GARRINCHA - Gazeta Esportiva

Garrincha, o mais célebre ponta-direita da história do futebol

Garrincha foi a maior figura do jogo, a maior figura da Copa do Mundo e, vamos admitir a verdade última e exasperada: a maior figura do futebol brasileiro desde Pedro Álvares Cabral. A frase anterior foi dita pelo escritor Nelson Rodrigues após a vitória da Seleção nacional sobre o Chile nas semifinais da Copa do Mundo de 1962.

Considerado por muitos como o maior driblador da história, Garrincha construiu uma trajetória brilhante em sua passagem pela Seleção Brasileira, conquistando dois títulos mundiais e sendo derrotado apenas uma vez com a amarelinha, em 61 jogos disputados.

Vencendo obstáculos

 

Nascido em Pau Grande, no Rio de Janeiro, com o nome de batismo de Manuel Francisco dos Santos, Garrincha teria sido apelidado pela irmã, baseada em um pássaro comum na região. Muito tempo antes de tornar-se a Alegria do Povo e protagonista na conquista brasileira no Mundial de 1962, ele enfrentou seu primeiro obstáculo logo ao nascer. Sua perna esquerda era seis centímetros mais curta do que a direita.

Mesmo assim, destacou-se logo cedo nos gramados varzeanos da cidade natal. De origem humilde e com 15 irmãos, a futura estrela da Seleção Brasileira começou sua carreira aos 14 anos, dividindo o expediente na América Fabril, fábrica têxtil, com as partidas no campo do Esporte Clube Pau Grande.

Depois de uma passagem curta pelo Serrano, Garrincha acabou incentivado pelo tio – Mané Caieira – a prosseguir carreira no Rio de Janeiro, capital do estado e sede dos quatro grandes clubes – Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Apesar do talento, o início de aventura na Cidade Maravilhosa foi frustrante. Aos 17 anos, o garoto das pernas tortas tentou treinar no Gigante da Colina, mas acabou rejeitado ao aparecer sem chuteiras para entrar em campo. Já no Tricolor, a futura Alegria do Povo apenas esperou por um teste, que não veio.

Recusado pelos grandes

 

Recusado por dois gigantes do Rio de Janeiro, Manuel praticamente desistira de ‘ganhar dinheiro’ com o futebol. No entanto, uma pelada em Pau Grande, apitada pelo antigo lateral direito do Botafogo Araty, mudou a vida do humilde garoto. Encantado pela atuação do menino das pernas tortas, o jogador ofereceu um teste no clube de General Severiano. Descrente do futuro promissor, Garrincha não procurou o Alvinegro, que tomou a iniciativa e viajou à pequena cidade para contratar um dos maiores nomes da sua história.

Aprovado, o candidato a talento brasileiro encontrou outra dificuldade ao chegar ao Botafogo. Por ter 19 anos completos, Garrincha acabou promovido ao profissional, à época sob comando de Gentil Cardoso. No dia 10 de junho de 1953, o jovem atleta simplesmente seria marcado pelo ídolo dos alvinegros Nilton Santos. Ousado e veloz, ele mostrou o talento e confirmou sua contratação pelo Botafogo depois de impressionar o conhecido jogador. A própria ‘Enciclopédia do futebol’ teria pedido a contratação:

“Melhor jogar com ele do que contra ele”, Nilton Santos após teste de Garrincha

Mas, enquanto Nilton Santos sofreu com a habilidade do garoto nos treinamentos, Flamengo, Vasco e Fluminense tornaram-se vítimas do ponta-direita nos jogos. No Alvinegro, foram 612 partidas e 243 gols, em uma passagem que durou 13 anos, rendendo três títulos cariocas, em 1957, 1961 e 1962, e duas Taças Rio-São Paulo, em 1962 e 1964.

Seleção Brasileira

O talento da Estrela Solitária logo chamou a atenção da Seleção Brasileira. Sua estreia com a amarelinha ocorreu no dia 18 de setembro de 1955, em um empate contra o Chile. O primeiro gol veio três anos depois, em um amistoso contra o Corinthians, vencido por 5 a 0 pelo selecionado nacional.

Baile no Chile

Festeiro e com uma vida agitada fora dos gramados, o maior baile de Garrincha ocorreu no ano de 1962. Campeão mundial em 1958, o Anjo das Pernas Tortas protagonizou a segunda conquista mundial do País. Favorito à taça, o Brasil sofreu a perda de Pelé logo no empate por 0 a 0 com a Tchecoslováquia.

Em substituição ao Rei, Garrincha assumiu a responsabilidade e liderou uma equipe cheia de estrelas no Chile. Sem marcar durante a fase de grupos – o Brasil terminou a primeira etapa com vitória por 2 a 1 sobre a Espanha -, Mané, apelido adquirido em homenagem a seu tio, assombrou o país sul-americano a partir do mata-mata. Nas quartas de finais, contra a temida Inglaterra, nação que criara o futebol, o ponta-direita assinalou dois gols e comandou o triunfo por 3 a 1 (Vavá fechou o marcador).

Nas semifinais, outro adversário temido: os donos da casa. Contudo, a ousadia e a ‘malandragem’ de Garrincha fizeram outra vítima.

O Extraterrestre

Em uma das maiores atuações da sua carreira, o jogador anotou mais dois gols e tornou-se a principal estrela brasileira na classificação à decisão, embora tenha sido expulso. Vitória por 4 a 2 sobre os mandantes (Vavá anotou os outros dois). Incrédulo, um jornal local estampou na sua manchete do dia seguinte à eliminação: “De que planeta veio Garrincha?”

Tratado como extraterrestre pelos chilenos, Garrincha terminou sua invasão no dia 17 de junho de 1962. Mesmo apresentando um estado febril de 39ºC, o camisa 7 aproveitou de uma manobra da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), que conseguiu a liberação do atleta, para driblar, atazanar e decidir para o Brasil. Apesar de não marcar na decisão, o Anjo da Pernas Tortas entortou os zagueiros da Tchecoslováquia e teve participação fundamental no triunfo de 3 a 1 (gols de Amarildo, Zito e Vavá). Festa do mais festeiro dos atletas brasileiros, no Chile.

Em 1966, quando já atuava pelo Corinthians, participou de sua terceira Copa do Mundo, na Inglaterra, onde conheceu, em sua última partida com a camisa da Seleção, sua única derrota pela equipe canarinho, por 3 a 1 para a Hungria. A equipe brasileira não passaria da primeira fase na ocasião.

A passagem pelo Timão lhe rendeu mais uma Taça Rio-São Paulo, mas Garrincha já não era o mesmo. Jogou também por Portuguesa-RJ, Atlético Júnior (COL), Flamengo e Olaria, sem sucesso em nenhum dos clubes.

Anjo Indomável

Alegria do Povo, Garrincha também teve vida agitada fora dos campos. O primeiro casamento ocorreu com Nair, namorada de infância, com quem teve oito filhos. No entanto, o inesquecível amor do atleta aconteceu com a cantora Elza Soares.

Famosa no Rio de Janeiro, a intérprete encantou o camisa 7 do Botafogo. A paixão rendeu um filho ao casal, Manuel Garrincha dos Santos Júnior, que acabou morto aos nove anos, depois de um acidente de carro. O bicampeão mundial também teve como herdeiro Neném, fruto de um relacionamento com Iraci, última esposa antes de conhecer Elza e falecido em 1992, também vitimado por uma batida automobilística.

A virilidade do Anjo das Pernas Tortas não parou por aí. Em uma excursão com o Botafogo no ano de 1959, após um relacionamento com uma sueca, teve mais um filho, seu 14º reconhecido. Ulf Lindberg Henrik não conheceu o pai pessoalmente, devido ao trágico problema do jogador: a dependência alcoólica.

Enquanto superava os zagueiros com facilidade, Garrincha teve sua carreira e, a vida, encurtada pelos efeitos da bebida. Em 20 de janeiro de 1983, vítima de uma infecção generalizada, o Anjo Indomável transformou-se na maior Estrela Solitária dos céus.

* Narração: Marcos Antomil. Edição de áudio: Bruna Matos