do Corinthians. Falo isso por tudo o que passou. Ele pegou uma fase em que as equipes rivais, principalmente o Palmeiras, estavam muito fortes.

Gazeta Esportiva: Você acompanhou essa fase?
Cássio: Eu era muito novo, mas as histórias são contadas e vou atrás, procuro saber. O Ronaldo foi o primeiro goleiro campeão brasileiro pelo Corinthians. É um cara que tem uma história fenomenal. Para mim, é uma referência. Até busco lances dele na internet para assistir.

Gazeta Esportiva: E você gosta de rock, assim como ele.
Cássio: É! O Ronaldo é um cara superbacana. Não tenho amizade de ir à casa dele, mas já conversamos bastante. Ele sempre me tratou muito bem. Quando comecei no Grêmio, o goleiro que estava lá era o Danrlei, que havia ganhado praticamente todos os campeonatos possíveis pelo clube. Ele estava no mesmo patamar do Rogério, do Marcos e do Ronaldo. E também era um cara fenomenal. Nas férias, tenho o prazer de me confraternizar com ele, de fazer jogos beneficentes no Sul. É legal conhecer esses goleiros e saber que, além de grandes profissionais, são grandes pessoas. É muito gratificante fazer parte desse meio.

Gazeta Esportiva: Esses goleiros continuaram vinculados aos clubes que defenderam após suas carreiras. O Marcos até é garoto-propaganda do Palmeiras, e o Rogério Ceni virou técnico do São Paulo. Você pensa em seguir esses exemplos?
Cássio: Sinceramente, se continuar assim, a chance é grande, até porque já conheço bem o clube. Só não sei se seria dirigente [risos].

Gazeta Esportiva: O Alessandro [ex-lateral direito e atual gerente de futebol do Corinthians] está sofrendo, né?
Cássio: Esse cargo é complicado. Talvez eu exerça uma função diferente. Se ficar no Corinthians, poderei trabalhar em uma área de treinamento de goleiro ou em uma de supervisão de categorias de base. Seria para tentar ajudar, sabe? De repente, auxiliaria na transição dos meninos da base para o profissional. São possibilidades bacanas.

Título da Libertadores credencia Cássio a ganhar um cargo no Corinthians ao final da carreira (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Título da Libertadores credencia Cássio a ganhar um cargo no Corinthians ao final da carreira (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Aos 29 anos, já está imaginando o que fazer quando encerrar a carreira?
Cássio: Penso muito sobre isso. Não quero acabar a carreira e pensar: “O que vou fazer agora?”. Isso acontece muito com os jogadores.

Gazeta Esportiva: Jogará até que idade?
Cássio: Vai depender muito do desenrolar das coisas. Já estou fazendo um investimento em mim mesmo ao me cuidar fora de campo, controlando a alimentação. A gente treina muito. Então, estando bem fisicamente, a tendência é ter poucas lesões e jogar mais tempo em alto nível. E, tipo, ainda não cheguei ao auge, à minha melhor fase.

Gazeta Esportiva: Mesmo com tudo o que conquistou?
Cássio: É claro que consegui títulos importantes, a Libertadores e o Mundial, mas eu ainda era um goleiro inexperiente em 2012. E, para falar a verdade, quem me levou à frente foram os caras mais experientes que tínhamos aqui. Foram eles que me ajudaram nessa transição. Antes, eu não tinha essa voz ativa de hoje, até porque aqueles caras estavam aqui. Eu estava chegando. Hoje, dou continuidade ao que o Alessandro fazia, tentando ajudar todo o mundo com a minha liderança.

Gazeta Esportiva: O seu auge será neste ano?
Cássio: É… Você vê um monte de goleiros de 34, 35 anos arrebentando. Com essa idade, o Jailson fez um grande Campeonato Brasileiro pelo Palmeiras em 2016. E, na minha opinião, não sei se estou sendo justo, o Vanderlei foi o grande cara do ano passado. O Santos é uma equipe sobre a qual não se fala muito, mas ele teve uma regularidade ótima. Agora, renovou contrato [até dezembro de 2020]. Você vê: é uma projeção o que o Santos está fazendo com ele.

Gazeta Esportiva: Mas você realmente acha que ainda poderá agarrar mais do que no Mundial de Clubes de 2012?
Cássio: É que o Mundial foi só um jogo, né? O Brasileiro de 2015, por exemplo, foi muito bom para mim. A gente fala do time de uma forma geral, é claro, mas fiz um campeonato bem regular. Essa é a diferença. Então, dá, sim, cara. Tenho que me cobrar diariamente para isso, para ser melhor, evoluir. Estou muito empolgado para voltar neste ano e arrebentar. E, com a mentalidade que tenho hoje, dá para fazer um grande ano e trabalhar para o próximo ser ainda melhor. Estou muito feliz com isso, pensando em fazer uma temporada melhor do que a outra.

O melhor jogador do Mundial de 2012 crê que possa reeditar a atuação contra o Chelsea em uma série de jogos (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)
O melhor jogador do Mundial de 2012 crê que pode reeditar a atuação contra o Chelsea em uma série de partidas (foto: Sergio Barzaghi/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você acha que arca com o ônus de ter se tornado ídolo do Corinthians muito rapidamente? Quando está em vias de sair para o Besiktas ou perde lugar no time titular, por exemplo, as notícias ganham proporções muito maiores do que quando envolvem outros jogadores.
Cássio: Com todo o respeito aos demais jogadores, isso existe, sim. A cobrança é um pouco maior comigo. Mas também tenho que entender que isso é normal. Se você analisar os jogadores vitoriosos em suas equipes, verá que eles sempre são mais cobrados.

Gazeta Esportiva: Outro herói do título mundial de 2012, o Guerrero sofreu diversos ataques quando foi para o Flamengo.
Cássio: É… Isso acontece com todos os jogadores que já têm uma história. Não posso achar que sou exceção. É algo normal. A cobrança vem maior porque as pessoas já viram que você pode oferecer mais. Tenho que saber administrar isso.

Gazeta Esportiva: Você e o Guerrero seriam homenageados no Memorial do Corinthians no Parque São Jorge. Os moldes para que os formatos das suas mãos e dos pés dele estivessem na Calçada da Fama do clube já estavam até prontos, mas a cerimônia acabou cancelada. Ainda está esperando por isso?
Cássio: Ah, ainda acontecerá. Quem sabe quando eu me aposentar? É que ficou uma situação com o Guerrero, né? Ele foi para o Flamengo, e o pessoal ficou bem chateado [risos].

Gazeta Esportiva: O que você pensa a respeito?
Cássio: É complicado. Ninguém vai tirar o nome do Guerrero da história do Corinthians. Foi ele quem fez aquele gol. Mas a gente entende o outro lado, até pela rivalidade com o Flamengo. Vejo os lados do jogador e da diretoria. Não sei como é que foi aquela negociação, se ele deu a palavra que ficaria e acabou saindo [Guerrero dizia que só defenderia um clube no futebol brasileiro, porém, com o Corinthians em crise financeira, acabou atraído por uma proposta mais vantajosa do Flamengo]. Converso com os torcedores, e um fala: “Pô, o Guerrero foi…”. Alguns ficam com raiva dele mesmo. Outros, não. Só sei que, no nosso estádio, a maioria que vai aos jogos tem raiva, sim [risos]. Os caras vaiam bastante o Guerrero.

Cássio deixou de ser homenageado no Memorial do Corinthians por causa da ida de Guerrero ao Flamengo (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Cássio deixou de ser homenageado no Memorial do Corinthians por causa da ida de Guerrero ao Flamengo (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Gazeta Esportiva: Você já foi cobrado por algum torcedor do Corinthians nas ruas?
Cássio: Não. Nunca.

Gazeta Esportiva: Nem mesmo naquela época em que estava mal, perdendo a titularidade para o Walter?
Cássio: Nunca fui abordado de uma maneira ruim. Sei que é difícil. Às vezes, no momento, o torcedor pode… Eu mesmo já agi tomado pela raiva em algumas situações. Quando você fica chateado… Mas só tenho a agradecer, porque a torcida do Corinthians sempre teve um respeito muito grande por mim. Já passei por situações boas e por algumas bem complicadas aqui. Só que, fora de campo, quando saio para jantar ou vou a qualquer outro lugar, sempre sou bem tratado. E não é só pela torcida do Corinthians, mas por todas. Sou um cara que não gosta de polêmica, que cuida do trabalho do seu clube, que não menospreza as outras equipes. Assim, sendo correto, tendo um respeito grande pelas outras torcidas, também sou respeitado por elas. Mas fico realmente grato à torcida do Corinthians, que é a minha.

Gazeta Esportiva: O seu filho já é torcedor do Corinthians?
Cássio: Ele canta o hino melhor do que eu. Às vezes, posto alguns vídeos dele na internet. Sabe tudo de Corinthians. Aconteceu até uma briga na escola. Ele ia estudar com a camisa do Corinthians todos os dias. Neste ano, passou a ser obrigado a ir com a camisa do colégio, e a mãe dele conta que é uma choradeira por causa disso. Sempre dou umas camisas do Corinthians, e ele adora.

Gazeta Esportiva: Camisas de goleiro?
Cássio: Pô, por causa do tamanho, não encontro camisa de goleiro para ele. Mas todas são com o número do pai [12] e o nome dele [Felipe] nas costas. Ele fala muito do Corinthians.

#meugatao ???? #vaicorinthians #todopoderoso

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Gazeta Esportiva: Será jogador?
Cássio: Se puxar o pai, vai dar para jogar um pouquinho. Falam que o avô dele era muito bom jogador, os tios… Todo o mundo era envolvido com futebol. Mas não é uma coisa por que vou brigar. O que vou cobrar são os estudos, ter uma profissão. Mas, se quiser seguir no futebol ou em outro esporte, não faltará apoio. A minha família e a família da mãe dele vão fazer tudo para que ele concretize o que achar melhor para a vida dele.

Gazeta Esportiva: Como é o Ralf como padrinho?
Cássio: O Ralf é um bom padrinho para o meu filho. Mesmo na China [o volante que foi companheiro de Cássio no Corinthians atualmente defende o Beijing Guoan], está sempre perguntando, querendo saber se precisamos de alguma coisa. Ele conversa comigo e com a mãe do Felipe. Sou até suspeito para falar do Ralf, porque, no futebol, uma das coisas que guardamos é a amizade. Ele é um cara por quem tenho um respeito muito grande. Foi quem escolhi como padrinho do meu filho, uma pessoa sensacional, do bem. Nós conversamos nas férias, e fico feliz que ele esteja satisfeito na China. Acertei no padrinho.

Gazeta Esportiva: Quando o seu filho nasceu, você dizia que tinha uma preocupação ainda maior de ser presente na vida dele por ter sido criado sem o seu pai. Como é morar longe do menino [enquanto Cássio está em São Paulo, Felipe fica com a mãe, em Veranópolis]?
Cássio: Tento estar presente quando posso. Houve um tempo em que consegui passar as férias com ele. Outro, não. Existe o calendário do futebol, a escola dele. Para chegar a Veranópolis, tenho que ir a Porto Alegre e ainda pegar o carro. É difícil. Agora, até acabar o Campeonato Paulista, é mais complicado ainda por causa da sequência de jogos de quarta e domingo, quarta e domingo. Quando a gente joga no sábado, costuma ser às 21 horas. Aí, tenho folga no domingo, mas já preciso estar no CT na segunda de manhã para treinar. Fica quase inviável ir para lá. Só que estou sempre conversando com a mãe dele, vendo pela webcam, interagindo. Neste ano, por estar maiorzinho, ele virá mais a São Paulo, principalmente nas férias, e passará um tempo maior comigo. A tendência é esse tempo aumentar com o passar dos anos. É claro que eu gostaria de estar perto todos os dias, mas, infelizmente, ele mora lá. Mesmo longe, amor e carinho nunca faltarão.

Padrinho do filho de Cássio, o volante Ralf está na China, mas não deixa de se preocupar com o menino (foto: divulgação)
Padrinho do filho de Cássio, o volante Ralf está na China, mas não deixa de se preocupar com o menino (foto: acervo pessoal)

Gazeta Esportiva: Falando sobre a sua história de vida, apareceu um senhor que afirmava ser o seu pai biológico há alguns anos. Ele até chegou a dar algumas entrevistas. Você teve curiosidade de encontrá-lo?
Cássio: Na verdade, eu conheci o meu pai biológico. A minha mãe confirmou que era o meu pai.

Gazeta Esportiva: E era aquele senhor?
Cássio: Apareceu aquele na mídia, mas não era ele [risos]. Falou que era goleiro e tal, né? É uma situação chata, porque você não conhece o seu pai, então não sabe se é ele mesmo ou não.

Gazeta Esportiva: Como foi conversar com o seu verdadeiro pai?
Cássio: Foi legal. Enfim, conheci o meu pai. Só que a gente não tem contato hoje, sabe? Partiu de… Respeito, é o meu pai e tudo, mas ficou essa lacuna aberta. É uma coisa que me atrapalha. Só que foi bom ter conhecido e tal, tal.

Gazeta Esportiva: Serviu para dar um fim a uma situação que te incomodava desde a infância?
Cássio: Exatamente. Foi uma coisa que se resolveu para mim agora. Não era legal até pela parte da minha mãe, que ficou nessa situação toda. Mas conheci o meu pai, tudo bem, vida que segue. Até porque, nessa questão de família, sempre fui muito bem assessorado, estruturado. Tive muito amor das minhas tias, do meu tio, que foi como um pai para mim, do meu falecido avô, de todo o mundo que estava ao meu redor. Foi bom ter conhecido o meu pai, mas eu tenho a minha vida e ele, a dele. Respeito, mas a gente não mantém contato de ficar se falando, de sair.

Gazeta Esportiva: Quando esse encontro aconteceu? Como foi viabilizado?
Cássio: Foi em 2015. Ele morava em São Paulo. A gente sentou e conversou. O Luciano [Signorini], o meu assessor de imprensa, intermediou tudo. Foi bem tranquilo. Estávamos eu, o meu pai e o Luciano. Eu o encontrei, e nós conversamos. Ainda falei algumas vezes com ele por telefone, mas a gente acabou não mantendo contato. Antes disso, ficamos distantes muito tempo. Não guardo nenhuma raiva ou rancor dele por isso. Ele tem a explicação dele para o que aconteceu, mas tudo bem. Cada um segue a sua vida. A gente está feliz assim.

Em um encontro intermediado por seu assessor de imprensa, Cássio enfim conheceu o pai biológico (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)
Em um encontro intermediado por seu assessor de imprensa, Cássio enfim conheceu o pai biológico (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)