Sósia relembra acerto ao confundir jornalista na Copa e defende Felipão - Gazeta Esportiva
Helder Júnior
São Paulo (SP)
03/27/2018 01:00:20
 

Do fundo de um elevador lotado do prédio da Fundação Cásper Líbero, um senhor paulista coçou os seus bigodes brancos e falou com um sotaque gaúcho ensaiado nos últimos 15 anos: “Bah, tchê, dá licença!”. Ele desceu sorrateiramente no sugestivo sétimo andar e deixou um burburinho atrás de si. “Era o Felipão?”, perguntou uma garota.

Em junho do ano passado, o jornalista Mario Sergio Conti não teve a mesma dúvida. Avistou Wladimir Palomo na poltrona 25E de um voo de final de tarde do Rio de Janeiro para São Paulo, durante a Copa do Mundo, e iniciou ali mesmo uma entrevista que seria publicada na Folha de S. Paulo. “Felipão respondeu de bom grado tudo que lhe foi perguntado”, relatou.

O problema é que não se tratava de Felipão. Sósia do treinador desde o final da década de 1990, Wladimir Palomo havia acabado de participar de uma gravação do programa “Zorra Total” no estúdio da TV Globo, em Jacarepaguá, ao lado de Victor Martins, cover do atacante Neymar. “Vê se dorme, moleque”, disse um imitador para o outro, conforme o que o próprio Mario Sergio Conti publicou.

Sósia de Felipão ficou famoso ao confundir um jornalista durante a Copa, que terminou mal para o treinador (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Dei um tapa na cabeça do Victor, e um cara do meu lado achou graça. Não sabia que era esse jornalista. Ele começou a puxar papo comigo. Conversei normalmente, como faço com todo o mundo, até porque já me acostumei a ser chamado de Felipão. Trocamos uma ideia sobre futebol. E ainda dei sorte, porque acertei! Falei que o meu medo era a defesa!”, sorriu Wladimir, na visita que fez à redação da Gazeta Esportiva por ocasião do primeiro aniversário da derrota por 7 a 1 para a Alemanha, em 2015.

De fato, Conti não titubeou em alardear no título de sua reportagem o temor do falso Luiz Felipe Scolari: “‘O problema do Brasil é a zaga’, diz Felipão”. Em uma de suas erratas, a própria Folha de S. Paulo estranhou: “Um dos trechos considerados implausíveis foi aquele em que o suposto Felipão critica a zaga da Seleção, já que esse é considerado um dos pontos fortes do time brasileiro”.

Era. A partir do dia 8 de julho, quando a Alemanha impôs a maior humilhação do esporte nacional no Mineirão, a confiabilidade da zaga capitaneada pelo emotivo Thiago Silva ruiu tal qual o anonimato de Wladimir Palomo. Ser confundido com o próprio Felipão fez o sósia se sentir um pouco mais próximo da realidade do atual técnico do Guangzhou Evergrande, da China.

“Meu amigo… O negócio bombou! Tive que dar entrevista até para a BBC de Londres, para cara daqui, da Alemanha, de todos os lugares. Por sorte, a minha sobrinha é jornalista e fala fluentemente inglês, francês. Mas acabou o meu sossego. Na Avenida Paulista, não conseguia nem andar. Uma vez, socorro, o povo me imprensou em um restaurante. E, ao contrário do Felipão, não tenho certas vantagens: segurança, assessor…”, comparou.

Wladimir geralmente atenta para as suas desvantagens em relação a Luiz Felipe Scolari. Bem mais magro do que o treinador, naquela que é a mais visível diferença entre ambos, o sósia alisou a barriga ao explicar: “É porque ele ganha um pouquinho mais do que todos nós”. Mais tarde, vendo fotos antigas no arquivo da Gazeta Esportiva, apontou: “Talvez o nosso gene seja parecido, sei lá. Olhe esse bigode escuro aqui, do Felipão dos tempos de Palmeiras. Igualzinho! E veja o carrão que o cara já tinha!”.

Foi justamente durante a primeira passagem de Scolari dirigindo o Palmeiras que Wladimir Palomo começou a chamar a atenção por suas semelhanças físicas com o técnico. Corintiano fanático – gosta de frequentar os jogos da equipe com ingressos cedidos por um sobrinho, gandula em Itaquera –, o então analista de produção recriminava os colegas da Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo que o chamavam de Felipão.

Wladimir veste o verde do Palmeiras para se caracterizar, mas torce pelo Corinthians (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Eu era zoado pra caramba”, recordou Wladimir, apesar de ter sido reprovado no teste da fidelidade ao clube de coração. “Se o Felipão fosse para o Corinthians, seria legal me vestir com um uniforme todo alvinegro para representá-lo. Roupa do Palmeiras? Não, não, não. Nunca usei. Seria demais. Mas, se precisar, até coloco. Pagando bem, que mal tem?”, brincou.

Os rendimentos dos seus primeiros contratos como sósia de Felipão convenceram Wladimir a transformar o que antes era gozação dos amigos na sua principal atividade profissional. Ele gravou comerciais televisivos como figurante a convite da filha, que já atuava na área, e foi chamado para incorporar Luiz Felipe Scolari em uma propaganda de óleo para motores. “Emendei um trabalho no outro a partir daí e larguei o emprego que tinha.”

Decidido a investir na nova carreira, Wladimir foi a um shopping da Rua 25 de Março, popular centro comercial paulista, para comprar um uniforme verde – não do Palmeiras, mas da Seleção Brasileira. Ele usa o traje até hoje para se caracterizar. Costuma levá-lo em uma mochila e só se troca minutos antes de aparecer em cena como Luiz Felipe Scolari, evitando ao máximo os curiosos.

O cover se divertiu com as fotos de Felipão que encontrou no acervo da Gazeta Esportiva (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Mas hoje esqueci o meu chapeuzinho”, lamentou, ciente de que está mais perto de pendurar definitivamente o boné de sósia. “O Felipão está distante agora. Também não me preocupo tanto com isso. Vamos ver se pintam mais trabalhos para mim nas Olimpíadas, mas não acredito muito. Pode ser que venha alguma coisa do Sul, porque lá ele ainda é rei.”

Luiz Felipe Scolari perdeu a majestade na última Copa do Mundo. Enquanto Wladimir Palomo era confundido com ele até na hora de conceder uma entrevista em pleno voo, o técnico sofria para fazer a Seleção Brasileira apresentar um futebol digno de suas tradições. E não enganou quase ninguém. “Como brasileiro, fiquei p… Como Felipão, fiquei triste”, resumiu o sósia, sobre as decepções do torneio que culminaram naquele 7 a 1 para a Alemanha.

Wladimir acompanhou a goleada na casa do seu cunhado – ele diz só ter ido a um estádio (o do Corinthians) durante a Copa, “para ver a Romênia” (na verdade, a Bélgica, que venceu a Coreia do Sul por 1 a 0). No intervalo do massacre alemão, a noiva de um sobrinho recorreu aos conhecimentos de quem já havia diagnosticado a zaga como o grande problema da Seleção Brasileira: “Você viu alguma vez um jogo terminar o primeiro tempo com 5 a 0 no placar?”.

Preocupado com a imagem de Felipão, sósia se arrependeu de formar o número sete com os dedos em uma foto (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

“Eu falaria o quê? Nunca tinha visto nada parecido”, comentou Wladimir, sobre o dia em que um grupo de jogadores pareceu não ser mais do que sósia da Seleção Brasileira. “Mas todo o mundo queria que o Felipão entrasse com o Bernard. Foi o que ele fez, e ferrou. Não tinha jeito. Sinceramente, o técnico não teve culpa. Aquele time da Alemanha joga muito. Tomamos um baile. Como ensina o ditado: onde passa um boi, passa uma boiada”, filosofou.

Fã de Vagner Mancini, Wladimir Palomo considera Felipão um bom técnico, apesar de teimoso. “Quando insiste em um negócio, é igualzinho a mim”, afirmou, saindo em defesa de seu semelhante. “Ele convocou os melhores para a Copa, mas confiou muito em pessoas erradas. Vamos ser sinceros: o que dá para esperar de um jogador que chora porque os times vão bater pênaltis? Jogo bola até hoje, na várzea. Quando vi aquilo, falei: ‘Já era’. E ainda aconteceu a infelicidade de o Neymar se machucar”, completou, com trejeitos dignos de Scolari.

Proteger a imagem de Felipão é uma missão assumida por Wladimir Palomo antes mesmo daquele fatídico 8 de julho. Na única vez em que encontrou o técnico, quando gravaram juntos um comercial televisivo, assegurou jamais denegrir a honra alheia. “Ele me viu e falou: ‘Felipinho!’. E eu: ‘Felipão!’. Foi um contato rápido, nos bastidores. Disse para ficar tranquilo, que jamais arranharia a imagem de um profissional. Sempre me preocupei com isso. Tinha medo da reação dele. Mas conheci uma pessoa completamente diferente daquilo que aparenta, muito gente fina, tranquila”, percebeu.

Wladimir entrega esse cartão em suas entrevistas – à Gazeta Esportiva, deu também o da Katy Perry cover (foto: Fernando Dantas/Gazeta Press)

Exatamente pelo receio de ofender Felipão, Wladimir Palomo se arrependeu de posar para uma fotografia formando o número sete com os dedos durante esta entrevista. “Não publique isso, por favor”, pediu quase sete vezes. Também fez questão de se identificar sempre que emitia uma opinião sobre futebol. “Não sou o Felipão, ouviu? Sou o sósia dele”, enfatizou, para evitar o risco de fazer mais um jornalista incorrer no erro de Mario Sergio Conti.

“Fiquei p… porque, depois de toda aquela história na Copa do Mundo, o cara nem me ligou para pedir desculpas. Eu podia tê-lo processado porque usou a minha imagem e tudo o que falei sem a minha autorização”, chiou Wladimir Palomo, também irritado com uma reportagem publicada em outro veículo, em que confessava o seu medo de perder alguns trabalhos por causa da confusão com a Folha de S. Paulo.

Superada mais uma entrevista, esta realizada um ano depois de vir à tona com o seu ataque à zaga da Seleção Brasileira, o falso Luiz Felipe Scolari pediu um café, perguntou sobre o comentarista corintiano Chico Lang nos corredores da TV Gazeta e caminhou a uma agência bancária antes de se despedir. Também entregou o seu cartão de visitas (e o da Katy Perry cover, que conheceu a serviço, em uma festa de aniversário de 15 anos), o mesmo apresentado a Mario Sergio Conti.

Àquela altura, Wladimir Palomo já havia tirado os trajes verdes da Seleção Brasileira para ficar à vontade ao entrar novamente em um elevador lotado e ir às ruas de São Paulo. Sem medo de gozações por causa do histórico 7 a 1. “Ah, a maioria dos caras sabe que não sou o Felipão. Só se for muito distraído, né?”, sorriu.



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