Gazeta Esportiva

Promotor da Máfia do Apito aprova “desconfiança” com árbitros no Brasil

José Reinaldo Guimarães Carneiro, promotor no caso da ‘Máfia do Apito’, que completa uma década de sua descoberta nesta quarta-feira e é caracterizado como o maior escândalo direcionado para a arbitragem no futebol nacional, acredita que a estratégia para coibir novas fraudes no esporte passa por uma maior vigilância dos clubes e também dos torcedores. Segundo ele, é legítimo que questionamentos sejam feitos para que uma nova “tragédia” não aconteça.

Em bate-papo com a Gazeta Esportiva, José Reinaldo reconheceu que a Máfia do Apito tangenciou cerca de 30% do problema. Entretanto, o promotor admitiu que práticas irregulares ainda vigoram no futebol por conta da estrutura de dependência entre clubes e torcidas organizadas, além de outras mazelas que ligam indivíduos às instituições e perpetuam um esquema de ‘troca de favores’ no futebol nacional.

“É legítimo que discutam coisas que pareçam estranhas na arbitragem, que os clubes questionem determinado comportamento. É a vigilância que o esporte precisa para que não caiamos novamente em uma tragédia como aquela. Eu vejo a torcida brasileira muito mais desconfiada nos estádios graças à Máfia do Apito e isso é bom. A fiscalização que vem das torcidas é o que tenta impor determinados limites para que a corrupção não tome conta do futebol de novo”, declarou, defendendo que, atualmente, existem mecanismos eficazes para combater as irregularidades.

Acreditando que a concepção de gestão precisa ser alterada para o futebol brasileiro alavancar, o Promotor de Justiça afirma não duvidar de nada e aposta que as ferramentas legais são mais eficazes atualmente em comparação há dez anos atrás. Foi depois da Máfia do Apito, que eclodiu em 2005 e resultou em prisões (como do árbitro Edílson Pereira de Carvalho, personagem mais famoso da polêmica) e anulações de 11 jogos, que artigos contra as fraudes esportivas, a violência nos estádios e o cambismo foram contemplados no Estatuto do Torcedor.

José Reinaldo crê na reativação do caso e cobra mais liderança dos clubes (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

“O futebol está sendo fraudado? Eu não tenho a resposta, mas sei que hoje temos mecanismos melhores para ir contra isso. As pessoas que estão no meio do futebol precisam ficar de olhos abertos para não serem surpreendidas. Não acredito nem desacredito de nada, basta ver a situação que a CBF se encontra, com o ex-presidente preso. Isso é sinal que os mecanismos estão funcionando. É preciso tomar medidas que peguem no bolso e na liberdade dos envolvidos”, comentou em sinal de aprovação.

Ao recordar o caso fraudulento de 2005, que envolveu, além de juízes de futebol, um esquema de apostas a partir de empresários, José Reinaldo lembrou que a maior dificuldade, à época, foi enquadrar a contravenção em termos legais. O Promotor ainda comentou as diferentes frentes do processo – cível e criminal –, que está trancado no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2008. À época, os autos julgaram que o crime estava descaracterizado por falta de provas.

“O crime de estelionato em si era pequeno para a gravidade do fato. O futebol é um patrimônio do povo, e não poderíamos achar que uma indicação por estelionato resolveria a fraude. As pessoas foram imediatamente banidas e teve uma frente criminal que até hoje não terminou. Teve uma frente cível, que foi a condenação da FPF e da CBF em multas milionárias pela omissão na fiscalização. Mas a melhor consequência foi alertar o Congresso para criar leis que abordassem essas questões”, indicou.

Sobre o recurso que está para ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), o Promotor de Justiça se mostrou otimista quanto à reativação do processo criminal contra os envolvidos. Arquivado há sete anos, o requerimento acusa os árbitros e empresários de formação de quadrilha e estelionato, já que o caso tem que ser julgado de acordo com as proposições legais da época – em 2005, não existiam artigos que discriminavam, especificamente, a fraude esportiva.

Edílson de Carvalho chegou a ser preso em 2005, antes do processo parar por ‘falta de provas’ (Foto: Marcelo Ferrelli/Gazeta Press)

“Estávamos no fim da ação quando veio o trancamento. Tem um recurso para ser julgado no STF em Brasília, mas isso demora. Se ele for aprovado e ganharmos, e eu confio nisso, a ação penal envolvendo a Máfia do Apito deve recomeçar. Se nós perdemos, a parte criminal da ação vai ficar sem uma resposta. Tá lá para ser julgado e resolvido, existe a possibilidade de prescrição, mas eu confio que a medida continue no tribunal”, avaliou, acrescentando que não há prazo para a ação prescrever na Justiça.

Ao analisar as questões pertinentes ao Estatuto do Torcedor, que foram contempladas por iniciativa dos promotores envolvidos no caso, José Reinaldo admitiu que tanto a violência nos estádios quanto as práticas fraudulentas e o cambismo, cujo exercício é recorrente na porta da maior parte dos estádios do País – independente da importância do jogo ou preço do ingresso – continuam a acontecer, entre outros motivos, por falta de liderança nos clubes.

“Há boas maneiras de coibir o cambismo, por exemplo, mas isso demanda uma maior participação dos dirigentes dos clubes. O que acontece é que a maioria é extremamente leniente. O clube, no final das contas, acaba atentando contra o próprio patrimônio. A distribuição de ingressos para as torcidas a não sei que título continua deixando o clube dependente. Vejo as torcidas ainda mais aparelhadas dentro das novas arenas. É um equipamento novo com uma mentalidade antiga e isso me preocupa”, reconheceu.

Apesar de defender que “a manutenção das práticas criminosas se deve à volúpia pelo poder econômico associada à falta de ética”, o Promotor bem sabe que os problemas no futebol nacional não se restringem aos mecanismos de fraude cada vez mais em pauta a partir do escândalo envolvendo a Fifa. A ação violenta, que é um traço intrinsecamente humano, compromete a imagem tanto quanto as roubalheiras.

“A violência no futebol é um fenômeno que implica em uma série de fatores: segurança e estrutura, por exemplo. A todo lugar que reúne uma quantidade grande de pessoas, quanto mais estrutura de bem estar você conseguir oferecer, menos problemas você vai enfrentar. Mas outras motivações, como problemas com ingressos ou o consumo de bebidas podem gerar uma situação de estresse, acarretando em eventos de agressividade em massa com maior frequência”, comentou, certo de que uma política governamental bem implementada, como no caso dos ‘hooligans’ ingleses, pode dar conta do problema.

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