A voz do título - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
05/05/2017 07:43:20
 

Um grito de “é campeão” soará muito mais alto do que os demais caso o Corinthians confirme a conquista do Campeonato Paulista no jogo decisivo contra a Ponte Preta, no domingo. Locutora de Itaquera desde novembro de 2014, Chris Lima está ansiosa para apresentar ao público a primeira comemoração de título do estádio onde o clube disputará a sua centésima partida.

“Ainda estou pensando em como será, no que vou falar. Não decidi. Olha, acho que vai ser… Não sei. Vai depender do momento”, sorriu Chris, mostrando ser bastante zelosa com o trabalho que envolve o clube do coração. A locutora visitou a redação da Gazeta Esportiva devidamente trajada com uma camisa corintiana – listrada em cinza e branco, a mesma que pretende vestir no domingo – e ficou reticente ao posar para fotografias nos estúdios da Rádio Gazeta. “Esse microfone tem um detalhe verde”, observou, apontando para a cor proibida, que remete ao rival Palmeiras.

Chris já se comportava assim muito antes de trabalhar em Itaquera. Criada em uma família de corintianos, ela se encantou pelo clube na conquista do Campeonato Brasileiro de 1990, virou fã de Marcelinho Carioca poucos anos depois e passou a ser frequentadora assídua do Pacaembu a partir da década de 2000. “É claro que eu ouvia o Luciano Sorriso, a voz marcante do Pacaembu, há anos-luz ali. ‘O seu, o meu, o nosso… Paaa-ca-em-bu!’”, divertiu-se, citando o famoso bordão do colega de profissão. “Ele tem o jeitão dele, antigão. Cada um tem a sua marca, o seu momento.”

O momento de Chris Lima se deu quando o Corinthians aposentou o Pacaembu e passou a jogar em Itaquera, na arena que recebeu a abertura da Copa do Mundo de 2014 e, dois anos depois, dez partidas dos torneios de futebol das Olimpíadas. Até então se dividindo como apresentadora e repórter da Rádio Coringão e cantora de soul, samba-rock, MPB e “funk real”, como diz, ela foi convidada a fazer um teste para se tornar a locutora de Itaquera. Era a única mulher entre os 16 candidatos à vaga.

“Foi um teste tranquilo, mas fiz sem qualquer expectativa. Sabia que seria difícil”, recordou Chris, guardando na memória também o telefonema que recebeu três meses depois. “Pediram para eu ir ao Parque São Jorge, para conversar pessoalmente, e confirmaram que eu havia sido escolhida. Aquilo foi… Nossa! Fiquei radiante. A primeira pessoa para quem contei foi a minha mãe. E, na semana seguinte, já estava fazendo a locução de um jogo contra o Coritiba (o 15º do Corinthians no estádio). Fiz todos desde então”, contou, orgulhosa.

Troféu do Brasileiro de 2015 foi levantado em Itaquera, mas título já havia sido conquistado em São Januário (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Naquela primeira atuação em Itaquera, Chris não tinha toda a desenvoltura com que hoje fala sobre o seu trabalho na arena. Ela saiu cedo de Osasco, cidade onde mora, para se posicionar na sua cabine, situada bem acima da arquibancada leste superior do estádio. Nervosa, estudou bastante as formações de Corinthians e Coritiba e recebeu a instrução de usar um tom de voz protocolar ao ler os nomes dos jogadores adversários. O primeiro grito ao microfone, ao contrário, foi empolgado: “Salve, nação corintiana!”.

Com o passar do tempo, Chris soltou ainda mais a voz. Passou a se sentir segura para criar e testar os seus próprios bordões. “E lá vem o Todo-Poderoso Timão!”, ela anuncia, antes de informar a escalação da equipe da casa. “Aqui é Corinthians!”, avisa, para encobrir as manifestações do público visitante. “Vai, Corinthians!”, brada, para concluir quase todas as suas intervenções. “Tudo isso foi acontecendo de maneira gradativa. Eu falava alguma coisa e analisava como a torcida reagia, porque o termômetro é imediato. Agora, está fluindo naturalmente. Tenho liberdade para inventar algumas coisas em meio ao roteiro que preparamos”, comentou a locutora, que conta com o auxílio de uma equipe nas transmissões dos jogos.

Após três anos, Chris já é identificada como a dona da voz de Itaquera. A locutora aumentou consideravelmente o seu número de seguidores em redes sociais e chega a ser tietada no estádio, posando para fotografias com o público. Dos seus amigos, acostumou-se a receber pedidos de ingressos. “Eles também querem que eu fale os nomes deles nos jogos. É engraçado. Quando conto o que faço para quem não me conhece, muita gente não acredita ou fica espantada, curiosa. Querem saber exatamente as coisas que você está me perguntando”, divertiu-se.

A locutora vira alvo da revolta de torcedores quando uma substituição desagrada (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Nem sempre, porém, a interação com torcedores do Corinthians é amistosa. Aqueles que se sentam próximos da cabine de transmissão, vez ou outra, descontam em Chris a insatisfação com determinada substituição na equipe. “Eles viram para reclamar comigo. Como se eu fosse a culpada!”, gargalhou a locutora, que desperta indignação em outros quando precisa dar uma bronca pública em quem acende sinalizadores nas arquibancadas. “A gente tem um texto pronto caso isso venha a acontecer. É para evitar perda de mandos de jogos. Mas eu gosto, sim, do futebol antigo, dos bandeirões, dos fogos de artifício. Infelizmente, essa festa se perdeu. Como a lei está aí e o clube tem que cumprir, a gente faz a nossa parte”, justificou-se.

Chris também já constrangeu, sem querer, um torcedor. No intervalo de um jogo do Corinthians, a locutora emprestou a sua voz para a narração de um desafio que o clube promovia com algumas pessoas no gramado. “E acabei fazendo confusão com o nome de uma delas. Era um nome meio feminino, tipo unissex. Então, falei: ‘Lá vem mais uma batedora!’. Quando vi que era um homem, corrigi, sem graça: ‘Nossa, perdão, moço. É um batedor! Chuta aí!’. Eu já tinha errado alguns nomes difíceis, principalmente em Libertadores, mas esse foi o caso mais engraçado”, relatou, aos risos.

Chis valoriza bastante o fato de ser uma locutora, e não um locutor, algo raro no futebol. Ela diz ser a única mulher que exerce a profissão no Estado. “No estádio do Avaí, quem faz a locução também é uma mulher. Ela até me adicionou no Facebook. Isso é bacana. Mesmo falando com intensidade, temos uma coisa mais doce na voz. Hoje, as mulheres estão entrando nos estádios de todos os jeitos – torcendo, jogando, trabalhando como jornalistas, locutoras… É uma marca. Com certeza, estamos abrindo novos caminhos”, apontou.

Representante feminina, Chris quis ter brilho próprio como locutora; hoje, ela é até tietada por torcedores (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

No fim de semana, haverá uma novidade no caminho de Chris Lima. A locutora até já teve a oportunidade de comemorar um título em Itaquera – o do Campeonato Brasileiro de 2015, com direito à goleada por 6 a 1 sobre o São Paulo –, porém aquela conquista havia sido assegurada na rodada anterior, em São Januário. Contra a Ponte Preta, ela quer findar o que chamou de “nhaca”, referindo-se a algumas eliminações marcantes do Corinthians no estádio onde trabalha, e enfim apresentar o seu grito de “é campeão”. Mas só após aquecer a garganta durante a decisão. “Quero gritar gol também. Vai ser 3 a 0 de novo. Um do Jadson e dois do Jô”, previu a voz do título paulista de 2017.