Gazeta Esportiva

Rueda resiste a tentações e rebate críticas: “Não sou político. Vim para salvar o Santos”

Santos

(Foto: Ivan Storti)

Andres Rueda foi almoçar com um dos maiores empresários de futebol do mundo. Logo no início do encontro, avisou que pagaria a conta. A reunião terminou, o garçom chegou com a conta e o presidente do Santos tirou o cartão do bolso. “Quer a nota, senhor?”. “Não”, foi a resposta.

Esse agente conhecido no mundo inteiro perguntou: “Você não vai pegar a notinha?”. Rueda respondeu: “Pra que a notinha, p…? Eu paguei. Não o Santos”.

Essa atitude pode parecer normal, mas é novidade no futebol. E foi um dos motivos para o empresário perceber que com Andres Rueda a conversa seria diferente.

“As informações correm. Mudamos a credibilidade do Santos. O mercado já vê diferente. E ainda bem que agora acreditam nos acordos. Não sou político de carreira. Vim para salvar o Santos. Se querem bater ok, entra por um ouvido e sai pelo outro. Meu objetivo é resolver”, disse Rueda, em entrevista à Gazeta Esportiva.

Sem experiência na política e com pouca vivência no futebol, Rueda encontra dificuldade no que chama de “moralizar” o clube. Na visão do presidente, “futebol é feito para a corrupção”.

O presidente santista se nega a pagar comissão e luvas para reforços e renovações. Como resposta, encontra ainda mais dificuldade nas negociações. Com pouco dinheiro em caixa e resistência dos empresários, o mandatário evita as tentações.

“Falam que o futebol está largado. Isso nunca existiu… Como a bola não está entrando, veem tudo como errado. E a vida não é 8 ou 80. Torcida é paixão, quer resultado, é normal. Não é justificativa, mas narro o que aconteceu: tínhamos o transfer ban, reforçamos com jogadores por empréstimo quando acabou. E cabia à direção trabalhar com a razão. Quando a direção se vê pressionada, a tentação aparece para fazer algo que não deve. E é muito fácil contratar jogador. Qual o salário? Um milhão? Está fechado. Põe para jogar e depois não paga. Demora três meses para pagar um… É só ver o problema do São Paulo (Daniel Alves). Esses erros levam os clubes a situações irreversíveis. Dívidas foram feitas há muito tempo. Chega uma hora que o crédito acaba, é como pirâmide. E aí vem multa, processo, transfer ban, conta bloqueada. Eu não podia ser mais um”, explicou.

Andres Rueda, presidente do Santos até dezembro de 2023 (Foto: Pedro Azevedo)

Nos primeiros meses de gestão, Andres Rueda era sinônimo de boas decisões para a torcida. Com os maus resultados, os elogios viraram críticas. E o avanço administrativo ficou em segundo plano diante do retrocesso em campo.

Depois do vice-campeonato da Libertadores da América para o Palmeiras e da saída do técnico Cuca, o Santos trouxe Ariel Holan, Fernando Diniz e agora Fábio Carille. Quase foi rebaixado no Campeonato Paulista, acabou eliminado da Libertadores da América, Sul-Americana e Copa do Brasil e luta contra a inédita queda para a Série B.

Mesmo com essa pressão, Rueda manteve o planejamento e não trouxe reforços nos últimos dias do prazo de inscrição no Brasileirão. O elenco ficará até o fim do ano com as 10 contratações do decorrer da temporada: o goleiro Jandrei, o lateral-esquerdo Moraes, os zagueiros Emiliano Velázquez e Danilo Boza, os meio-campistas Camacho, Vinicius Zanocelo e Augusto e os atacantes Diego Tardelli, Léo Baptistão e Marcos Guilherme.

Criticado por parte do torcedor, Andres Rueda segue firme com as suas convicções (e planilhas).

“Na primeira conversa com os jogadores, já falei que não faria promessas que não poderia cumprir. E quando não puder, direi que não. E procuro fazer isso à risca em relação a tudo. Em um dia que eu não fizer isso, acabou. Tenho preocupação sagrada com a parte orçamentária. Podem tirar sarro sobre o presidente de planilha, mas para mim imposto e salário é lei, obrigatório. Não tem história nem verso. Gosto de ter tudo organizado. Cheguei e não tínhamos controle de nada, fiz um inventário do zero e sabemos até quando a cadeira muda de lugar. Isso é organização, assim como não poder contratar quem vai tirar o balanço do fluxo de caixa e impossibilitar o pagamento da folha. Não prejudico só quem vem, mas todo o grupo. E aí desmonta. Infelizmente, no momento, e é momentâneo mesmo, não podemos investir e escolher quem eu quero trazer, sabendo que posso pagar. Mas é um sacrifício necessário. Não posso repetir Cueva e Bryan Ruiz da vida. Não é que não valiam aquilo, mas no momento não podíamos”, analisou.

“Qualquer jogador sul-americano mais ou menos pedem 2 ou 3 milhões de euros, mais luvas… Ótimo, mas não cabe no nosso bolso. Faço de tudo para que no melhor prazo possível possamos ter essa condição. É como pessoa física. Não adianta estar com dinheiro justo para passar o mês e comprar um terno italiano. Vai na lojinha mais baratinha e compra um de mil, pô”, emendou.

Andres Rueda foi o segundo colocado em 2017 e acabou eleito em 2020 (Foto: Divulgação)

Andres Rueda foi candidato à presidência do Santos em 2017 e ficou em segundo lugar, atrás de José Carlos Peres. No fim de 2020, tentou novamente, mesmo ciente da situação do clube ainda pior.

A crise financeira do Peixe era nítida, mas ao sentar na cadeira o presidente foi surpreendido algumas vezes, como quando soube nos primeiros dias de gestão da dívida de R$ 60 milhões por apropriação indevida de impostos em salários de funcionários não repassados ao governo.

“Eu sabia dos problemas e nosso grupo se preparou para eles, mas algumas coisas só se sabem lá dentro. Apropriação indébita é crime. Eu precisei ficar de joelhos em Brasília para renovarmos o Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro)”, lembrou.

Aos 65 anos, Rueda não mostra arrependimento, mas mantém o discurso de não ser candidato à reeleição em dezembro de 2023. O presidente dá expediente no clube e vê uma rotina bem diferente em relação ao passado recente.

Formado em matemática e empresário do ramo da tecnologia de informação, Andres Rueda vendeu a sua empresa, a Uranet, em 2019, por R$ 250 milhões. O grupo espanhol Konecta, ligado ao Santander, foi o comprador.

O Santos fez Rueda trocar a aposentadoria milionária pela gestão de um clube quase falido.

“Eu moro com a minha esposa, cachorro e papagaio. Meu filho mora na Austrália. No começo, ainda na campanha, ela reclamou, claro. A vida era tranquila… Mas agora entende e dá força. Na minha empresa eu chegava às 10h e ia embora às 16h. Assistia Netflix até madrugada, acordava 10h ou 11h todo dia… Se não fosse a pandemia, viajaríamos muito, até porque  temos casa na Espanha e filho na Austrália para visitar. Mas ela foi ponta firme, comprou a ideia e me dá muito apoio. É compreensiva, não posso reclamar. O Santos é de segunda a segunda e ela já sabe. 18 horas por dia. Não tem sábado, domingo ou feriado. Chego 8h30 na Vila Belmiro e vou embora às 19h ou 20h”, desabafou.

“Não é fácil, mas é bom sentir que estou fazendo o Santos melhorar”, concluiu o presidente.

Rueda é empresário do ramo de tecnologia (Foto: Arquivo Pessoal)
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