Pagar as contas ou ser campeão? Torcida do Corinthians já ignorou jejuns e fez festas improváveis - Gazeta Esportiva
Pagar as contas ou ser campeão? Torcida do Corinthians já ignorou jejuns e fez festas improváveis

Pagar as contas ou ser campeão? Torcida do Corinthians já ignorou jejuns e fez festas improváveis

Gazeta Esportiva

Por Tiago Salazar

22/06/2020 às 05:00

São Paulo, SP

A Gaviões da Fiel cobrou uma equalização das contas do Corinthians e se posicionou, na última sexta-feira, a favor do pagamento das dívidas do clube, mesmo que isso represente um jejum de títulos nos próximos anos devido a elencos mais enfraquecidos.

O assunto sempre gera polêmica, seja entre torcedores, dirigentes ou jornalistas, e está longe de um consenso. Há até mesmo dúvida sobre a principal torcida organizada corintiana manter a postura de apoio, caso tal medida seja adotada pelos gestores do clube.

A Gazeta Esportiva, então, lembra alguns fatos históricos que remetem ao conflito de ideais que atinge o Corinthians neste momento de crise financeira e ano eleitoral.



Fé inabalável


Em 110 anos, O Corinthians já teve diversos times que fracassaram na busca por títulos e, mesmo assim, foram abraçados pela Fiel, em reconhecimento ao empenho, raça e força de vontade dos elencos, principalmente quando a fragilidade destes esquadrões também era perceptível entre os mais fanáticos.

Em 1961, chamado de “faz-me rir” pelos rivais, o Corinthians viu sua torcida criar uma música para combater as provocações: “No momento difícil, presente / A torcida responde por ti / Demonstrando a toda essa gente que tu tens um nome, do qual não se ri”.

Em 1968, de novo nada de caneco, mas a vitória sobre o Santos de Pelé, graças a gol de Paulo Borges, que findou um jejum de 11 anos diante do rival em Paulistas, lavou a alma de muitos corintianos na época.

Outro ano que ficou marcado pela união entre time e torcida, independente da ausência de taça, aconteceu em 1971. Um Corinthians enfraquecido, há 17 anos na fila, venceu o Palmeiras da Academia com o Morumbi lotado. Entre viradas e reviravoltas, o placar de 4 a 3 até hoje é lembrado como um dos maiores Derbys de todos os tempos.

O Corinthians era inferior ao Fluminense em 1976, vivia jejum de 22 anos e estava fora de casa. Nada que tirasse a confiança da Fiel Foto: Acervo/Gazeta Press


O vice no Campeonato Brasileiro de 1976 acabou ofuscado por um embate com o Fluminense na semifinal. A Fiel invadiu o Maracanã como nunca se viu nem antes nem depois. Já eram 22 anos de jejum. Nada que gerasse revolta naquele momento, pois a superação daqueles atletas era motivo de orgulho.

Mesmo depois do emblemático título Paulista de 1977, o Corinthians voltou a passar por anos de seca sem perder a harmonia com sua torcida. Foi assim em 1987, quando a equipe saiu do penúltimo lugar para ser vice-campeã do Paulistão, e também em 1993 (Paulista) e 1994 (Brasileiro), quando nem mesmo as quedas para o arquirrival Palmeiras, dono elencos muito melhores naquelas temporadas, foi suficiente para jogar a Fiel contra seus jogadores.

Acreditar, sempre


E quem disse que problemas financeiros e times mais modestos podem impedir campanhas vitoriosas? O fato do Corinthians precisar gastar menos com o time de futebol para acertar suas contas não deve ser considerado sinônimo de jejum de títulos. Afinal, o que não falta é exemplo dentro da própria história do clube.

Em 1957, o Corinthians ficou com a Taça Gazeta Esportiva, a famosa Taça dos Invictos, depois de um jogo memorável contra o Santos de Pelé, no Pacaembu. O Timão chegou completamente desfalcado para o clássico, com o centroavante Paulo na lateral direita, para se ter uma ideia. O Peixe vencia por 3 a 2 e confirmava seu favoritismo até que, no último lance, o empate surgiu justamente por meio de Paulo.

Em 1977, o Corinthians também nunca figurou entre os favoritos, principalmente diante da Ponte Preta, que tinha um grupo temido por todos na época. No fim, porém, o título foi para o Parque São Jorge.

Em 1990, o primeiro Brasileiro veio com um time de 'operários', que passaram por cima do São Paulo na raça (Foto: Gazeta Press)


Pode-se dizer que o mesmo aconteceu em 1990, quando o São Paulo parecia sobrar tecnicamente contra um apenas disciplinado e aguerrido Corinthians. Quis o destino que aquele fosse o primeiro Brasileirão alvinegro.

Na memorável decisão do Paulistão de 1995, o Palmeiras tinha Roberto Carlos, Flavio Conceição, Edilson, Rvaldo, Muller e companhia. No entanto, o talento de Marcelinho Carioca, aliado a muita doação em campo e à força das arquibancadas, bastou para levar o Corinthians ao título.

Até mesmo o Corinthians de 2017, comando por Fábio Carille, apesar da campanha irretocável no primeiro turno, jamais fora visto como favorito na véspera daquele Brasileirão.

E olha que no ano seguinte, apesar de todos os problemas, com um elenco que chegou a lutar contra a zona de rebaixamento no Brasileiro, o Corinthians esteve muito perto de levar a Copa do Brasil, com direito a despachar o Flamengo nas semifinais. O time basicamente se segurava fora de casa e apostava na força da Fiel em Itaquera. Não foi suficiente, mas até hoje não se sabe o que poderia ter acontecido se o gol de Pedrinho não fosse anulado de maneira tão polêmica.

Páginas da história


No livro "20 Jogos Eternos do Corinthians", escrito pelo jornalista Celso Unzelte, há inclusive um fato que chama atenção nessa relação entre time e torcida. O autor da obra chegou à lista após o resultado de uma eleição que contou com votos de nove jornalistas historiadores – a exceção foi o publicitário Washington Olivetto.

O livro de Celso Unzelte (Arte: Divulgação/SCCP)


“Tem jogo de turno, jogo que não valia muita coisa. O corintiano, muitas vezes, dá mais valor para alguns momentos do que para jogos de título, como é o pensamento comum”, comentou Celso Unzelte, à Gazeta Esportiva.
“E realmente tem de se entender que time mais fraco não significa jejum. Em 90 e 77, ganhou com times inferiores. Em 2018, iria ganhar do Cruzeiro. Até o time do Carille, quem diria que seria campeão? Aquele time surgiu em um Corinthians e Palmeiras, em Itaquera, pela primeira fase do paulista, quando a equipe ia mal das pernas. Meu filho chegou a me pedir as mãos para torcer e eu: ‘criança acredita em cada uma’. De repente, sai o gol do Jô e foi aquela gritaria”.

Orgulho assumido


A característica peculiar da Fiel, que aliás carrega tal alcunha não à toa e tem registrado seu maior crescimento justamente no período de maior seca do clube, já foi abordada até mesmo pelo departamento de marketing do Corinthians.

No fim de 2010, após a frustração de terminar o ano de seu centenário sem título, o Corinthians lançou a campanha que tinha o seguinte mote: “Muitos vivem de títulos. Nós vivemos de Corinthians”.

Pouco depois, em outubro de 2011, ao lançar seus novos uniformes, o Corinthians decidiu tirar de vez as estrelas que eram expostas acima do brasão e que remetiam à conquistas de Brasileiros e do primeiro Mundial para reforçar a ideia de que taças sempre estarão em segundo plano (veja vídeo abaixo).


Reflexão


Após o golpe mais duro, o corintiano entoou "Eu nunca vou te abandonar" a cada jogo da equipe na Série B do Campeonato Brasileiro. Em eliminações recentes, aplausos reconheceram o esforço despejado no gramado, onde a vitória nunca é certa. A paixão, por diversas vezes, cega e esbarra na irracionalidade, o que já levou a acontecimentos lamentáveis por parte de torcedores alvinegros, principalmente quando percalços têm de ser absorvidos por uma geração mal (ou bem) acostumada com títulos. Mas, se "na vitória ou na derrota o grito é forte", enquanto o clube põe a casa em ordem, aos jogadores talvez baste a dedicação e simplesmente "honrar a tradição".

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